A política habitacional da prefeitura e do governo do Estado, hoje, produz ocupações

No blog da Raquel Rolnik

Em entrevista à rádio USP, a urbanista Raquel Rolnik fala com a jornalista Sandra Capomaccio sobre a tragédia anunciada produzida pela política de habitação atual.

Sandra Capomaccio: A ocupação irregular foi o motivo do incêndio?

Raquel Rolnik: Evidente que não. Os ocupantes são as vítimas, não a causa. A questão fundamental e estruturadora é a existência de uma quantidade enorme de prédios vazios, abandonados, colocando em risco seu entorno, e que são uma afronta às necessidades imensas de moradias que existem em São Paulo. Esse é um exemplo claro de um imóvel público que foi abandonado, ou melhor, que, ao invés de ter sido destinado a uma função social, a uma necessidade pública, é mantido vazio, subutilizado em função de expectativas de remuneração/rentabilidade que hoje ele não tem. E existem centenas como este, públicos e privados, vazios por anos.

As pessoas invadem estes prédios por não ter onde ir, e agora a prefeitura diz que encontrou lugares para estas pessoas. Como é isso?

Na verdade não temos uma política habitacional que dê conta de necessidades diversificadas. Temos hoje uma presença grande de populações refugiadas, por exemplo. O país assina convenções para receber estas pessoas, o que é ótimo, mas não se prepara minimamente para recebê-los. E a moradia para quem acaba de chegar, seja migrante, imigrante ou refugiado, é transitória, de passagem, o que não existe como programa de governo. E há situações de idosos, sozinhos, que não precisariam ter que comprar casa própria, mas sim ter um aluguel acessível  como alternativa. As ocupações são fruto de uma política habitacional que remove gente de favelas, de áreas desapropriadas – acabamos de ver isso na região na Luz -, e oferece apenas uma bolsa-aluguel. São cerca de 30 mil pessoas hoje que recebem R$ 400 de bolsa-aluguel. O único lugar em São Paulo possível para este aluguel é viver em ocupações. Ou nas favelas mais precárias das franjas da cidade. A política habitacional da prefeitura, hoje, produz ocupações.

Temos hoje algum projeto habitacional que conseguiu reformar estes prédios?

Sim, nós já temos esta experiência em São Paulo. Isto foi feito na gestão  da ex-prefeita Luiza Erundina pela primeira vez com um prédio na Mooca. O governo do Estado, através da CDHU, também já teve um programa para começar a fazer isto, mas foi interrompido. Na gestão da ex-prefeita Marta Suplicy foram reformados vários prédios, tanto para programas de casa própria como de locação social. A gestão Haddad desapropriou e pagou vários para poder reformá-los – e, ao perder a eleição para Dória, o programa foi interrompido. Creio que temos hoje pelo menos dez  edifícios que foram reformados e hoje tem moradores que vivem com qualidade. Isso foi experimentado.

É possível ocorrer novamente outra tragédia?

É possível, até porque várias ocupações, consolidadas, que estão há anos em processos de auto organização e mutirões, pedem a religação da energia elétrica, da água. Isso é sistematicamente negado, mesmo em edifícios de propriedade pública. Isso expõe a população a perigos e a possíveis desastres. Além disso, temos no Plano Diretor uma política com instrumentos que dizem: imóveis que não cumprem função social devem ser penalizados, até inclusive a desapropriação, com pagamentos de títulos da dívida pública.  Descobrimos, por exemplo, com o trabalho que está sendo feito pelo Fórum Mundaréu da Luz na região da Cracolândia , só em um raio de 1 km em torno das quadras 36, 37 e 38, aonde centenas de pessoas estão sendo removidas sem ter para onde ir, que só com os edifícios vazios já notificados pela prefeitura por não cumprir sua função social, seria possível produzir 1000 unidades habitacionais, mais do que suficiente para reassentar quem está lá, sem jogar ninguém na rua! Assim a pessoa pode ser removida, como está ocorrendo agora nos Campos Elíseos, com uma bolsa-aluguel de R$ 400, e uma outra alternativa de moradia, a não ser ocupar um edifício abandonado.

Ouça a entrevista na Rádio USP aqui.

Imagem: Moradores sobreviventes do Edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou no 1° de maio de 2018, dormem no largo do Paissandu, atrás das grades. Foto: Rodrigo Borges /Folhapress

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