Agentes o confundiram com assaltante; vítima, que discute racismo em sua obra, registrou queixa
No Correio 24 horas
O ator Leno Sacramento, 42 anos, foi baleado em uma das pernas na tarde desta quarta-feira (13) durante uma abordagem policial no Centro de Salvador. A assessoria do Bando de Teatro Olodum, ao qual ele pertence, informou ao CORREIO que Leno estava passando de bicicleta com um amigo pela Avenida Sete de Setembro, perto do Forte de São Pedro, por volta das 16h, quando foi abordado por policiais civis.
Os agentes, que estavam à paisana, ordenaram que o ator e o amigo parassem e atiraram antes que eles esboçassem reação. Um amigo apontou que ele não tinha ouvido a ordem do policial.
Uma testemunha, que não quis se identificar, disse à reportagem que eram quatro policiais ao todo e eles passaram em uma viatura ao lado da bicicleta em baixa velocidade.
“Eu só vi a confusão e a zoada de tiro. Todo mundo começou a gritar. O homem estava sem camisa, mas não parecia que ia reagir. Quando o policial atirou, ele (Leno), já com a perna ferida, levantou, botou as mãos pra cima e começou a gritar: ‘Eu não sou ladrão, eu não sou ladrão'”, relatou.
Colegas de baba
Os policiais depois reconheceram Leno e o encaminharam para o Hospital Geral do Estado (HGE). Segundo o CORREIO apurou, um dos policiais conhece o ator, pois ambos jogavam futebol juntos no bairro de Castelo Branco.
Os agentes ainda pediram desculpas e alegaram que estavam em busca de assaltantes que roubaram uma senhora no Campo Grande, momentos antes, e que também estavam de bicicleta.
Como a bala atingiu o ator de raspão, ele foi suturado e já recebeu alta da unidade médica. Depois, seguiu junto com o amigo para a 1ª Delegacia (Barris) para registrar queixa.
Por volta das 19h, ele saiu da delegacia acompanhado da esposa e de dois advogados. Enquanto esperava por um delegado, a ferida voltou a sangrar e os advogados pediram que ele fosse ouvido em um outro dia. O ator não conseguiu prestar depoimento.
Leno foi para o Hospital Português para receber atendimento. Ele deve ter alta ainda na noite desta quarta-feira (13). A bala atravessou a panturrilha, mas não atingiu nenhum osso.
Na saída, carregado e com lágrimas nos olhos, ele preferiu não dar entrevistas. Questionado, enquanto deixava a delegacia e se encaminhava para o carro, se acreditava que o tiro foi um caso de racismo, respondeu para a repórter: “Você acha o quê?”
Leno não queria prestar depoimento para um escrivão, e aguardou no local por mais tempo para falar com um delegado, como revelou o ex-secretário da Cultura do estado, Márcio Meirelles, que o acompanhava na delegacia.
“A ferida dele voltou a sangrar. Os advogados tinham feito um acordo e assinado um termo para que ele voltasse a prestar depoimento na sexta-feira. Mas aí chegou uma nova ordem. Disseram que foram buscar um delegado”, contou Meirelles, antes de o ator deixar o local com a perna esquerda sagrando, apesar dos curativos.
A assessoria da Polícia Militar informou que não foi acionada para atender à ocorrência. A comunicação da Polícia Civil disse que “a 1ª Delegacia Territorial (Barris) juntamente com a Corregedoria da Polícia Civil (Correpol) apurar o fato e se houve excesso por parte dos policiais civis durante a abordagem”, explicou em nota.
Os policiais envolvidos na ocorrência foram ouvidos por um delegado – corregedor e um procedimento para apurar as circunstâncias do ocorrido foi instaurado.
Racismo
No teatro, Leno Sacramento encena atualmente En(cruz)ilhada, monólogo no qual discute o racismo e as várias mortes simbólicas que envolvem o negro na sociedade.
“Ele tem um espetáculo que aborda justamente situações diversas de racismo que nós negros passamos no Brasil. E aí a ficção se torna realidade. Na verdade, foi a ficção que foi inspirada na realidade”, disse o amigo e colega do Bando de Teatro Olodum, o ator Fábio de Santana, que aguardava notícias de Leno na porta da 1ª Delegacia.
“Assim que nascemos nossas cabeças são colocadas na mira de uma bala que segue nos matando lentamente: a morte social, a morte cultural, a morte financeira, a morte estética, a morte psicológica”, comentou o ator, sobre a obra, que, por coincidência, concorre ao Prêmio Braskem de Teatro na noite desta quarta (13).
“A morte nos invade, nos extermina e nos põe em uma cruz de braços abertos. Ela nos deixa sem escolha, sem opção”, completa, em cartaz também no Cabaré da Raça, clássico do Bando que comemora 20 anos e que também aborda a temática do racismo na sociedade. O ator ainda não confirmou se vai estar presente na cerimônia, que será realizada no Teatro Castro Alves.
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Em monólogo que disputa o prêmio Braskem, Leno Sacramento discute o racismo. Foto: Diney Araujo/Divulgação