‘O STF não tem muita noção do que seja democracia’, diz Renato Janine

Ex-ministro da Educação participou do programa “Entre Vistas”, da TVT. Para o filósofo, a democracia não entrou no DNA do Brasil, uma sociedade planejada para ser desigual, excludente e exploradora

Por Redação RBA

São Paulo – Convidado do programa Entre Vistas desta terça-feira (13), exibido pela TVT, o filósofo Renato Janine Ribeiro surpreendeu ao afirmar que o Supremo Tribunal Federal (STF) não tem muita noção do que é democracia. Como exemplo, citou decisões tomadas pela Corte durante anos que alçavam ao cargo de prefeito ou governador o segundo colocado de determinada eleição, quando o vencedor tinha, por algum motivo, sua vitória cassada.

“Isso não vale, tem que fazer nova eleição. O Supremo não tem muita noção do que seja democracia, eles (os ministros) pensam mais a partir do Estado de direito, mas a ideia de que o Estado democrático de direito é um avanço sobre o Estado de direito não entra muito na cabeça deles”, afirmou. Para ele, é uma “vergonha” o Judiciário impedir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de concorrer nas próximas eleições, justamente o candidato que lidera todas as pesquisas de intenção de voto.

“Você não faz isto trivialmente, numa sentença extremamente contestável (em referência à condenação imposta pelo juiz Sérgio Moro). Não se faz isto. Quem faz isto? O Putin faz isto na Rússia, teve um ditador na Malásia que fez isto”, criticou o professor de Ética e Filosofia Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). “Não são as democracias consolidadas que usam pretexto jurídico para tirar um candidato que não agrada o establishment.”

Além de refletir sobre a democracia no Brasil e no mundo, durante quase uma hora de programa o ex-ministro do governo de Dilma Rousseff abordou temas como ética, corrupção, desigualdade social e, claro, educação. Sobre corrupção, disse que historicamente o tema é apontado como o principal problema do país e fonte de todos os males – uma visão da qual discorda frontalmente. Para ele, num momento de grave crise econômica como a enfrentada pela ex-presidenta Dilma, o governo pode acabar adotando políticas ruins ou equivocadas para o momento, mas a ideia que prevalece é a corrupção como culpada de tudo.

“Nem tudo na política é corrupção ou roubo, mas no Brasil é muito difícil ter esse raciocínio um pouco mais sofisticado”, ponderou. Na sua opinião, o cidadão deve obviamente querer eleger um candidato honesto, mas que também tenha ideias e ideais com os quais o eleitor se identifique. “Isso no Brasil é difícil. Neste sentido, a democracia no país pegou muito de leve, não entrou no DNA. Temos um DNA meticulosamente planejado para sermos uma sociedade desigual, excludente e exploradora. Isto não está aí por acaso, foi planejado nos mínimos detalhes. O Brasil é um caso de sucesso, deveria ser estudado como conseguiu tanto sucesso na exclusão”, disse o filósofo, em tom de ironia.

O grande desafio

O ex-ministro da Educação critica a reforma no ensino médio realizada pelo governo de Michel Temer, embora reconheça que mudanças são necessárias. Segundo Renato Janine, o ensino médio deve formar o indivíduo como cidadão, um ser humano qualificado, de modo a preparar o jovem para lidar com a vida concreta. Destacou que as matérias de ciências humanas, “quando são bem dadas”, cumprem esse objetivo.

“A sociologia, por exemplo, deveria preparar as pessoas para entender a produção da pobreza e da riqueza, as culturas mais variadas. A filosofia política deveria ensinar o que é direita e esquerda, o que é democracia e ditadura, o que é liberalismo e socialismo, além de ética e lógica”, explicou o professor da USP. “Na verdade o jogo é um só. O jogo é você formar um pensamento qualificado, rigoroso sobre a vida.”

Questionado pelo apresentador Juca Kfouri sobre sua passagem como ministro da Educação, Renato Janine disse que o mais difícil foi perceber que entre os seus ideais e a aplicação deles há uma “máquina gigantesca”. Como exemplificou, elogiou a criação de novas universidades públicas e a ampliação de vagas no ensino superior durante os mandatos de Lula e Dilma, mas afirmou que mexer na educação básica é algo muito mais difícil. “A educação do jeito que é, mantém desigualdades. Se ela for boa, reduz.”

Sobre os polêmicos projetos de lei batizados de Escola sem Partido, que atualmente tramitam no Congresso e câmaras municipais, o ex-ministro da Educação afirmou que a escola deve ser baseada na ciência. “Não penso que escola seja lugar de ideologia”, sentenciou. Para ele, devem prevalecer as ciências humanas e exatas, e outras áreas, como artes e línguas, para se ter um “conhecimento rigoroso”. No mais, os valores que a escola deve transmitir são aqueles inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros tratados semelhantes.

“Eu nunca tomei partido em sala de aula. Sempre quis apresentar os dois lados e fazer com que a discussão prospere”, afirmou, destacando que nenhuma ciência dispensa controvérsias e polêmicas. Porém, de acordo com o filósofo, não se pode querer numa aula de física ou biologia ensinar o criacionismo, pelo simples fato dele não ser ciência. “Não tem que colocar criacionismo em lugar nenhum da escola. Se alguém deseja ensinar isto numa escola religiosa, que o faça por conta e risco, mas a escola não é o espaço da polêmica pela polêmica.”

O golpe e o anão

Quase ao final do Entre Vistas, Juca Kfouri perguntou ao ex-ministro se ele tem certeza que haverá eleição em outubro, questão recorrente em certos grupos do campo progressista nos últimos tempos. “É uma questão muito difícil”, disse Renato Janine. Para ele, o Brasil hoje é um “anão internacional”, um país não mais respeitado mundo afora, e o eventual cancelamento das eleições aumentaria essa desmoralização internacional.

Sem receio de usar a palavra “golpe” para definir os acontecimentos recentes mais marcantes no país, como o impeachment de Dilma e a prisão de Lula, o filósofo acredita que a preferência dos golpistas seja a vitória de um candidato do PSDB.

Segundo o ex-ministro, o que mais preocupa é a falta de respostas à altura da esquerda e do campo progressistas, em geral, a cada “passo do golpe”. O comportamento seletivo da Justiça é outro elemento apontado por ele como preocupante. O grande exemplo é a prisão de Lula por um apartamento que nunca foi dele, enquanto o senador Aécio Neves (PSDB-MG), gravado pedindo R$ 2 milhões, está solto.

O próprio protagonismo assumido pelo poder judiciário é visto como preocupante pelo filósofo. Lembrando que a Justiça é um poder não eleito, com características aristocráticas, Renato Janine Ribeiro diz “não ser mal” ter um poder qualificado pela competência, resultado de concursos públicos, mas quando esse poder é usado para mudar a interpretação da Constituição, punir umas pessoas e poupar outras, tudo fica “muito complicado”.

Assista ao programa na íntegra:

 

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