Por Lanna Cecília, do MPA, e Áurea Olímpia, da ASPTA, na Asa
Numa região em que 676 escolas foram fechadas em apenas nove anos, uma comunidade organizada e mobilizada mostra que é capaz de lutar contra este desfecho. Foi o que aconteceu com a Escola Municipal Maria Emília Maracajá, que funciona há 31 anos na zona rural de Areia, município do Brejo paraibano. O prefeito João Francisco de Albuquerque (PSDB) decidiu fechá-la em janeiro passado. Entendendo que a instituição é um bem público, a comunidade escolar resolveu correr atrás de seus direitos.
Amparados na Lei Nº12.960/14, que determina que o fechamento de escolas do campo só seja feito mediante a manifestação da comunidade escolar, mães, pais e educadores resolveram defender na justiça e entraram com uma ação no Ministério Público. No dia 21 de maio, a juíza Alessandra Varandas determinou a abertura imediata da instituição e mais duas outras escolas. A ação civil pública foi impetrada pelo promotor Newton Chagas.
Na segunda-feira passada (18), um “Arraiá de Reabertura” celebrou a reabertura da Escola Municipal Maria Emília Maracajá, no Sítio São José do Bomfim, na zona rural de Areia, no Brejo paraibano. O momento anima a luta de dezenas de famílias da comunidade e vizinhança pelo direito de seus filhos estudarem no campo, perto de casa.
Segundo Fabiana Batista dos Santos, mãe do estudante Joalisson, de oito anos, o prefeito passou por cima de todos ao decidir fechar a escola. “Ele nem foi lá consultar sobre o fechamento, foi só comunicar, mas a gente não aceitou e nos recusamos a assinar a ata da reunião”, comenta.
Desde que a prefeitura decidiu fechar a escola, a comunidade foi apoiada de organizações e movimentos sociais do campo, manteve as aulas para as 47 crianças debaixo de um barracão de lona montado pela comunidade com professoras voluntárias e merenda feita em mutirão pelas mães e pais.
Pedagoga, agricultora e assentada, Fabiana foi uma das mães envolvidas no mutirão de resistência. Com experiência de já ter sido monitora de Português e Matemática do Programa Mais Educação por cerca de cinco anos na escola, Fabiana assumiu a sala de aula neste primeiro semestre de 2018. “A gente se sentiu muito feliz, e se já nos sentíamos parte da escola, agora somos mais do que nunca. Nossa luta agora é para manter a escola aberta com qualidade. Vamos continuar lutando para que a Maria Emília seja uma escola do campo modelo”, afirma Fabiana, que conta que a gestão municipal ainda não cumpriu o acordo com o MP, pois houve a redução de um professor no local, que antes contava com três educadores.
A professora Albertina Maria de Brito, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Campus Bananeiras, e da Rede de Educação do Campo da Borborema, acompanhou de perto a luta pelo não fechamento da escola Maria Emília. Ela foi uma das responsáveis por um estudo qualitativo que a Rede promoveu junto as comunidades diante do fechamento. “É um grande ganho a tomada de consciência dos sujeitos. A resistência só faz sentido se as pessoas entenderem a que elas estão resistindo e o porquê disso. As pessoas do Maria Emília compreenderam isso. Nós, enquanto Rede de Educação do Campo, só podemos apoiar quando existe essa luta a partir das pessoas que precisam da escola aberta. Temos observado que nos locais em que a comunidade reage, a escola não fecha. Tenho certeza de que, se mais comunidades despertassem para a luta, não teríamos um número tão alto de escolas fechadas”.
Na resistência pela reabertura da escola, a comunidade contou com o apoio de movimentos sociais como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Rede de Educação do Campo da Borborema, Levante Popular da Juventude, MST, Fórum dos Assentados, Associação dos Educadores do Munícipio de Areia, Sindicato dos Trabalhadores Públicos Municipais do Agreste da Borborema e representantes do Legislativo municipal.
Várias ações foram realizadas para denunciar o fechamento e anunciar a importância da educação do campo. Deram entrevistas em programas da rádio local para informar e sensibilizar a população e denunciar as irregularidades do fechamento. Participaram de uma audiência com a ouvidoria do Ministério Público Federal e com vereadores de mandatos populares. Denunciaram o caso à Comissão Nacional de Direitos Humanos. E fizeram atos públicos pelas ruas da cidade. Além de diversas tentativas de diálogo com gestor e Secretaria de Educação para solucionar a situação da escola.
Pelo direito de estudar no campo, perto de casa – No território da Borborema, onde atua o Polo Sindical, rede de 14 sindicatos de trabalhadores/as rurais, a realidade não é diferente da enfrentada pelas comunidades de Areia. Segundo dados do Censo Escolar 2013 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e da Rede de Educação do Campo da Borborema, o número de escolas do campo passou de 857 em 2009 para apenas 181 escolas em 2018 em 14 municípios. Uma redução de 676 escolas, em menos de 10 anos. Em todo a Paraíba, no intervalo de apenas três anos – de 2009 a 2012 – as crianças do campo contam com menos de 566 escolas para estudar.
De acordo com Roselita Vitor, liderança do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Remígio-PB e da coordenação do Polo da Borborema, a educação do campo deve fortalecer a identidade camponesa dos sujeitos sociais que moram e produzem alimento no campo. “Os camponeses e camponesas são pessoas importantes para a produção de alimentos para a população, então eles precisam ser vistos como um outro olhar. As políticas para a população do campo não são um favor. É preciso ter uma visão sustentável e solidária, que pensa na agricultura considerando o meio ambiente e as pessoas”. Roselita acompanhou a luta da comunidade em defesa da escola e participou do Arraiá de reabertura.
O Polo da Borborema integra a Rede de Educação do Campo da Borborema e apoia processos de enfrentamento e resistência das comunidades. “Essa experiência é um exemplo de resistência. A bravura das professoras, que mesmo perseguidas, resistiram. O papel das mães e mulheres, que disseram ‘é aqui que nossos filhos vão estudar’, correndo o risco inclusive de perder o Bolsa Família. Destacar também o papel dos movimentos sociais, numa luta irmanados para defender a educação no campo. Houve a sensibilidade do promotor público de compreender o anseio da comunidade. Hoje foi um momento celebrativo muito emocionante, onde se comemorou a vitória, foi um processo solidário muito bonito, de organização comunitária e de articulação. Vale à pena lutar”, comenta Roselita.
O que dizem as leis – A lei federal 12.960/2014, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, determina que “o fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas será precedido de manifestação do órgão normativo do respectivo sistema de ensino, que considerará a justificativa apresentada pela Secretaria de Educação, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação da comunidade escolar” e considera que “o fechamento de escolas sem a prévia oitiva do Conselho Municipal de Educação e a garantia da participação da comunidade escolar viola os princípios da gestão democrática e vedação do retrocesso”.
Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) enfatiza em seu Art. 4° que é “dever do Estado a educação escolar pública” e estipula algumas prerrogativas, com destaque para seu inciso X, que define a exigência de “vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar quatro anos de idade”.
Edição: Verônica Pragana.
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Imagem destacada: Amparados na Lei Nº12.960/14, que determina que o fechamento de escolas do campo só seja feito mediante a manifestação da comunidade escolar, mães, pais e educadores resolveram defender na justiça e entraram com uma ação no Ministério Público – Fotos: arquivos das famílias.