A manipulação do voto nas redes sociais será um combate corpo a corpo, por Leonardo Sakamoto

no blog do Sakamoto

As eleições serão alvo de manipulação via redes sociais. Qual o alcance disso? Não é possível prever. Até porque os militantes de candidatos ou os mercenários digitais que produzem conteúdo falso, enviesado, distorcido, hiperpartidarizado, fazendo-o circular de forma ampla pelas redes sociais, são apenas parte do ecossistema de desinformação que afetará as eleições. Os esforços do poder público, das plataformas de redes sociais, da imprensa e da sociedade civis vão conseguir, se muito, mitigar parcialmente o problema.

A situação atual é a seguinte: Um naco significativo da sociedade brasileira está ultrapolarizado, achando que verdade é só aquilo em que já acredita.

Boa parte da população se informa através de mensagens trocadas por um aplicativo que opera sem transparência alguma, preferindo acreditar em boatos compartilhados pela família do que em fatos em longas reportagens com elementos que podem ser comprovados.

A capacidade de interpretar conteúdos recebidos por terceiros é baixíssima, seja por deficiência na educação formal, seja pela falta de alfabetização para a mídia.

As pessoas não se veem como responsáveis por aquilo que circulam, pelo contrário, quanto mais polêmica e sensacionalismo, melhor. Informação útil é toda aquela que pode ser usada como arma contra o adversário, quer dizer, o inimigo.

Outras, conscientes, ao se depararem com conteúdo falso, ficam em silêncio desalentado, acreditando que corrigir é inútil. Ou, pior: creem que algum senso de equilíbrio cósmico irá garantir que catástrofes não aconteçam nas eleições.

Parte da política e da Justiça propõem ideias esdrúxulas, como a criação de perigosas leis para punir ”notícias falsas” que, na verdade, dão ao Estado o poder de decidir o que é verdade e o que é mentira. Ou de criminalizar qualquer reportagem ou opinião que desagrade os donos do poder. Outras autoridades dão declarações preocupantes de que eleições podem ser canceladas em caso de influência de ”notícias falsas”. Mas quem vai definir o que é ”notícia falsa”? A própria autoridade?

Caixa 2 Digital

A proibição de doações de pessoas jurídicas a campanhas estão mudando o cenário político brasileiro. Empresas continuarão ”alugando” seus políticos, mas através do custeio de serviços digitais de consultorias especializadas na construção e desconstrução de reputações via internet.

Por ser feito nas sombras, não ter custos expressivos e nem passar pela campanha e seus representantes, esse financiamento pode ser invisível à análise das contas de campanha pelo poder público. Como já disse aqui antes, seria uma espécie de ”Caixa 2”. Mesmo que o Ministério Público e as polícias tivessem aumentadas suas capacidades de investigação em crimes cibernéticos, os grupos que prestam esse tipo de serviço estão sempre na vanguarda tecnológica e não são pegos facilmente.

Ao contrário do que se pensa, os trolls raivosos que babam e cometem ignomínias são uma parte pequena e boba desse processo. Parte desses profissionais são guiados por pesquisas comportamentais e pela análise da estratificação da população, desenvolvem equipes de semeadores de ideias para atingir os eleitores e usam softwares capazes de detectar a difusão de opinião na web, para agir imediatamente, barrando o que é ruim e promovendo o que é bom. Outros empacotam opiniões que os eleitores querem ler e ouvir e as entregam diretamente a eles via redes sociais.

Combate corpo a corpo

Consultorias estão montando bancos de dados, com 80 a 100 pontos de informação sobre cada pessoa, para poder tocar fundo o que cada uma delas deseja ouvir. A partir disso, vão criar mensagens direcionadas ao grupo microssegmentado que ela faz parte, empacota-las em uma embalagem de uma notícia falsa – emprestando, dessa forma, a credibilidade que a imprensa (ainda) tem. Daí, impulsionam esse pacote, usando um cartão de crédito pré-pago internacional e acessando através de uma VPN (Rede Privada Virtual) sediada em outro país, tornando mais difícil a identificação, responsabilização e remediação do ato.

De acordo com Fernando Neisser, advogado especialista em direito eleitoral e um dos coordenadores da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), é proibida por lei a propaganda paga na internet (como banners e anúncios) e permitidas impulsionamento de publicações de forma patrocinada nas redes sociais (como no Facebook) ou de resultados de mecanismos de busca (Google). ”Porém, com exceção do próprio candidato, dos partidos e das coligações, ninguém mais pode impulsionar material considerado de campanha em favor ou contra um candidato em período eleitoral”, analisar Neisser. Apesar disso, como o especialista mesmo reconhece, isso deve acontecer.

Segundo ele, se a Justiça Eleitoral entender que uma publicação merece direito de resposta, ele terá que ser impulsionado da mesma forma que ocorreu a ofensa e para o mesmo grupo-alvo. Mas, para tanto, deverá haver uma obrigação da Justiça a fim de cobrar o dono do cartão. Portanto, o dono do cartão que bancou o impulsionamento difamatório terá que ser reconhecido antes. Por mais que a Justiça Eleitoral seja mais rápida que a Justiça Comum, até todo esse processo acontecer, pode ser a notícia já tenha influenciado o eleitor de forma irreversível.

Vale lembrar que até que a população percebesse que a notícia de que Alberto Yousseff, um dos primeiros delatores da Lava Jato, havia sido envenenado e morto em Curitiba às véspera da votação de outubro de 2014 era falsa, muitos ficaram chocados com a informação. E isso pode ter pesado em sua decisão eleitoral.

Para Fernando Neisser, as plataformas deveriam melhorar seus filtros para identificar o que é propaganda política impulsionada por qualquer um que não seja candidato, partido e coligação – o que, como já dito, é proibido por lei.   Um algoritmo de controle das plataformas poderia separar uma coisa e outra. Se chegasse a uma dúvida razoável, o material poderia ser enviado a um controle manual e, se ainda a dúvida persistisse, o conteúdo seria mantido. Mas isso, claro, custa caro. E as eleições, que poderiam ser uma fonte de renda extra às plataformas, podem ser tornar motivo de perdas.

De qualquer maneira, tendo em vista a forma como está sendo tocado esse debate pelo poder público e o tempo exíguo para que soluções sejam implementadas, aguarda-se um prejuízo da democracia.

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