A inspiração por trás do livro aclamado de Geovani Martins

No dia 19 de junho, o escritor Geovani Martins falou na PUC-Rio sobre o lançamento de seu primeiro livro, aclamado pela crítica, O Sol na Cabeça

por Chris Harden, em RioOnWatch

Nascido em Bangu, na Zona Oeste do Rio, e tendo passado a sua adolescência no Vidigal, na Zona Sul, hoje morador da vizinha Rocinha–Geovani extraiu de suas próprias experiências nas favelas do Rio ideias para construir uma série de treze contos centrados em personagens fictícios, majoritariamente baseados em favelas por toda a cidade. Através de uma série de narrativas únicas, O Sol na Cabeça desenvolve uma imagem complexa da vida nas favelas, ao mesmo tempo em que destaca problemas comuns, como conviver com as UPPs e o preconceito cotidiano por parte da população mais abastada do Rio. Desde o seu lançamento em março deste ano, o livro foi recebido com tremendo sucesso. Críticos publicaram elogios através da mídia nacional e O Sol na Cabeça se tornou o primeiro livro brasileiro na história a vender direitos de publicação para traduções em nove países antes do seu lançamento. Direitos foram vendidos inclusive para uma adaptação cinematográfica.

Na PUC-Rio, Geovani discutiu suas inspirações para o livro, citando primeiramente sua experiência em muitas favelas da cidade. Além de transitar vinte vezes por favelas através da Festa Literária das Periferias (FLUPP), Geovani visitou uma favela diferente todo fim de semana de 2013 para trocar comentários e experiências com outros autores de favelas. Ele disse que até aquele período, ele “não conseguia simplesmente olhar para [a favela] e imaginar um livro feito daquelas histórias” das pessoas e daqueles lugares, e que só começou a ver o potencial que ali estava, depois de participar da FLUPP. Além disso, as idiossincrasias que ele notou em diferentes comunidades, de gíria a variados maneirismos e atitudes, deram a ele material para escrever um livro cheio de diferentes personagens espalhados pela cidade.

Para provocar reflexões sobre o racismo na cidade, Geovani decidiu não descrever nenhum dos personagens do livro pela cor da pele, exceto pelos poucos personagens brancos. A maioria dos livros, ele sente, até mesmo aqueles de alguns de seus autores favoritos, tendem a colocar “‘negro’ como definição das pessoas negras no livro”, da introdução do personagem em diante. Enquanto isso, presume-se que personagens não descritos sejam brancos por padrão, como se a literatura–que é um reflexo da sociedade, ele enfatiza–fosse um espaço para personagens brancos e personagens negros não a pertencessem. Com isso em mente, Geovani colocou seus personagens “sem cor” em situações “impossíveis de imaginar com personagens todos brancos”, como ser parado, revistado e ameaçado pela Polícia Militar nas ruas, e fez da brancura dos personagens brancos, um traço que os define. O livro “diz o tempo todo sem dizer, e esfrega na cara de todo mundo, que essa é a visão que a sociedade tem para essa população”, explicou, enfatizando as formas naturalizadas de preconceito que os afro-brasileiros enfrentam na suposta democracia racial brasileira.

O Sol na Cabeça é especialmente único em seu uso extensivo de gírias, com algumas histórias exclusivamente baseadas em gírias, linguagem popular e coloquial, contrastando com outras histórias no livro que usam somente o português formal. Enquanto muitos livros que empregam gírias usam explicações para os leitores que não estão familiarizados com elas, Geovani procurou tornar seus diálogos o mais natural possível, não explicando os significados de quaisquer palavras ou frases e conscientemente deixando muitos leitores de fora, dando voz para populações pouco ouvidas que falam dessa maneira. Ao não atender àqueles que não entendem, ele “acabou obrigando [os leitores] a ter essa conversa” com amigos, vizinhos, parceiros e colegas de trabalho de diferentes áreas sobre a linguagem do livro. Ele “não queria apresentar qualquer universo como se fosse algo novo”, explicou, referindo-se à sua decisão de apresentar a realidade das favelas e sua linguagem sem qualquer contexto ou tradução para estranhos a essa realidade. “Me perguntei: ‘Estou escrevendo isso para quem?’”, disse ele à plateia da PUC-Rio.

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