Depois de quase 80 anos de expulsão do seu território tradicional, decisão obriga União a a destinar recursos imediatos para a aquisição da reserva indígena para povo Krenyê, no Maranhão.
Por Cimi Maranhão
No último dia 11 de junho a emoção tomou conta do povo Krenyê e de todos os povos da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão. Depois de quase 80 anos de expulsão do seu território tradicional, luta, êxodo e sofrimento houve decisão judicial final favorável ao povo indígena nos autos da ação civil pública demarcatória nº 18327-63.2012.4.01.3700.
Com a força executória da sentença, a União fica obrigada a destinar recursos imediatos para a aquisição da reserva indígena. Além disso, o juiz federal, José Valterson de Lima, também ratificou as determinações da tutela antecipada anteriormente concedida, determinando às requeridas União e FUNAI que mantenham a assistência material aos índios Krenyê em seu novo território, ou seja, que “destinem os meios necessários para assistência, alimentação, água potável, saúde e moradia, ao Grupo Indígena Krenyê”. (vide pf. 434 da Ação Civil Pública).
A sentença chegou na hora de maior emergência, pois o povo permanece sem abastecimento de água. “Esses dias a água já está no limite. O pouco que tinha a gente estava usando na alimentação e também tomando banho. Não tá tendo água”, conta Antônio Krenyê. “A gente entregou aquele documento lá no juiz foi pedindo isso também, que a gente tá sem água. A água já tá acabando já. Tá só aquele restinho, e já tá sujo também. Aquela água da chuva”.
Desde de fevereiro, quando o povo Krenyê ocupou a área a ser adquirida para constituição de reserva, captam água da chuva para consumo e, com a estação da seca, a falta de água é fato. Portanto, a situação dos indígenas é gravíssima: as famílias vivem no novo território sem água, energia elétrica, alimentação, escola e saúde.
Com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, o Distrito Sanitária Especial de Saúde Indígena (Dsei) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) já foram acionados, assim como Ministério Público Federal, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular – SEDIHPOP do Maranhão e outras instituições. No entanto, sem respostas do poder público, o que mantém o povo é teimosia da luta, a solidariedade de campanhas e de outros povos e organizações da sociedade civil do Maranhão.
É importante esclarecer que, mesmo antes da sentença, a decisão que concedera a tutela antecipada, em abril de 2014, já tinha força executória. Segundo parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) nº 041/2018/nmf/pf/ma/pge/agu, de 05.06.2008, tanto a Funai quanto a União, por intermédio do Distrito de Saúde Indígena – DSEI, deveriam ter cumprido as medidas determinadas pela antecipação de tutela, sob pena de multa de 50 mil reais por dia. Entretanto a realidade do povo Krenyê evidencia o descumprimento: com o sofrimento da sede, impossibilidade atual de plantio, destruição de antigas roças por bois das fazendas vizinhas, más condições de alimentação e falta de atendimento à saúde.
Ao saberem da sentença, por telefone, por intermédio do coordenador regional do CIMI Maranhão em viva voz, os indígenas começaram a chorar de felicidade. Era dia do aniversário de Ramon Krenyê: “desde de manhã, que eu acordei, a primeira coisa que minha filha me disse foi: ‘Parabéns papai. O papai vai ser muito feliz! ”, relatou o aniversariante. “Logo após a fala que ela disse que eu ia ser muito feliz, fui para a rua e Pyhtyh ligou e me falou que tinha uma boa notícia para me dar. Disse: ‘a sentença do povo Krenyê saiu hoje”, Pyhtyh, que significa peixe elétrico, é o nome dado pelos indígenas a Gilderlan Rodrigues da Silva, coordenador do CIMI MA na língua do povo Krenyê.
“Na hora, deu vontade de dar um grito, no meio da avenida que eu estava”, comenta alegre Ramon Krenyê. “Mas, quando cheguei lá na beira de um rio, não aguentei, dei um grito assim… pulei. Algumas pessoas passaram e olharam, mas não estou nem aí para o que pensaram! É muita alegria! É muita felicidade receber como presente de aniversário essa grande conquista do povo Krenyê e dos outros povos do Maranhão”.
Gilderlan explica que o que levou os Krenyê a ocupar a terra foi a necessidade de existir, em primeiro lugar. “A necessidade de aplicar o bem viver que para esse povo se dá em uma relação direta com o território e, portanto, seria impossível fazer isso sem ter um território”, relata Gilderlan. “Esses são os dois motivos de extrema importância na vida de qualquer povo indígena.”, explica.
Somente a efetivação da compra da área poderia trazer garantias tanto para o cultivo da terra quanto para a reprodução física e cultural do povo. Porém, acredita-se que, além de fazer justiça aos ancestrais, famílias atuais e descendentes do povo Krenyê, a sentença reforça a esperança de uma aquisição efetiva da reserva indígena, ajudando a ratificar seus direitos e pleitos por território e políticas públicas que garantam suas vidas com dignidade.
Breve contexto da ocupação
A área de cerca de 8 mil hectares da reserva, onde hoje estão vivendo as famílias Krenyê, foi escolhida através de um edital de aquisição de imóveis lançado pela FUNAI, em 2015. Depois da vistoria na área feita a princípio pelos indígenas e FUNAI, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) avaliou e a União autorizou a compra da área. Entretanto, o processo havia parado, sem a liberação do recurso orçamentário específico. Diante da morosidade e das respostas negativas da FUNAI, os Krenyê, em fevereiro de 2018, decidiram, com o apoio da Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão, ocupar a área que foi escolhida pelos indígenas para constituição de Reserva Indígena, localizada no município de Tumtum – MA.
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Imagem: Decisão do último dia 11 obriga a União a destinar recursos imediatos para a aquisição da reserva indígena. Foto: Ana Mendes