O jornalismo como munição para a barbárie. Por Elaine Tavares

No Palavras Insurgentes

Um professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Áureo Moraes, foi chamado pela Polícia Federal para dar explicações sobre cartazes de protestos que populares levaram para uma atividade de homenagem ao reitor Luiz Carlos Cancellier, morto por conta do abuso de poder que o humilhou e violentou. Os cartazes mostravam nomes e caras daqueles que os manifestantes consideravam os verdugos do reitor morto. Um protesto veemente de um grupo de pessoas ainda impactadas pela dor da tragédia que foi o suicídio de Cancellier.

Áureo era chefe de gabinete do reitor Cancellier e foi um dos organizadores da homenagem, que celebrava o aniversário da UFSC e ao mesmo tempo lembrava o professor morto. Durante o ato que se desenvolveu na reitoria ele foi entrevistado. E na entrevista viam-se atrás dele os cartazes com as caras e nomes dos envolvidos no caso.

A Polícia Federal, tendo visto a entrevista, ou a partir da denúncia de alguém, resolveu intimar o professor para que desse explicações, acusando-o de “atentado contra a honra” da delegada da PF que conduziu o caso. Isso porque o nome dela aparecia no cartaz que estava às suas costas.

Tirando de cena o fato de que já é uma completa arbitrariedade convocar uma pessoa que deu entrevista com um cartaz atrás de si, culpabilizando-a pelo conteúdo do cartaz, o que me chama a atenção é o que diz respeito a função do jornalismo.

O papel do jornalismo é o de informar e analisar os fatos cotidianos, atuando assim como uma forma de conhecimento, garantindo aos leitores/espectadores/ouvintes a possibilidade de saberem o que acontece e também de estabelecerem as ligações com a realidade na sua totalidade. Também é seu papel denunciar os desmandos, a barbárie, o que os vilões querem ver escondido.

O que a Polícia Federal reinaugura é a possibilidade de o jornalismo vir a ser o seu contrário: uma arma contra as pessoas que atuam na luta por uma vida melhor, contra os que assomam em repúdio aos desmandos, a barbárie, o horror. Filmar uma passeata pode ser uma arma para identificar “terroristas”? Filmar um ato de homenagem e protesto pode ser uma arma contra os manifestantes que choram um amigo caído? Filmar a resistência numa comunidade que teve um de seus filhos assassinados vira uma arma contra as pessoas que pranteiam seus mortos? Que assombrosa missão é essa que estão querendo imputar ao trabalho do jornalista?

Eu que sou meio centáurica, sempre com uma câmara na mão, indesgrudável, já começo a repensar as coisas. Nesses dias feicibuquianos, em que a imagem é protagonista, estaremos todos armadilhados no processo de deduragem e delação? Um registro qualquer pode servir de “prova” para que alguém seja intimado, preso, condenado. No país das “convicções” já não há mais limites, nem mesmo dentro das regras burguesas? O direito de manifestação, consubstanciado na nossa Constituição, agora está nesse patamar? Só pode se for sem voz, sem cartaz, sem nada?

Os tempos são sombrios, mas não devem servir para lamentações. Pelo contrário. Há que discutir novas formas de atuar.

É hora de fazer com que o sindicalismo combativo ressurja das cinzas. Afinal, a lição sabemos de cor: só no coletivo, juntos, em comunhão, que podemos avançar.

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