Rio: Picciani e sua família de pecuaristas reina no estado dos ruralistas sem terra

Entre os fluminenses, deputado do MDB é o único a declarar terras; clã enriqueceu com genética bovina e, segundo o MPF, usava leilões de gado para lavar dinheiro de propina

Por Bruno Stankevicius Bassi, em De Olho nos Ruralistas

O Rio de Janeiro é o quinto estado com mais parlamentares registrados na Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA): 15 deputados federais. Fica atrás de Minas Gerais, Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul. Apesar disso, é um estado de ruralistas sem terra. Dos nove que tentam a reeleição, apenas um possui propriedades rurais ou empresas agropecuárias declaradas.

Ministro do Esporte durante o governo de Michel Temer e ex-líder de seu partido na Câmara, Leonardo Picciani (MDB) não costuma ser associado à bancada ruralista. Mas vem de uma família de pecuaristas, dona de bois premiados e alvo de inquérito do Ministério Público Federal pela lavagem de dinheiro em leilões de genética bovina.

Em novembro de 2017, o pai de Leonardo, o deputado estadual Jorge Sayed Picciani (MDB), e seu irmão, Felipe, foram presos pela Polícia Federal durante a Operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava Jato. Picciani dominou durante décadas a Assembleia Legislativa do Rio, a Alerj.

As prisões foram deflagradas após a delação premiada de Jonas Lopes de Carvalho, presidente do Tribunal de Contas do Estado durante o mandato de Jorge Picciani como presidente da Alerj. Segundo a denúncia, o patriarca superfaturava a venda de bois premiados para ocultar o aumento de patrimônio proveniente de propinas.

O delator admitiu que sua empresa, a Josan Agropecuária, negociou a compra de 170 cabeças de gado da empresa Agrobilara, de propriedade dos Picciani. Na somatória, as notas fiscais declaravam cerca de R$ 288 mil, enquanto o valor pago por Jonas Lopes superava R$ 1 milhão. O excedente de R$ 760 mil era entregue, em dinheiro, ao presidente da Alerj na sede do TCE.

BOIS NA LINHA

A Agrobilara esteve envolvida em outra denúncia de superfaturamento, pela Carioca Engenharia: nesse caso, divulgado em 2016, parte do valor da compra era devolvida à empresa para o pagamento de propina e doações ilegais de campanha. A empreiteira doou R$ 100 mil à campanha de Leonardo Picciani em 2014.

Essa denúncia foi só a ponta do iceberg. O MPF descobriu operações de compra e venda de embriões e gado bovino realizadas entre 2003 e 2015 envolvendo donos de empresas que prestam serviços ao governo fluminense. Entre os compradores aparecem Walter Faria, proprietário da cervejaria Itaipava e sócio dos Picciani na Tamoio Mineração, e Pedro Augusto Novis, ex-presidente da Odebrecht. Segundo a PF, Jorge Picciani embolsou R$ 58,6 milhões em propinas recebidas de empresários do ramo dos transportes: entre eles, Jacob Barata Filho, o “rei do ônibus”.

Afastado da presidência da Alerj, o patriarca cumpre prisão domiciliar desde março de 2018. Seu filho Felipe, considerado o principal operador do esquema de lavagem de dinheiro, foi solto em 24 de agosto pelo juiz Marcelo Bretas e aguarda o julgamento em liberdade.

NO MATO GROSSO, TRABALHO ESCRAVO

Com apenas 106 mil hectares de área plantada, o Rio de Janeiro tem uma das menores áreas agrícolas do país, atrás somente de Acre, Roraima e Amapá. O rebanho bovino também não é impressionante: é o 16º estado neste quesito. A expansão do império pecuário dos Picciani ocorreu fora do estado, rumo ao Oeste.

O Grupo Monte Verde surgiu em 1984, quando Jorge Picciani adquiriu uma pequena fazenda de café em Rio das Flores (RJ). Em 1998, quando o patriarca já era deputado estadual, a empresa comprou a vaca Bilara durante um leilão em Uberaba (MG). Reconhecida como uma das principais matrizes da raça Nelore, Bilara (as outras matriarcas se chamam Bonanza, Garuda, Mediana e Orgia) emprestou o nome à empresa com que os Picciani expandiram seu conglomerado.

Além das fazendas em Rio das Flores e Uberaba, a Agrobilara detém terras em São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, onde explora o patrimônio genético de cinco vacas premiadas. As ações do grupo cresceram seis vezes entre 2006 e 2014, passando de R$ 6,5 milhões para R$ 24 milhões. Fora a genética bovina, os Picciani adquiriram duas mineradoras: a Coromandel, que explora fosfato em Minas, e a Tamoio Mineração, fornecedora oficial de brita para as obras dos Jogos Olímpicos de 2016. Essa mineradora foi comprada de um sócio falecido havia mais de um ano.

Felipe Picciani, irmão de Leonardo, tornou-se o principal responsável pela administração dos negócios da família. Dos três filhos, Felipe é o único que se manteve fora da política – o outro irmão de Leonardo, Rafael, é deputado estadual, também pelo MDB. Em 2014, aos 33 anos, foi eleito um dos cem nomes mais influentes do agronegócio pela revista Dinheiro Rural. Quatro anos antes, quando seu pai se lançava ao Senado, assumiu a presidência da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil.

No Mato Grosso, onde Jorge Picciani trabalhou como auditor fiscal nos anos 1980, a família possui milhares de hectares. A Agrocom, sociedade entre Felipe e uma coordenadora da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Carmem Ramona Arguelho Centurion, declarou uma fazenda em Santa Cruz do Xingu por 6.252 hectares. A Agrocom foi incorporada pelo Banco BVA, que decretou falência em 2014.

Outra fazenda, a Karajás, em São Félix do Araguaia, já foi declarada por 9.974 hectarespor Jorge Picciani e pertencia à Agropecuária Vale do Suiá (Agrovas), englobada depois pela Agrobilara.

Em junho de 2003, a Agrovas foi autuada por uso de trabalho análogo à escravidão, após o resgate de 41 trabalhadores em uma de suas fazendas. Os funcionários eram vigiados por seguranças armados para evitar fugas. Multado em R$ 250 mil, o ex-presidente da Alerj assumiu a responsabilidade: “Que isto sirva de exemplo para todos os fazendeiros do Brasil. Eu errei ao permitir que meu administrador contratasse gatos para arregimentar mão de obra temporária”.

Em 2009, Felipe Picciani se aventurou em outra sociedade, dessa vez com o ator global Murilo Benício. Junto aos sócios André Monteiro e Anderson Blanco, fundaram a AgroCopa, especializada no melhoramento genético da raça Gir Leiteiro, com 650 hectares em Minas, nos municípios de Tombos e Simão Pereira. Após a prisão de Felipe, Benício resolveu deixar a AgroCopa – o que ainda não foi efetivado.

Em março, a Justiça do Rio determinou o bloqueio de R$ 21 milhões da empresa Agrobilara e R$ 1,2 milhão da AgroCopa, além de R$ 7 milhões em bens pertencentes à família.

SEM TERRA, MAS FIÉIS À BANCADA

Embora apenas Leonardo Picciani seja proprietário de terras, os 15 deputados fluminenses filiados à Frente Parlamentar da Agropecuária têm participação importante nas votações. Aprovado em abril de 2015, o Projeto de Lei nº 4148/2008, que removeu a exigência do símbolo de transgênico nos rótulos de alimentos, contou com onze votos de deputados do Rio vinculados à FPA.

Outro projeto relevante ficou conhecido como MP da Grilagem. A Medida Provisória nº 759/2016, que facilita a regularização de terras da União ocupadas irregularmente, contou com voto favorável de 18 parlamentares fluminenses. Seis deles são ruralistas.

O apoio foi recompensado. A votação do Programa de Recuperação dos Estados em Calamidade Financeira, projeto capitaneado pelo Rio, contou com adesão da FPA que, em troca, pediu o apoio do governador Luiz Fernando Pezão (MDB) na votação de incentivos fiscais ao agronegócio no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Confira abaixo a lista dos deputados fluminenses da Frente Parlamentar da Agropecuária e o que eles pretendem em 2018.

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