O protagonismo submisso do Poder Judiciário

Por Patrick Mariano, na Cult

Em entrevista concedida para as jornalistas Letícia Casado e Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, ao ser questionado sobre como votaria no caso do tema da prisão em segunda instância, disse que na condição que ocupa hoje, não poderia “partir de premissas pessoais, mas da instituição”.

Estendeu-se o ministro, ressaltando que “uma nação se faz com instituições fortes. As pessoas passam, as instituições ficam”. As jornalistas indagaram, então, se isso não seria uma conduta política, o que o ministro contrapôs com a palavra “institucional”.

No voto que foi central para manutenção da prisão do ex-presidente Lula, a ministra Rosa Weber invocou raciocínio semelhante ao defender o chamado “princípio da colegialidade” que significaria, segundo seu voto, resultante do método de decisão dado em conjunto, “procedimento decisório distinto daquele a que submetido o juiz singular”.

Por fim, a ministra defende ser esse “princípio” imprescindível para o sistema, “porquanto a individualidade dentro do tribunal, no processo decisório, tem um momento delimitado, a partir do qual cede espaço para a razão institucional revelada no voto majoritário da Corte”. Aqui, portanto, há a ligação entre a “colegialidade” e a “instituição”.

Esses discursos revelam, cada um ao seu modo, subterfúgios retóricos para tentar justificar decisões distanciadas do que diz a lei e a Constituição. Meras idiossincrasias que tentam se revestir de racionalidade técnica e imparcialidade para encobrir o que realmente são de fato.

Por isso o acerto do questionamento das jornalistas ao atual presidente ao indagar se isto não seria pura e simplesmente uma opção política. Ou seja, uma decisão política em essência.

Sobre os abusos praticados por operações policiais, o presidente do STF se limitou a justificá-los com o seguinte raciocínio: as leis foram aprovadas pelo Congresso, portanto foi a política quem deu poder aos órgãos do sistema de justiça criminal. Para finalizar o assunto, ressaltou que a maioria das decisões de primeiro grau tem sido mantidas, o que demonstra a legalidade dos atos.

Raciocínio semelhante viria bem a calhar na época da escravidão. A lei diz que eu posso tornar escrava uma pessoa, e que ela é uma coisa, uma mercadoria, portanto, sem direitos. O jurista na sociedade do espetáculo, como diz bem Rubens Casara, abandonou qualquer preocupação filosófica sobre o justo e o injusto. Seguindo a reflexão de Casara, digo eu que essa preocupação nunca houve no capitalismo.

O direito, como diz o professor Alysson Mascaro, é estruturalmente forma social necessária e inexorável do capitalismo. Assim, se o direito é forma social capitalista, “sua materialidade se funda nas relações entre portadores de mercadorias que se equivalem juridicamente na troca”. A forma jurídica é, portanto, constituinte da sociabilidade capitalista.

Se o Direito é forma imprescindível do modo de produção capitalista, o jurista decidirá de acordo com ele. A história da Corte Suprema brasileira tem como enredo a participação ativa em golpes de Estado e de manutenção das iniquidades sociais. E aqueles que, como Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva ousaram pensar diferente, terminaram cassados pelo Ato Institucional nº 5 da ditadura militar.

A entrevista do novo presidente, portanto, é condizente com o papel político que a Corte Suprema ocupa desde a chancela do golpe de Estado ocorrido em 2016. A determinação da Corte para prender antes do trânsito em julgado fez com que 14 mil novos mandados de prisão fossem expedidos apenas no Estado de São Paulo. Pouco importa, deste modo, se 726 mil presos estão entulhados como carne humana moída em 320 mil vagas Brasil afora.

Da mesma forma, a política deliberada de restrição do habeas corpus, instrumento jurídico de caráter popular e acessível aos pobres. Assim, para não enfrentar o debate sobre o que é o justo ou injusto, entre o que diz a lei e a Constituição, os juízes preferem criar novos discursos retóricos como “colegialidade” e defesa da “instituição” para decidir conforme o capital.

Desta forma, não é de se estranhar que um tuíte intimidatório de um general, postado às vésperas de um julgamento central para o país, valha mais do que a Constituição.

Marcelo Semer, ao escrever sobre os paradoxos da Justiça brasileira, aponta com genialidade que esse movimento do Poder Judiciário bem representado na entrevista do atual presidente e nos votos dos ministros do Supremo, em vez de demonstração de força ou consolidação de uma “ditadura dos juízes”, revela, ao contrário, um “protagonismo submisso”. Em vez de força, essa forma de julgar é um preocupante esvaziamento do poder jurisdicional.

PATRICK MARIANO é advogado criminalista, mestre em direito pela UnB e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Dias Toffoli, e Rosa Weber. Arte: Andreia Freire /RevistaCULT

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