Defesa de direitos: lideranças indígenas Kaingang participam de seminário em Rio Grande/RS

O evento foi realizado pela Cáritas do Rio Grande do Sul para fortalecer a defesa de direitos desses povos, tendo em vista as violências praticadas neste período eleitoral

por Michelle Calazans, em Cimi

Lideranças indígenas da comunidade Kaingang, da Aldeia Gyró, participaram, nos dias 20 e 21 de outubro, em Rio Grande/RS, do seminário “Trajetórias das lutas de construção dos direitos indígenas, quilombolas, migrantes/refugiados e os desafios metodológicos da ação”, com lideranças quilombolas e migrantes das dioceses de Bagé, Rio Grande e Pelotas. O evento foi realizado pela Cáritas do Rio Grande do Sul para fortalecer a defesa de direitos desses povos, tendo em vista as violências praticadas neste período eleitoral. A avaliação das lideranças contextualizou, ainda, a articulação coletiva para assegurar o cumprimento da Constituição Federal.

O Cacique indígena, Pedro Salvador, compartilhou a vivência, história e lutas da comunidade Kaingang. “Em primeiro lugar quero apresentar minha mãe, pois sem ela eu não estaria aqui. Também quero chamar meu pai. Eles sempre me criaram dentro de nossa cultura, por isto aprendi a lutar”. A partir de então contou a história da comunidade indígena, as conquistas, as tristezas que carregam e as preocupações com o futuro.

De acordo com o Cacique Pedro Salvador, é terrível o que fizeram com os indígenas e os quilombolas, massacrados no Brasil. “Essa terra brasileira é nossa e ainda hoje tem muitas pessoas que não quer ver a nossa cara, não quer que a gente exista. A gente foi criado dentro das matas verdes, comia frutas, comia peixes, usava as ervas, plantava roçado. Meu pai só precisava disso aqui (mostrou uma lança) pra alimentar a gente com caça. E hoje? Onde vou achar caça? As máquinas começaram a entrar e tiraram tudo da gente. Hoje, o grande agricultor chama a gente de vagabundo. Minha alma sente falta disso, minha alma chora. Mesmo que eu tombe na luta pela terra, minha luta não vai acabar!”, assegurou.

Para o coordenador do Cimi Sul, Roberto Liebgott, no decorrer deste processo eleitoral – e mesmo antes dele – percebemos que as forças antidemocráticas, contraria aos direitos fundamentais e humanos – incluso neles os direitos indígenas, quilombolas – passaram a agir de modo mais aberto, explícito e expressando diversas formas de preconceito e intolerância. “As manifestações de preconceito concretizaram-se por discursos de ódio contra os outros, ou seja, propagaram que indígenas e quilombolas são, entre outros sujeitos, inimigos dá pátria, da família e da propriedade, que eles causam insegurança jurídica aos que querem um país onde se pretende a garantia da propriedade, os costumes e as tradições das elites dominantes”, pontuou.

Além disso, Roberto Liebgott explica que é perceptível nos últimos meses, que as pessoas são marginalizadas pela roupa que usam, pelo cabelo, pela cor da pele e pelo que elas defendem em termos de uma sociedade plural e onde os direitos sejam iguais, mas respeitando as diferenças. “Neste período terras indígenas foram invadidas sem constrangimentos e obstáculos, há uma nítida percepção de que estejam sendo autorizados pelo processo político e pelo modo como o país é governado. Há, para além e é mais grave, a sensação de que os poderes públicos estão enfraquecidos e este lugar vem sendo ocupado por aqueles setores da política e da economia que pregam o fascismo como regra no gerenciamento da sociedade e a segregação daqueles que são considerados riscos a essa probabilidade”, reiterou.

Neste contexto, esclareceu o coordenador do Cimi Sul, os direitos individuais e coletivos, todos eles, estão sendo dispensados e planeja-se para o lugar do direito a imposição de regras escolhidas pelo regime de opressão. Para Roberto Liebgott, nesse ambiente de opressão não cabem povos indígenas, quilombolas, homossexuais, casamentos homo afetivos, educação diferenciada, ativismos políticos, sociais, ambientais e direitos humanos. “Nele não cabe a liberdade e rompem-se as regras de convivência e de normalidade. Nele restará a clandestinidade para alguns, prisões em massa e a morte. Os que estão assentados dentro dos poderes públicos, neste contexto, se acovardam para assegurarem a sua manutenção e com ela avalizarem a barbárie. Como sempre aconteceu na história onde os regimes de exceção preponderaram. Mas há, ainda, esperança de que o Bem Viver vença o medo, o ódio e a intolerância e possamos sonhar com um amanhã repleto de vida, diferenças e diversidades”, completou.

Segundo o migrante haitiano residente em Rio Grande, Ricardo Calixte, não há muita diferença entre a luta deles e a dos indígenas. “Na minha terra tinha índios e hoje não tem mais, foram massacrados”. Da mesma forma, Eva Pinheiro, falando sobre as comunidades quilombolas de Piratini relatou que a luta deles, como a dos indígenas, é muito dura: “é pelo reconhecimento à terra onde viveram nossos antepassados e hoje nós vivemos e é contra o racismo e a intolerância, que vivenciamos todos os dias”, destacou.

As reflexões que se seguiram na “roda de conversa” encontraram várias semelhanças, algumas diferenças e muitos desafios em comuns das lutas destas comunidades. No domingo, segundo dia do encontro, foi o momento de aprofundar a avaliação coletiva das lideranças – visto, ouvido e sentido – durante o intercâmbio na Aldeia Gyró.

Foto: Cáritas do Rio Grande do Sul

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