Domingo vou às urnas, mas não irei só.
Levarei pelas mãos, em meu voto, a Edimara, que conheci aos 19 anos, quando dava aulas na favela do Sapo, em Senador Camará, no Rio de Janeiro. Edimara vivia com os pais e dois irmãos adolescentes. Os traficantes da comunidade esconderam armas do teto do barraco da família de Edimara. Como falar não para quem pode te apontar uma arma? Falaram sim, o BOPE apareceu e, enquanto Edimara estava na minha aula de redação, sua família foi trancada em casa, não sem que antes um policial ateasse fogo. Morreram queimados. Edimara tinha 17 anos. Seus pais não eram bandidos, apesar de terem escondido armas. Sua mãe era faxineira de motel e o pai, pedreiro. Quando a polícia tem carta branca para matar é isso que acontece. Na lógica do “bandido bom, bandido morto” quantas Edimaras ficarão no fogo cruzado?
Domingo vou às urnas, mas não irei só.
Levarei pelas mãos, em meu voto, minha mãe, uma grande mulher que vota no Bolsonaro. Ela não estudou profundamente História para saber que na ditadura militar houve desordem e corrupção. Ela quer ordem, moralidade, limpeza, como se esses conceitos pudessem acontecer num passe de mágica, de cima para baixo. Não adiantou eu apontar o caixa 2 do candidato dela, a quantidade de políticos ficha suja que o partido dele tem. Não adiantou argumentar que ele teve uma trajetória política irrisória em 27 anos de carreira, falar do nepotismo que praticou, mostrar que não está disposto a debater, que não aceita o estado laico. As várias frases preconceituosas a respeito de mulheres, negros e gays não parecem tocá-la. Talvez seja mais fácil manter-se à parte quando se é um privilegiado dentro do sistema. Ainda assim, foi ela que me deu acesso a toda educação que tenho, a todos os livros que li. As fake news reforçaram a utopia em que ela quer acreditar: que precisamos de um pai que bata e puna, quando precisamos mesmo é crescer.
Domingo vou às urnas, mas não irei só.
Levarei pelas mãos, em meu voto, a Dina, que trabalha como diarista em minha casa. O sonho dela é fazer Medicina. Dei a ela algumas aulas de redação na esperança de que Dina faça parte da ascensão de um povo que trabalha muitas horas por dia, que não teve a chance de frequentar os colégios que frequentei, mas que também merece acesso à educação e à distribuição de renda. Somos um país com condições desiguais. Meritocracia é palavra que privilegiados adoram evocar porque nunca souberam o que é ter de largar a escola aos 12 anos para colocar dinheiro em casa. Não se trata de “coitadismo” como Bolsonaro fala. Trata-se de um sistema perverso que dá mais a quem tem muito e pouco a quem tem quase nada.
Domingo vou às urnas, mas não irei só.
Levarei pelas mãos, em meu voto, o Luciano, meu irmão, que morreu com um tiro na cabeça em 2010. Sinto imensa falta dele, que deixou um filho de 3 anos e uma esposa grávida. Não quero que ninguém passe pelo que passei e tenho certeza de que a liberação do porte de armas para “cidadãos de bem” fará com que tragédias semelhantes ocorram. Não somos só cidadãos de bem ou cidadãos do mal. Somos seres imperfeitos, bons e maus em tantas circunstâncias…
Domingo vou às urnas. Levarei comigo os índios e sua Amazônia ameaçada, os gays, os trans, os negros, todas as vertentes religiosas que devem ser respeitas, a democracia, o pensamento livre, a tolerância e o amor. Serei Haddad por todos eles. Votarei 13 e me sentirei menos só.
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Ps: se esse texto te tocou, quem sabe não toca mais alguém? Vamos pra virada. Vamos conquistar voto para o amor e a democracia.
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Fonte: Anita Deak
Anita, recebi seu vídeo na segunda-feira, quando tudo já estava consumado. Mas, nunca é tarde pra percebermos o quanto temos que melhorar. Você, com uma simplicidade tocante, fala dos nossos principais problemas. Continue nos iluminando com sua clareza de pensamento.
Texto inteligente e iluminado, apresentação talentosa e comovente. Retrato fiel de nossa sociedade no tenso momento atual. Já estou compartilhando em meus grupos de whatsapp, pois espero que se multiplique este estímulo á reflexão e ao exercício de consciência crítica, em especial entre aqueles que ainda não perceberam o risco que corremos neste processo eleitoral. Parabéns, Anita.
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Que lindo e impactante depoimento, Anita. Obrigada pelo seu testemunho tão lúcido, contundente e sensível!