Eleição acabou e equipe de Bolsonaro segue batendo cabeça e voltando atrás. Por Leonardo Sakamoto

no blog do Sakamoto

E a transição do governo Bolsonaro começou com desmentidos e desentendimentos entre a equipe. Era de se esperar que pecariam pelo amadorismo, mas há um claro exagero.

Bolsonaro avisou que fundiria os ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Após ser visitado por empresários, no dia 24, voltou atrás. ”Se esse é o interesse deles, para o bem do Brasil, vamos atendê-los. Vamos manter o Ministério da Indústria e do Comércio, sem problema nenhum.” Nesta terça (30), contudo, sua equipe informou que a fusão vai acontecer. ”Nós vamos salvar a indústria brasileira apesar dos industriais brasileiros”, disse Paulo Guedes, que deve ser o czar desse novo ministério da Economia. Patos amarelos de várias espécies estão fazendo quacks de desaprovação.

Os desconfortos causados por Guedes não pararam por aí. Ao afirmar que o Mercosul não seria prioridade, ele assustou nossos vizinhos e os exportadores brasileiros por conta da extensa pauta comercial que temos com o bloco. E disse isso de forma grosseira a uma jornalista argentina, com orgulho de copiar o chefe: ”o Mercosul não é prioridade. Não, não é prioridade. Tá certo? É isso que você quer ouvir? Queria ouvir isso? Você tá vendo que tem um estilo que combina com o do presidente, né? Porque a gente fala a verdade, a gente não tá preocupado em te agradar”.

Isso sem contar que Guedes defende a independência do Banco Central, mas segue discutindo como deve ser o câmbio e a venda de reservas – que são atribuições de quem? Do Banco Central! Independência? Ahã, Claudia, senta lá.

A anexação do ministério do Meio Ambiente pelo ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento havia sido informada na campanha. Após críticas dentro e fora do Brasil, que alertaram para o risco de grande rebosteio – aumento no desmatamento, crescimento da violência no campo, descumprimento de compromissos contra mudanças climáticas – a equipe de Bolsonaro disse que iriam repensar. O próprio presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antônio Nabhan Garcia, informou que “se for melhor para o Brasil que haja o Ministério da Agricultura separado do Meio Ambiente, depois de eleito todos vão sentar e o presidente vai ouvir toda a sociedade”.

Se Bolsonaro ouviu toda a sociedade, foi rápido e discreto, talvez mandando milhões de mensagens de WhatsApp sem que a imprensa soubesse. Porque, também nesta terça, sua equipe informou que a Agricultura vai mesmo comer o Meio Ambiente – com direito a duplo sentido com twist carpado.

(Boa sorte para nós que vamos começar a sofrer restrições comerciais por voltar atrás em compromissos assumidos internacionalmente. Bomba de barreiras semelhante deve ocorrer, aliás, na questão do trabalho escravo, com as promessas do novo governo de flexibilizar a fiscalização do trabalho e a punição a esse crime.)

Isso sem falar no barata-voa sobre a Reforma da Previdência. Bolsonaro quer aprovar alguma medida ainda neste ano, aproveitando o pacote de Michel Temer – aquele que vinha sendo rechaçado pela maioria da população.

Seu futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni chamou a proposta que tramita no Congresso Nacional, enviada pelo governo Michel Temer, de ”remendo” e defendeu que outra seja apresentada no ano que vem. Levou uma chicotada de Paulo Guedes, futuro ministrão da área econômica: ”É um político falando de economia. É a mesma coisa do que eu sair falando de política. Não dá certo, né?”.

(Reparem no ”é a mesma coisa do que eu sair falando de política”. Esse foi a vingancinha que Guedes manteve guardada desde a polêmica sobre sua proposta de recriação de um imposto semelhante à CPMF, quando levou uma enquadrada de Bolsonaro. Segundo entrevista que deu ao jornal O Globo, do dia 21 de setembro, ”Jair Bolsonaro me convenceu que eu não entendo nada de política”.)

Já o deputado federal Major Olímpio, senador eleito por São Paulo pelo PSL de Bolsonaro, já avisou que é contra a proposta de Temer e que votará contra se ela for analisada este ano. Em outras palavras, representantes de policiais, militares e outras corporações também devem votar contra.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que a aprovação está distante da realidade e mesmo deputados e senadores da base de Temer são refratários a aprovar o texto. Afinal, não acham justo Bolsonaro terceirizar o ônus dessa bucha de canhão para essa legislatura – lembrando que o Congresso teve a maior taxa de renovação dos últimos tempos. Lembram também que há uma intervenção federal na área de segurança no Rio e isso impede de que uma proposta de emenda constitucional seja aprovada.

Já a oposição ri alto quando ouve sobre a possibilidade de votação neste ano.

Após dois dias das urnas terem soltado a fumaça branca sinalizando que tínhamos novo presidente, Bolsonaro e equipe bateram muita cabeça e voltaram atrás, como faziam durante a campanha. Isso mostra que aquilo que parecia amadorismo era amadorismo mesmo. Mantido esse ritmo, o maior aliado da oposição vai ser o despreparo e o ego inflado dos membros de sua equipe. E pairando sobre tudo, o fantasma do despreparo político e econômico.

O problema é que quem perde com um país em que seu governo peca pelo amadorismo é a população.

Bolsonaro gosta de repetir um passagem do Evangelho de João 8:32: ”E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Particularmente, acho que ele deveria deixar a bíblia aberta em Eclesiastes 1:2, na próxima reunião de equipe: ”Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade”.

Em tempo: vai ser didático ver o juiz federal Sérgio Moro assumir o ministério da Justiça tendo como chefe Jair Bolsonaro. Espero que aceite.

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