Irmãos foram condenados em 2015 pelo Tribunal do Júri. Se condenação for mantida, eles devem começar a cumprir as penas de prisão
Ministério Público Federal em Minas Gerais
Nesta segunda-feira (19), o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) irá julgar os recursos interpostos pelos irmãos Norberto e Antério Mânica contra a sentença que os condenou a 100 anos de prisão, cada um, pelo assassinato dos servidores do Ministério do Trabalho – três fiscais e um motorista – no dia 28 de janeiro de 2004, no episódio que ficou conhecido como Chacina de Unaí.
O julgamento dos réus pelo tribunal do júri federal aconteceu há exatos três anos, em novembro de 2015. Norberto e Antério Mânica, acusados pelo Ministério Público Federal de serem os mandantes do crime, foram condenados pelo crime de quádruplo homicídio, triplamente qualificado por motivo torpe, mediante paga de recompensa em dinheiro e sem possibilidade de defesa das vítimas.
Apesar da dificuldade probatória de que geralmente se revestem os crimes de mando, neste caso, o MPF demonstrou para o júri que havia várias provas do envolvimento dos réus.
Antério Mânica – No dia anterior ao crime, um veículo Marea azul, igual ao da esposa de Antério Mânica, um dos mais caros da época, foi visto durante encontro entre os executores e os intermediários em um posto de gasolina. O encontro, inclusive, foi confirmado pelo réu Willian Gomes, motorista da quadrilha e condenado a 56 anos de prisão por sua participação nos assassinatos. Durante seu julgamento, ele confirmou a presença do veículo e disse ainda que dentro dele se encontrava um homem muito “bravo”, que gritava que era para “matar todo mundo” e que pagaria o dobro.
A defesa de Antério Mânica tentou demonstrar que existiam vários carros do mesmo modelo e cor na cidade, e que o automóvel que estava no encontro poderia pertencer a qualquer pessoa. O MPF, no entanto, desmontou essa tese ao apresentar documentos do Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran), confirmando que o único carro com aquelas características, na cidade, pertencia à esposa do acusado.
Além disso, durante as diligências feitas à época do crime, o MPF, junto com a Polícia Federal, apurou que a esposa do acusado havia comentado que seu marido, depois da chacina, proibiu que ela andasse no veículo Marea, que colocasse nele adesivo da sua campanha para prefeito, e ainda deixou o carro coberto com uma lona preta.
Outra prova importante foi uma testemunha que disse ter visto, no dia anterior ao crime, na Huma Cereais, empresa de propriedade de outro réu, Hugo Pimenta, uma reunião relâmpago entre os envolvidos, com a presença de Antério Mânica. A testemunha descreveu minuciosamente os fatos, inclusive o veículo em que cada um deles estava. Foi apurado que a reunião teve por finalidade o ajuste do preço da recompensa aos pistoleiros que passaria a ser o dobro, já que a ordem passou a ser para matar todo mundo.
Além disso, também foram identificadas ligações realizadas da fazenda de Antério para a cidade de Formosa (GO), onde morava um dos pistoleiros.
Durante o julgamento, o MPF destacou a posição de liderança que Antério Mânica tinha sobre os irmãos e as investidas que ele já havia feito sobre as fiscalizações dos auditores em sua fazenda. O ex-prefeito chegara a ligar para a delegacia do trabalho na cidade para reclamar que os fiscais estavam “incomodando” e, com isso, ameaçando seus interesses políticos na região.
“Rei do feijão” – Norberto Mânica, por sua vez, que na época dos crimes era conhecido como o “Rei do Feijão”, usou em sua defesa a tese de negativa de autoria, imputando culpa somente aos intermediários Hugo Pimenta e José Alberto.
O MPF, no entanto, desconstruiu tal alegação, ao demonstrar que nem Hugo nem José Alberto tinham qualquer motivo para matar Nelson. José Alberto, por sinal, que confessou em plenário a contratação do assassinato, logo no início de seu interrogatório citou expressamente o nome do fazendeiro na arquitetura dos crimes.
Já Hugo Pimenta, que celebrou delação premiada com o MPF, descreveu em detalhes como se deu a encomenda das mortes. Segundo ele, Norberto Mânica achava que “o mundo era pequeno demais para ele e Nelson” e perguntou aos intermediários se conheciam alguém para matar o fiscal do Trabalho. José Alberto, então, contratou o agenciador de pistoleiros Francisco Hélder Pinheiro [falecido em 2013] que, por sua vez, contratou Erinaldo Vasconcelos, Rogério Allan Rocha Rios e Willian Gomes de Miranda. A encomenda inicialmente era para matar apenas Nélson, servidor federal sério, incorruptível, mas como no dia acertado para a execução, ele estava acompanhado de outros três colegas, a ordem foi para que todos fossem mortos, dobrando-se o pagamento.
Os fatos descritos por Hugo Pimenta também foram confirmados por Erinaldo Vasconcelos, que depôs como testemunha de acusação. Erinaldo ainda relatou que Norberto Mânica, após os crimes, viajou até Formosa (GO), onde ele morava, para contratá-lo para matar uma família no Paraná com a qual estava tendo uma disputa por terras.
Recorrem em liberdade – Apesar da gravidade dos crimes e das altas penas impostas aos réus, o Juízo Federal, seguindo jurisprudência dominante na matéria, concedeu aos réus o direito de recorrer em liberdade. Isso porque os tribunais brasileiros, os mesmos que concederam liberdade provisória aos condenados durante os últimos 11 anos, entendem que se o réu aguarda solto o julgamento, ele também poderá aguardar o julgamento dos recursos em liberdade.
O mesmo não ocorreu com os pistoleiros que, quando foram julgados pelo Tribunal do Júri em 2013, já se encontravam presos desde julho de 2004.
Caso o TRF1 negue os recursos e mantenha a condenação dos irmãos Mânica, eles finalmente poderão começar a cumprir as penas a que foram sentenciados pelo assassinato dos servidores do Ministério do Trabalho ocorrido há 14 anos.
Junto com os recursos dos mandantes, também serão julgados os recursos dos réus condenados como intermediadores do crime, José Alberto de Castro e Hugo Alves Pimenta.
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Foto: Arquivo/EBC