Guardador de carro acreditou que mulher, que faz quimioterapia por conta de um câncer de mama, e por isso tem cabelos muito curtos, era um homossexual.
Por Carlos Brito, G1 Rio
De cabelos curtos por causa de um tratamento com quimioterapia, a educadora Deborah Lourenço, de 31 anos, relata que sofreu ofensas homofóbicas e agressões no Centro do Rio neste sábado (24).
Deborah tinha passado pela 16ª sessão de quimioterapia e se deslocou de Botafogo, na Zona Sul, para o Centro do Rio acompanhada pela mãe, onde tomaria café da manhã na tradicional Casa Cavé.
O caso, que ainda não foi registrado na Polícia Civil, ganhou notoriedade após um relato do marido de Deborah ter sido compartilhado mais de 20 mil vezes no Facebook.
Por acreditar que Deborah era um homem homossexual – uma vez que o tratamento para o câncer de mama ao qual se submete provocou a queda de seus cabelos, deixando-os muito curtos –, o homem, um guardador de carros do local, passou a xingá-la e empurrá-la.
Segundo a educadora, a situação aconteceu pouco depois das 8h30, na Avenida Presidente Vargas. Aos sábados, o trecho da pista sentido Centro, logo após o cruzamento com a Avenida Passos, é fechado ao tráfego e utilizado como estacionamento.
Era ali que Deborah, acompanhada pela mãe, pretendia estacionar. Poucos antes, elas estavam em Botafogo, onde a educadora passou por mais uma sessão de quimioterapia – tratamento ao qual se submete para combater um câncer de mama.
“O procedimento terminou mais cedo que o esperado e perguntei para minha mãe se ela não gostaria de ir ao Centro para tomarmos café da manhã na Casa Cavé – ela concordou. Combinamos que também aproveitaríamos para fazer algumas compras de Natal. Decidimos parar o carro na Presidente Vargas. Um guardador de vagas se aproximou e indicou o local onde deveríamos estacionar. Nesse momento, eu desci para esperar do lado de fora do veículo, uma vez que, no lugar onde o carro ficaria, eu não teria como abrir a porta. Foi quando o problema aconteceu”, relembrou Deborah.
Na calçada, ela esperava a mãe terminar a manobra na vaga. Nesse momento, um outro guardador apareceu e passou a abordá-la de forma agressiva.
“Ele começou a gritar: ‘É vinte! É vinte!’ Entendi que ele queria que eu desse R$ 20 para estacionar o carro ali. Eu ia começar a explicar que já havia acertado com o primeiro guardador, mas nem tive tempo – ele passou a me xingar: ‘Viadinho! Filho da p(*)! Viadinho de m(*)!’. Logo em seguida, estufou o peito, cresceu para cima de mim e passou a me empurrar. Eu não acreditava no que estava acontecendo, fiquei chocada. Só conseguia recuar para tentar não ser atingida. Nesse instante, o primeiro guardador entrou na minha frente e conteve o agressor. Corri para dentro do carro e pedi para que minha mãe nos tirasse dali logo”.
Ainda levaria algum tempo até que a tensão diminuísse, até que Deborah se acalmasse e conseguisse racionalizar sobre o que havia acabado de viver.
Outros olhares
Logo quando começou o tratamento para combater a doença, os cabelos de Deborah caíram por completo – reação esperada por conta das sessões de quimioterapia. A partir daquele momento, sempre quando andava pelas ruas, ela notava que as pessoas ao redor a olhavam com piedade.
A educadora admite que perceber que todos à sua volta estão com pena não é a melhor sensação do mundo, mas ao menos aquelas expressões, aqueles olhares, ela relembrou, transmitiam um sentimento positivo.
No entanto, neste sábado, logo após a confusão, já com o carro já estacionado próximo ao metrô da Uruguaiana, em meio à confusão típica das manhãs de sábado no Centro do Rio, Deborah entendeu o que tinha acontecido: ela foi vítima de manifestação mais agressiva de um comportamento que a própria educadora já havia percebido nos últimos tempos.
“Meus cabelos começaram a crescer novamente, mas, é claro, ainda estão bem curtos. Foi a partir desse ponto que a situação mudou. Ao andar pelas ruas de mãos dadas com meu marido, passei a notar que muita gente começou a nos olhar de forma estranha, agressiva, atravessada. Entendi que essas pessoas começaram a achar que eu era um homem e estava de mãos dadas com outro homem – ou seja, que éramos um casal homossexual. Quase que imediatamente, todos aquelas expressões de piedade que eu recebia foram substituídas por reprovação e raiva. Hoje foi o momento em que a homofobia e a violência daqueles olhares se transformaram em insultos e agressões – porque aquele guardador se viu autorizado a me agredir apenas porque achou que eu era um homossexual. É triste e difícil de acreditar”.
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‘O Grito’, de Edvard Munch