por Renata Queiroz Ramos, em RioOnWatch
Foram comemorados, no dia 10 de dezembro, os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e, para relembrar este dia, foram realizados o X Seminário Internacional Direitos Humanos e Saúde e o XIV Seminário Nacional Direitos Humanos e Saúde na Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, durante os dias 10, 11 e 12 de dezembro. O evento foi organizado pelo Departamento de Direitos Humanos e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), em parceria com o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Fiocruz), o Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN), o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e a organização Juízes para a Democracia, e contou com a participação de conferencistas como o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos; o embaixador Celso Amorim, e a vereadora de Niterói e deputada federal eleita nas eleições de 2018, Talíria Petrone. Além disso, teve atividades culturais como o grupo Música na Calçada e o a peça teatral Luiz Gama – Uma Voz Pela Liberdade.
Os Desafios de Uma Recente Democracia
Felipe Machado, do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural (DIHS) da Fiocruz abriu o segundo dia de seminário no dia 11 de dezembro falando sobre a honra e a satisfação de se ter Talíria Petrone presente em um momento tão importante para os Direitos Humanos.
A recém-eleita Talíria em seguida falou sobre a fragilidade de países como o Brasil—e da América Latina em geral—posto que têm como característica uma democracia recente que não logrou prover direitos mínimos e básicos para toda a população: “Ainda estamos lutando pelos direitos humanos de primeira geração, como o direito a não ser torturado, por exemplo… Encerramos formalmente a ditadura militar, mas na favela ainda tem tortura, nos presídios ainda tem tortura. Isso precisa ser dito”.
A vereadora ainda colocou a urgência de se falar sobre a memória, a verdade e a justiça, pois há uma sistemática tentativa de violar as memórias do que somos enquanto Estado brasileiro, e sem elas não há como se produzir resistência. De acordo com sua concepção, deveríamos avançar em relação aos direitos constitucionais, e não ainda precisar lutar para garantir pressupostos básicos. “A democracia não chegou a territórios de favela, de periferia, para o povo negro, pobre, LGBTs, indígenas, quilombolas… e se pegarmos o tempo de democracia formal, ele é menor do que o tempo de ausência de democracia… e o período de escravidão legalizada é maior que o período de não escravidão”, diz Talíria. Por conta disso, ela coloca que a luta antirracista é estrutural e transversal a todas as outras lutas.
Talíria também tocou no ponto sobre o movimento de retrocessos democráticos e de avanço do autoritarismo, pedindo para que lembremos de “quais corpos ficam pelo caminho” nesse processo. “Toda vez que a democracia retrocede a gente tem a potencialização da violação de direitos, e essas violações não atingem todos os humanos da mesma forma; ela atinge mais aqueles humanos que já não conseguiam viver com dignidade e com equidade”. Talíria citou o relatório preliminar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que veio ao Brasil no mês de novembro, que diz que o país “não conseguiu resolver suas principais dívidas históricas com a cidadania, o problema estrutural das desigualdades e de discriminações profundas, dentre as quais se destacam a racial e social”.
Talíria lembrou ainda da questão indígena e quilombola no país, salientando o direito ao território, à natureza e à agroecologia, fazendo referência ao aumento da violência no campo e ao uso abusivo de agrotóxicos. Citou também a questão do encarceramento em massa da população negra e números da violência de Estado—e aqui não refere-se diretamente a agentes de segurança pública, pois estes também sofrem violações: “No estado do Rio de Janeiro, a cada cinco assassinados, um é pelas mãos do Estado e, em Niterói, 88% dos jovens assassinados são negros”.
Tempo de Incertezas
Talíria salientou algumas particularidades do cenário para os próximos quatro anos e, para tal, ressaltou as características do governo eleito como ultra neoliberal—que deve manter a lógica do congelamento de investimentos na educação, na saúde e na assistência—com elementos fascistas e autoritários, legitimando a violência e o ódio como mobilizador, além do aspecto conservadorista. Ela defende que é preciso voltar-se aos territórios e apostar na construção de redes de defensores dos direitos humanos, falando sobre os direitos reais e partindo do concreto e da escuta para enfrentar pautas que ameaçam a democracia. “Eu costumo dizer que política é o preço do pão, do ônibus, é se a casa vai cair ou não por causa da chuva, é se o filho vai chegar vivo em casa ou não… política é a vida cotidiana e concreta, e os direitos humanos também são cotidianos e concretos”.
Por fim, Talíria citou Marielle: “Ela era tudo isso que a gente falou. Mulher, negra, favela, que amava mulheres, socialista, defensora dos direitos humanos, parlamentar, num país em que essas características juntas em um corpo são características de quem fica pelo caminho, quando as violações aos direitos e os retrocessos democráticos avançam”.