Debora Diniz fala de um vídeo que tem circulado nas redes como atual, o de Flávio Bolsonaro enxugando as lágrimas em uma bandeira do Brasil: “O macho que chora é o que oscila entre a brutalidade da vida cotidiana e os relâmpagos de uma histeria lacrimosa”
Por Debora Diniz, na Marie Claire
Um vídeo circula como atual, mas é só recente. Flávio Bolsonaro chorando como uma criança desamparada. Na falta de um lenço, enxugou as lágrimas com a bandeira do Brasil. Um lencinho teria sido mais elegante, mas a ideia era mesmo a pieguice, pois era tempo de campanha política. A razão era legítima para intenso sofrimento, o pai estava esfaqueado no hospital. Não duvido das razões, só questiono a performance pública. Logo ele, o homem bruto que defende armas, fala grosso e se expressa como se sempre estivesse na arquibancada da torcida do Flamengo no Maracanã. O macho que chora não me convence como o homem sensível. Ao contrário: me provoca outro personagem – o macho bruto. É como se existisse um roteiro em que, para compor o macho da política ou do futebol, o macho que chora fosse um adorno à existência.
O macho que chora é conhecido das cenas de violência doméstica. É o que chega bêbado, agride mulher e filhos, depois se arrepende, faz serenata com direito à poesia e ao choro. O macho que chora é o que oscila entre a brutalidade da vida cotidiana e os relâmpagos de uma histeria lacrimosa. O choro de Flávio Bolsonaro era histérico – hoje, a psicanálise reconhece o quanto Charcot se equivocou ao descrever a histeria como uma experiência mental majoritariamente feminina. O histérico transfere suas dores para a audiência, assim como faz o macho que chora. Há quem se sensibilize com as lágrimas, e se vierem novas com a investigação das laranjas e dos chocolates, eu prefiro que Flávio Bolsonaro explique como o dinheiro entrou e saiu de sua conta ou como uma loja de chocolate movimentava milhões.
Não me lembro de ter visto mulheres na política chorando em cadeia nacional. Se nós somos as personagens sensíveis e chorosas das normas de gênero, é curioso como a mulherzinha que chora não é um papel autorizado às mulheres fortes e em cargos de comando. Até mesmo o direito de chorar foi espoliado pelos machos, por isso não falo aqui dos “homens que choram”, mas de um subgrupo da masculinidade. Os machos que choram não são os homens sensíveis que superaram alguns dos estereótipos da masculinidade e se permitem expor as emoções – são os brutos que lacrimejam.
Por isso, suspeito quando assisto homens treinados na política lacrimejando com uma bandeira entre os dedos. As lágrimas dos machos que choram são repletas de fúria. Há mais raiva que medo, mais brutalidade que medo. Não há problema em emocionar-se, chorar em público ou entre amigos, mas essa não é uma linguagem comum para lideranças políticas do país em momentos de crise. Menos ainda será o que esperamos de um senador acusado de corrupção – é o filho do presidente da República que se elegeu com a ideologia populista da lei e da ordem que não consegue explicar as movimentações de sua conta bancária. Na falta de argumentos, não venha chorar como um histérico.
—
Imagem: Cenas do vídeo de Flávio Bolsonaro (Foto: Reprodução/Youtube)