Governador e presidente exaltam o uso de armas e têm a truculência como discurso primordial
por Marina Souza, em CartaCapital
Após onze meses da intervenção federal no Rio de Janeiro, movimento que gerou o maior índice de mortes por policiais registrado desde 2008, o Estado está no segundo mês de um novo governo, segue com violência alarmante e tem perspectivas nada agradáveis. Segundo um levantamento feito pela Polícia Militar e enviado ao Ministério Público (MP), de 30 de janeiro a 8 de fevereiro 42 pessoas foram mortas em confrontos com a PM, média de 4 mortes por dia. Ativistas e estudiosos acreditam que os discursos bélicos do presidente Jair Bolsonaro (PSL) somados à truculência natural do governador Wilson Witzel (PSC) dão legitimidade para o banho de sangue.
Logo após ser eleito, Witzel foi claríssimo: a polícia atiraria na cabeça de quem estivesse com fuzil, A declaração descabida gerou repúdio de diversos movimentos sociais. Ciente de fatalidades (e atrocidades) cometidas quando policiais confundem furadeiras e afins com armas, Lana Souza, uma das fundadoras do Coletivo Papo Reto, criado em 2014 no Complexo do Alemão, apressou-se em lembrar casos como o do garçom Rodrigo Serrano, assassinado no final do ano passado por portar um perigoso guarda-chuva.
“Só sei que os impactos chegam com mais força na favela”, diz Lana sobre o trabalho da dobradinha Witzel-Bolsonaro. Ela conta que logo após a divulgação do resultado da eleição presidencial, policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Complexo do Alemão dispararam tiros para o alto em comemoração. Muitos moradores dali conviviam com frases como “ano que vem as coisas serão diferentes, vocês vão ver”.
Em uma incrível coincidência gerada por alinhamentos astrológicos, nem bem o mandato começou e a família Bolsonaro foi investigada por ligações com milicianos. Flávio Bolsonaro (PSL) dá de ombros ao fato de a mãe e a mulher do capitão Adriano da Nóbrega, conhecido como “Gordinho” pelo Ministério Público do Rio e um dos chefes do Escritório do Crime, terem trabalhado em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Estado.
O Escritório do Crime é tido como o responsável pelos assassinatos do motorista Anderson Gomes e da vereadora Marielle Franco. Segundo um investigador da Delegacia de Homicídios do Rio, o crime teria custado cerca de 200 mil reais. A grande suspeita é de que a morte de Marielle tenha sido encomendada por milicianos justamente por ela investigá-los, denunciá-los e pesquisar a violência do Estado nas favelas cariocas.
Milícias geram mais medo
Na segunda-feira 18, o Instituto Datafolha e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgaram uma pesquisa que aponta que entre traficantes, policiais e milicianos, os últimos são os mais temidos pelos moradores da capital do Rio. Nas favelas, o medo ocorre em 29% dos residentes e em bairros mais nobres, o número chega 38%.
O pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça Sérgio Moro, que aumenta as possibilidades de agentes do Estado matarem, também é um forte alvo de críticas e assusta movimentos sociais. Para a deputada estadual Mônica Francisco (PSOL), se aprovada a proposta institucionalizará uma prática subjetiva perigosa, um sinal verde para excessos.
Ela acredita que a instituição policial não deve ser vista e preparada como um mecanismo de confronto, mas sim de segurança. “O caso de Pedro, assassinado por um segurança, demonstra o quanto esse discurso de ódio está se espalhando nas relações da vida real, do dia a dia”, resume Mônica, citando o caso ocorrido no dia 14 deste mês em um supermercado.
O garoto brutalmente assassinado por um segurança na Barra da Tijuca inspirou a articulação de diferentes entidades sociais que organizaram protestos pelo País pedindo a punição do criminoso. Registre-se: nem Bolsonaro nem Witzel comentaram o caso ou manifestaram qualquer tipo de solidariedade à família da vítima.
Sangue nos olhos e nas mãos
Vanessa Vicente, de 36 anos, militante da rede de cursinhos populares Uneafro, que esteve em manifestação do Rio de Janeiro após a morte de Pedro, acredita que as diferentes vertentes e grupos que compõem o movimento negro precisam deixar as divergências de lado e se unir. Pensamento semelhante ao do estudante de Ciências Políticas Seimour Souza, que afirmou que o “Vidas Negras Importam” não é apenas uma hashtag ou bordão, mas um movimento cada vez mais disposto a lutar por novas políticas de Segurança Pública.
Grupos cariocas como Carioquice Negra, Comissão Popular da Verdade, Coletivo Luisa Mahin, Coletivo Minas da Baixada e Coletivo Pretaria engrossam o coro: a dobradinha formada por Bolsonaro e Witzel tem sangue nos olhos e uma disposição sem fim de ter as mãos igualmente com sangue.