Flávio mostra-se assustado, Jair sai pela arrogância, e Carlos recolhe-se ao silêncio
Na Folha
Os ardis que consistem em contratação de funcionários fantasmas, repartição das remunerações desses e de funcionários ativos e ainda o uso de funcionários para serviços privados não se limitam a irregularidades administrativas de gabinetes parlamentares, federais ou estaduais.
Configuram desvio e apropriação de dinheiro público, tanto faz se para o próprio parlamentar ou para outros. É isso que, na verdade, caracteriza a numerosa série desses fatos atribuídos a Jair, Flávio e Carlos Bolsonaro pelo Ministério Público do Rio.
Inexiste ainda a caracterização real e pública dessas sucessivas constatações, por serem seus relatos moderados e intermitentes. O oposto dos vazamentos e do carnaval de manchetes e telejornais nos casos envolvendo Lula, o PT e Dilma.
Nestes, jornalismo propriamente dito e política + Ministério Público brigaram o tempo todo. A briga continua, mas a rubrica “política” tem composição diferente, sem partidos enlaçados com poder econômico e imprensa/TV/rádio. E os Ministérios Públicos não denotam o facciosismo e o desregramento da Lava Jato.
“Venham pra cima, não vão me pegar!” é uma boa frase de efeito, mas Bolsonaro deve saber que as circunstâncias, se não a negam, também não a confirmam. Basta o primeiro lote de sigilos bancários a serem quebrados, já próximos de uma centena, para sugerir o que é esperado daí sobre o pai e dois dos filhos. Todo o caso, por sinal, foi constatado por causa de Flávio, mas o iniciador das atividades merecedoras de investigação foi Jair.
Também envolvedor daquele filho, quando, eleito deputado federal, transferiu-lhe os beneficiados, práticas e “fantasmas” que mantinha no Rio.
De quebra, entre os investigados predominam pessoas ligadas a Bolsonaro, agora ou em suas famílias passadas. E ainda a proximidade com milicianos, motivo de explicações escapistas e não menos indagações em aberto. Os riscos são grandes. Pendentes apenas da maior ou menor disposição do Ministério Público de ir adiante na sua função —o que, triste é dizê-lo, nunca se sabe.
Não é uma situação em que Bolsonaro possa contar com a proteção que o levou a cercar-se de generais. Embora, por enquanto, essa trincheira seja uma das intimidações que atenuam os relatos do caso em sua gravidade inequívoca.
Funcionários fantasmas, ou só fantasiados de ativos, recebem dinheiro público, tomado à população. Trata-se, portanto, de desvio caracterizador do ato criminoso de peculato.
Flávio Bolsonaro mostra-se assustado com o inquérito. Jair Bolsonaro sai pela arrogância. Carlos recolhe-se ao silêncio sugestivo. Mas a ansiedade não se divide por três. É equânime.
Dois sinais
A segunda soltura de Michel Temer e do coronel Lima, pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, foi ilustrada por uma descompostura na decisão de prendê-los, dada como “indevida antecipação de pena” e outras irregularidades. Por quatro anos e meio, Sergio Moro cometeu à vontade e a granel os mesmos abusos.
A turma incumbida de revê-los, no Tribunal Regional Federal do Sul, em geral avalizou-os, quando não os agravou. E o STJ e o Supremo os ingeriram sem sequer mastigar uns arremedos de ressalva.
Moro está sendo descoberto como é de fato. Magistrados protestam, unânimes, contra abusos judiciais. Nisso, por um ângulo, vê-se quanto a Justiça foi capaz de submeter-se a interesses políticos e pressões de opinião. Por outro, vê-se um indício de retorno da alta magistratura à Justiça. É preciso mesmo, e talvez com urgência, em tempo de ajudar os estudantes a salvar nas ruas este país.
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Foto: Reprodução Flicker, na Folha