Nos últimos 102 anos, país assistiu a diferentes momentos de luta e resistência dos trabalhadores por direitos
Por Bruna Caetano, no Brasil de Fato / MST
Com a Previdência social ameaçada pela proposta de reforma do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e seu ministro da economia, Paulo Guedes, o Brasil está sob iminência de mais uma Greve Geral, marcada para o dia 14 de junho. A última aconteceu no dia 28 de abril de 2017, e pretendia barrar a reforma trabalhista e a reforma da Previdência, ainda nos moldes do governo de Michel Temer. Antes dessas, outras mobilizações nacionais marcaram a história.
A greve que se aproxima será marcada, mais uma vez, pela defesa da Previdência Social, mas segundo Júlio Turra, diretor executivo da Central Única dos Trabalhadores (CUT), se agregam à pauta reivindicações particulares das categorias e reivindicações gerais. O sindicalista destaca que a defesa da educação também será destaque na greve, além da luta contra privatizações das empresas estatais e o combate ao desemprego.
Para Turra, militante histórico detido pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) da ditadura militar na década de 1970, greves gerais têm a característica particular de elevar a luta econômica para campo da política. “Não é simplesmente a reivindicação de uma ou outra categoria, é uma reivindicação do conjunto da classe, que coloca a responsabilidade do governo de tudo”, explica.
Neste especial, o Brasil de Fato resgatou a história das principais greves de trabalhadoras e trabalhadores presenciadas pelo país.
A primeira greve geral
As paralisações de 1917 tiveram início em duas fábricas têxteis do Cotonifício Rodolfo Crespi, na Mooca, bairro da cidade de São Paulo. Foram motivadas pelas más condições de trabalho, comuns entre a classe operária brasileira, e pelo aumento do custo de vida.
Com a Primeira Guerra Mundial, produtos brasileiros passaram a ser exportados para países da Tríplice Entente, ao mesmo tempo em que a oferta de alimentos no país era reduzida. Este cenário provocou o aumento dos preços e intensificação do trabalho.
Outro estopim para a generalização das paralisações foi a morte do jovem militante anarquista espanhol José Martinez, em São Paulo, após a repressão da cavalaria a um protesto operário na porta da fábrica Mariângela, no bairro do Brás. Milhares de pessoas acompanharam o corpo de Martinez até o sepultamento.
A greve se espalhou pela capital paulista até chegar ao Rio de Janeiro e Porto Alegre. Armazéns foram saqueados e veículos incendiados.
As ligas operárias e o Comitê de Defesa Proletária, de maioria anarquista e socialista, coordenaram todo esse movimento, reivindicando, entre outras pautas, a abolição da exploração do trabalho de menores de 14 anos, o fim dos turnos noturnos para mulheres e menores de 18 anos, jornada de trabalho de oito horas, e aumento salarial. Estima-se que cerca de 43.800 trabalhadores tenham aderido ao movimento, somente em São Paulo.
Greve dos 300 mil
Em 1953, essa mobilização marcou um momento importante para o sindicalismo brasileiro. Assim como em 1917, o movimento também começou nas fábricas de tecido, em São Paulo, a partir do anúncio de greve dos operários da fábrica de tecidos Matarazzo.
Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, os trabalhadores enxergavam um momento propício para a organização sindical. O principal estopim dessa greve histórica foi o aumento considerável do custo de vida nos anos anteriores, e o baixo aumento do salário mínimo.
No dia 18 de março, uma passeata chamada de “Panela Vazia” reuniu 60 mil pessoas no centro da cidade, em um trajeto da Praça da Sé até a sede do governo do estado. Uma semana depois, 300 mil trabalhadores do setor têxtil, vidraceiros, metalúrgicos, gráficos e marceneiros cruzaram os braços.
“As greves gerais sempre colocaram o governo em questão, por ser um movimento de conjunto da classe trabalhadora, além da pauta econômica, que via de regra detonava a mobilização e a preparação das greves gerais. Ela acabava tendo um impacto político muito grande”, afirma o dirigente da CUT Turra.
Com muitos sindicatos atrelados à estrutura corporativista, os trabalhadores passaram a se organizar em “comitês de empresas”, formando posteriormente uma Comissão Intersindical, mudando a organização sindical e deixando de lado a estrutura anterior, aparelhada pelo Estado.
Apesar de 400 grevistas terem sido demitidos após o fim da greve, os trabalhadores conseguiram 32% de aumento salarial e a indicação de João Goulart, que futuramente seria eleito presidente, para o ministério do trabalho do governo Vargas.
Metalúrgicos param o ABC paulista
No ano de 1979, a região do ABC, em São Paulo, foi palco de greve de 200 mil metalúrgicos. Iniciada no dia 13 de março, foi organizada por três sindicatos da região e durou duas semanas.
Indústrias automobilísticas estrangeiras como a Volks, Mercedes-Benz, Scania e Ford, e outras empresas da região, foram totalmente paralisadas, apesar da repressão por parte da ditadura militar. Essa mobilização foi o motor para outras categorias deflagrarem greve contra o arrocho salarial praticado pelo regime, relembra Julio Turra. Na época presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Inácio Lula da Silva discursou para 60 mil pessoas no estádio municipal Vila Euclides, em São Bernardo do Campo.
A greve foi considerada ilegal pela Justiça após pedido da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que por sua vez afirmou que não concederia reajuste acima dos 44% combinado com a Federação dos Metalúrgicos de São Paulo. A paralisação, no entanto, persistiu utilizando o fundo de greve criado pelos trabalhadores para receber doações de alimentos.
Cerca de 80 mil metalúrgicos decidiram manter a mobilização até que o reajuste fosse aceito, e a greve se alastrou por outras cidades industriais. No estádio Vila Euclídes, houve uma assembleia com a presença do bispo de São Bernardo, dom Claudio Hummes, que rezou com os trabalhadores o “Pai Nosso”.
Menos de uma semana após o início da paralisação, milhares de policiais militares ocuparam São Bernardo, e tropas de choque, cavalaria e cães foram usados para reprimir os trabalhadores. Após 10 dias, Murilo Macedo, então ministro do trabalho, determinou intervenção federal nos três sindicatos, o que transferiu as reuniões dos sindicatos para a casa paroquial da Igreja Matriz de São Bernardo, cedida por dom Claudio, que décadas mais tarde se transformaria em arcebispo de São Paulo.
Depois de duas semanas, , por sugestão de Lula, a greve foi suspensa por 45 dias por conta da repressão. A suspensão, no entanto, não diminuiu a mobilização da categoria e as reuniões continuaram às escuras na matriz. Exemplo disso foi a manifestação do dia 1º de Maio, que reuniu 150 mil pessoas no estádio de Vila Euclides.
Mesmo a reivindicação inicial de reajuste tendo sido de 73%, a última assembleia ao fim do período de 45 dias aprovou uma proposta de 63%, o que pôs fim à greve, com o saldo de ampliação da capacidade de mobilização e organização do movimento sindical metalúrgico. A intervenção federal foi suspensa e, no dia 18 de maio, a diretoria eleita reassumiu o sindicato.
Petroleiros encabeçam greve contra decreto da ditadura
No dia 21 de junho de 1983, os petroleiros brasileiros deflagraram a greve da categoria ao parar a produção da Refinaria Landulfo Alves (RLAM), em Mataripe (BA), e a Refinaria Planalto (REPLAN) em Campinas (SP). A greve foi o pontapé para a criação da CUT, cerca de um mês depois.
O ano ainda era de ditadura militar, mas o contexto político favoreceu a execução da greve, com a crise econômica do governo de João Figueiredo, e a elevação dos juros para conter a inflação por determinação do Fundo Monetário Internacional (FMI), além do corte de despesas e do Decreto-Lei 2.025, que extinguiu benefícios de empresas estatais.
Nesse cenário, 35 entidades sindicais e associações de funcionários públicos decidiram por decretar greve, incluindo, além dos petroleiros da RLAM e da REPLAN, trabalhadores do Rio Grande do Sul, Pará, Minas Gerais, Cubatão (SP) e Duque de Caxias (RJ). Tiveram apoio de diversos setores da sociedade, como estudantes, partidos de esquerda, a Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
O governo recuou inicialmente, mas pouco tempo depois, no dia 29 de junho, baixou o decreto 2.036, que cortava direitos de funcionários das estatais, como o abono de férias, promoções, auxílio alimentação e transporte, salário adicional anual e participação nos lucros.
No dia 5 de julho, o turno noturno da REPLAN parou contra o arrocho salarial, a manipulação do Instituto Nacional de Concurso Público (INPC), o Decreto-Lei 2.036, o entreguismo governamental e o acordo com o FMI, o que culminou em intervenções do governo. A greve atingiu também a RLAM, metalúrgicos, químicos e trabalhadores do transporte do ABC paulista.
A paralisação foi duramente reprimida pelo regime militar, resultando na intervenção nos sindicatos dos metalúrgicos em São Bernardo do Campo (SP) e Diadema (SP) e no sindicato dos petroleiros em Mataripe e de Campinas. Em Paulínia (SP) 153 foram demitidos, e 205 em Mataripe. No dia 11 de julho, a greve foi cessada.
“Fora daqui, FMI”
No dia 21 de julho, 2 milhões de trabalhadores de 35 categorias cruzaram os braços novamente contra o agravamento do arrocho salarial, agora pelo Decreto-Lei 2.045. O decreto estabelecia que os reajustes de todas as faixas salariais seriam limitadas a 80% da variação do índice de inflação (INPC). Empresas “com insuficiência econômica” poderiam fazer reajustes ainda menores. Foi a terceira medida de arrocho desde o acordo com o FMI.
A região do ABC paulista mais uma vez concentrou as paralisações, junto com a cidade de São Paulo. Em SP, o governo decretou intervenção nos sindicatos dos bancários e metroviários e a polícia reprimiu as manifestações. No Rio de Janeiro, 50 mil pessoas se reuniram contra o FMI. Houve protestos também em Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador. Mais de 300 pessoas foram presas.
Fracasso do Plano Cruzado
O Plano Cruzado, lançado em 1986 pelo governo de José Sarney (MDB), e Dilson Funaro, ministro da Fazenda, encheu a população de esperança com a promessa de congelamento de preços a fim de diminuir a inflação. O otimismo gerado provocou uma diminuição na força dos sindicatos e uma votação massiva no PMDB naquele ano, que elegeu 22 governadores nos 23 Estados e quase dois terços da Câmara dos deputados e do Senado.
O Plano, contudo, não se sustentou, e as mercadorias começaram a sumir das prateleiras, mercados paralelos surgiram, importações aumentaram, reservas cambiais foram esgotadas e a inflação voltou a disparar. Surge, então, o Plano Cruzado 2, e com ele a Greve Geral que paralisou 25 milhões de trabalhadores, segundo a CUT, em todos os estados, no dia 12 de dezembro.
As medidas do Plano Cruzado 2 fizeram os preços voltarem a subir, aumentando a arrecadação de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O ajuste salarial passaria a depender de um gatilho, disparado apenas quando a inflação atingisse 20%. Os índices de inflação, porém, eram “ajustados” a fim de evitar o disparo.
Trabalhadores em defesa da CLT
A fim de flexibilizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) protocolou o Projeto de Lei (PL) 5483, em 2001, que pretendia permitir que o negociado prevalecesse sobre o legislado nas relações de trabalho. Isto é, o governo pretendia que acordos ou convenções coletivas pudessem garantir aos trabalhadores menos direitos do que os previstos pela CLT.
A medida culminou em uma vigília em Brasília, como conta Julio Turra, dirigente da CUT, e em uma paralisação que envolveu 12 milhões de trabalhadores, no dia 21 de março de 2002.
A PL foi arquivada na época. Anos depois, em 2017, a proposta de FHC seria incorporada pela reforma trabalhista do presidente em exercício, Michel Temer (MDB).
Fora Temer!
Uma das pautas máximas de Michel Temer, após o golpe parlamentar que destituiu Dilma Rousseff (PT) em 2016, era a aprovação da reforma trabalhista e da reforma da Previdência, que posteriormente serviu como base para a atual proposta de Bolsonaro e Paulo Guedes. Na época, o rechaço popular às propostas de Temer geraram uma mobilização massiva, passados exatos 100 anos da primeira Greve Geral do país.
A greve foi articulada conjuntamente por diversas centrais sindicais, movimentos populares, partidos de esquerda e centro-esquerda, sendo apoiada também por setores progressistas da Igreja Católica. Foram registradas paralisações em 150 cidades e 40 milhões de trabalhadores de diversos setores não trabalharam no dia 28 de abril, caracterizando a maior Greve Geral do Brasil até o momento. Além do “não” às reformas, bandeiras como “Fora Temer” e “Diretas Já” também foram levantadas.
A reforma trabalhista seria aprovada no legislativo e sancionada no dia 13 de julho de 2017, alterando significativamente a CLT e permitindo que a negociação entre patrões e trabalhadores prevaleça sobre a legislação.
Já a reforma da Previdência foi barrada. Mas voltou à pauta como carro chefe do governo Bolsonaro. O governo federal e a cúpula do presidente concentram todas as forças na aprovação da medida, mas têm encontrado dificuldade de articulação no Congresso. E resistência nas ruas.
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Edição: Rodrigo Chagas/ Brasil de Fato