Por Leonardo Wexell Severo*, no Correio da Cidadania
Os movimentos populares paraguaios do campo e da cidade começaram a realizar uma série de mobilizações em apoio ao juiz Emiliano Rolón Fernández, acusado pela procuradora geral do Estado, Sandra Quiñonez, de “mal desempenho em suas funções” por ter absolvido os camponeses condenados pelo massacre de Curuguaty.
Comandado por seguidores do general Alfredo Stroessner, que governou o país por 45 anos (1954-1989) e amigos de Blas Riquelme (ex-presidente do Partido Colorado, o da ditadura), que se autoproclamava proprietário de Marina Kue, em Curuguaty, o Júri de Acusação de Magistrados (JEM) marcou para o próximo dia 9 de julho a decisão sobre o futuro de Emiliano.
Membros da Sala Penal de Apelação do Tribunal Superior de Justiça, Emiliano e Arnaldo Martínez Prieto votaram pela absolvição dos trabalhadores sem-terra em julho de 2018, libertando os 11 condenados. No final de maio, farto de ser atacado de forma constante e sem qualquer garantia de um julgamento imparcial, Arnaldo decidiu renunciar ao Tribunal após 29 anos de magistratura.
Conforme esclareceu Arnaldo, o “confronto” no qual morreram 17 pessoas – 11 sem-terra e seis policiais – em Marina Kue, Curuguaty, departamento de Canindeyú, no dia 15 de junho de 2012, e que redundou uma semana depois na destituição do presidente Fernando Lugo “foi premeditado e poderia ter sido evitado”. “Por detrás há algo”, advertiu, “não tendo sido de responsabilidade dos que tombaram de ambos os lados”. “O que não contavam era conosco”, acrescentou.
“Não nos pediram para averiguar o que passou em Curuguaty, mas se a sentença era justa. Como saber quem foi, como e por que, se 24 horas depois ainda não havia sequer garantias de preservação do local e políticos da localidade embolsavam as provas. Isso está no youtube. Entre outros absurdos, desapareceram as filmagens do helicóptero da polícia e houve muita negligência investigativa, isso acabou por comprometer a apuração”, denunciou Emiliano.
Na sua avaliação, diante do cerco existente, “a luta pela independência do poder Judiciário é a mais transcendente, porque se tornou essencial à população saber que tem juízes em quem pode confiar”. Sem esta segurança, assegurou Emiliano, voltaríamos à época de Stroessner, “um tempo sem lei, em que imperava a força”.
Para Rolón, “seria mais fácil seguir a corrente e incriminar os sem-terra, mas, afortunadamente, prefiro a consciência do dever cumprido e dormir tranquilo”. “Tenho o espírito de luta dos que vieram do interior, entrei no Tribunal de Justiça em 1995 por mérito próprio e acredito na Justiça. Sei que a liberdade custa e continuarei caminhando com dignidade e integridade ao lado da lei. Jamais abriria mão de minhas responsabilidades. Sou defensor de um Paraguai republicano e democrático, por isso assumo decisões”, enfatizou.
Indicada para a Procuradoria Geral do Estado por Horacio Cartes quando se despedia da presidência no começo de 2018, Sandra Quiñónez é figura carimbada pela extensa folha corrida em prol dos latifundiários e grandes empresários, com quem está sempre alinhada contra os direitos dos trabalhadores. Entre outros abusos, manteve atrás das grades durante um ano e sete meses 14 lideranças, entre eles a Dom Sindulfo Agüero, então com 70 anos, veterano dirigente da Organização Camponesa do Norte (OCN). Após este longo período na prisão, os dirigentes camponeses foram libertados pela total inexistência de provas.
Procuradora mafiosa
“O país não pode seguir um minuto a mais com uma procuradora mafiosa, ladra, bandida e corrupta como Sandra Quiñónez”, protestou Miguel Prieto, prefeito de Ciudad del Este, segunda principal cidade paraguaia. “Hoje me dou conta que a Procuradoria, e digo com propriedade, é um lixo, não representa a sociedade, está ali somente para defender a máfia”, disse.
Elemento central na chantagem e coação de testemunhas, peça-chave na ocultação de informações e falsificação de provas contra os sem-terra,Jalil Rachid agiu como promotor-geral do caso Curuguaty.
Posteriormente, como vice-ministro da Segurança do governo do presidente Horacio Cartes, atuou para que as lideranças dos camponeses fossem incriminadas e condenadas a até 35 anos de prisão por “homicídio doloso”, “associação criminosa” e “invasão de imóvel alheio”, delitos que não cometeram.
Recentemente, em ato nulo e arbitrário, a Corte Suprema voltou atrás da sua posição de nomear a Alfonso Mascareño para a Promotoria de Curuguaty e decidiu indicar Jalil Rachid para o cargo, reforçando ainda mais os laços entre os mafiosos.
“Jalil Rachid é o principal responsável do vergonhoso processo judicial realizado contra os camponeses sobreviventes do impune massacre de Curuguaty, uma investigação que encarcerou inocentes para encobrir culpados e que concluiu com a nulidade total do processo e a libertação de todos os camponeses injustamente presos”, denunciam os movimentos sociais, que estão coletando milhares de assinaturas pelo “Fora Rachid!”.
O documento esclarece que “o retorno deste personagem a Curuguaty é uma provocação violenta a toda a sociedade e em especial à população de Canindeyú, além de um grave retrocesso que novamente enluta as famílias das vítimas do massacre que ainda esperam por justiça”.
“Conhecemos Jalil muito bem. Teve nefasta e péssima atuação no caso Curuguaty e consideramos que isso já é motivo suficiente para que ele fique fora do Ministério Público”, defendeu Saúl González Ayala, presidente da Associação de Advogados de Canindeyú.
Destacada liderança do movimento pela libertação dos camponeses de Curuguaty, Guillermina Kanonnikoff, conclamou a população a ampliar a mobilização e a solidariedade. “As famílias estão apostando na construção de um assentamento modelo, empreendedor, produtivo, mas não lhes dão trégua. As autoridades em vez de se fazerem presentes e ajudar na construção, demonstrando como é possível seguir em frente, só colaboram para fazer-lhes a vida impossível. E como se não bastasse a nomeação de um nefasto personagem como Rachid para a Procuradoria de Curuguaty, agora se soma o JEM que pretende acusar e castigar aos juízes que fizeram justiça com a libertação dos camponeses”, condenou Guillermina.
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*Leonardo Severo é jornalista de Hora do Povo. Publicou os livros Curuguaty, carnificina para um golpe e Curuguaty, o combate paraguaio por terra, justiça e liberdade.
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Foto: Elias Rolón