Corporação tentou desacreditar IARC, agência da ONU que relacionava o glifosato à doença. Houve pressão sobre parlamentares e patrocínio de pesquisas “amigas”. Leia também: novo relatório da OMS sobre suicídio no mundo
Por Maíra Mathias e Raquel Torres, em Outra Saúde
SEM PUDOR
Desde que a Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer (IARC, na sigla em inglês) classificou o glifosato como “provável carcinógeno” em 2015, congressistas dos Estados Unidos têm pressionado para drenar o financiamento do organismo ligado à ONU. E, no Intercept, Lee Fang examina (e cita) documentos que indicam como esse ataque político foi, em parte, “roteirizado pela Monsanto”, recentemente comprada pela Bayer: “Arquivos recém-divulgados pelo escritório de advocacia Baum Hedlund incluem e-mails, documentos e transcrições de depoimentos da empresa, mostrando que os advogados e lobistas da Monsanto orientaram os legisladores, coordenando esforços para questionar a credibilidade da IARC e reduzir o apoio dos EUA ao organismo internacional”.
A estratégia incluiu antagonizar os reguladores. A Monsanto enviou lobistas para influenciar “funcionários-chave” da EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA), e do Departamento de Agricultura, por exemplo, para criar dúvidas sobre o processo científico da IARC. Um funcionário do Departamento de Saúde também foi visitado.
E tem mais: os documentos sugerem que houve “ameaças investigativas para moldar a ciência usada para pesquisar o glifosato e outros compostos químicos controversos, como parte de uma campanha maior para silenciar os críticos e desacreditar a IARC”. Algumas dessas estratégias vieram à tona no ano passado, quando a Monsanto foi criticada por escrever estudos científicos de forma apócrifa sobre a segurança do glifosato, que foram apresentados como pesquisas independentes. Um consultor da empresa chegou a ser pego fingindo ser um jornalista que trabalhava para a BBC.
O agrotóxico Roundup, à base de glifosato, é hoje o principal herbicida do mundo e a “galinha dos ovos de ouro” da Monsanto. Além de vender o produto, a empresa também fabrica as sementes transgênicas para plantações resistentes a ele.
A CADA 40 SEGUNDOS
A Organização Mundial da Saúde lançou ontem um relatório com muitos dados sobre suicídio e preocupações de ordem prática. Uma é que apenas 80 dos 183 Estados-membros da OMS possuíam dados de boa qualidade sobre isso em 2016. Outra é que só 38 países adotam estratégias nacionais para evitar essas mortes. Há algumas intervenções que têm conseguido baixar taxas. Entre elas, a orientação da mídia sobre a cobertura responsável de suicídios; a implementação de programas entre os jovens para que lidem com o estresse; e a identificação precoce, gerenciamento e acompanhamento de pessoas em risco de suicídio.
Mas a estratégia mais eficaz tem sido restringir o acesso a armas de fogo e, especialmente, aos pesticidas. Outro relatório, também lançado ontem, fala especificamente disso, apresentando evidências crescentes de que a regulação para proibir o uso de pesticidas altamente perigosos pode levar a reduções nas taxas nacionais de suicídio. No Sri Lanka, uma série de proibições nesse sentido está associada a uma queda de 70% nas mortes entre 1995 e 2015.
O primeiro documento afirma que cerca de 800 mil pessoas se suicidam a cada ano no mundo, o que dá uma a cada 40 segundos. Essa já é a segunda principal causa de morte de jovens entre 25 e 29 anos, só atrás de acidentes de trânsito. Entre adolescentes de 15 a 19 anos, também é a segunda principal causa entre meninas e a terceira entre meninos. Nos países de alta renda, o problema é maior. Neles, a taxa de suicídios é em média 11,5 por cada 100 mil habitantes (sendo que a taxa global é 10,5/100 mil). Nas nações ricas, quase três vezes mais homens morrem por suicídio do que mulheres – mas, nos de baixa renda, não há muita diferença entre sexos.
EM BRUMADINHO…
Sete meses após o desastre, cresceram as taxas de suicídio e tentativas de suicídio, principalmente entre mulheres. Como o lugar é pequeno – cerca de 30 mil habitantes – os números absolutos também o são. Mas a proporção do aumento é significativa: no primeiro semestre de 2019 houve 39 tentativas (11 entre homens e 28 entre mulheres), uma alta de 23% em relação ao mesmo período do ano passado. E o número de suicídios passou de um para três. O uso de antidepressivos aumentou 60%, comparando agosto deste ano com o mesmo mês de 2018. Em relação ao ansiolíticos, a diferença é ainda maior: 80%. O uso da risperidona, indicada no tratamento de psicoses, saltou 143%.
Os atendimentos na atenção básica também cresceram muito, 63% no primeiro quadrimestre de 2019. Na UPA, o número máximo de atendimentos em um plantão de 12 horas foi de 165 antes do rompimento da barragem e, agora, o teto subiu para 280. Com isso, evidentemente cresceram os gastos da prefeitura com saúde – devem chegar a R$ 70 milhões este ano, contra R$ 55 milhões em 2018. Os recursos vão sair do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) fechado entre a Vale e o Ministério Público.
TUBERCULOSE CRESCE EM CRIANÇAS
A incidência de tuberculose entre crianças vem crescendo no Brasil. No ano passado, foram registrados 7,2 casos para cada 100 mil crianças menores de quatro anos. Esse número era de 5,6/100 mil em 2015. Entre quem tem de cinco a 14 anos também houve piora: a incidência passou de 3,9 casos para 4,8 a cada 100 mil no mesmo período. Ontem, o Ministério da Saúde anunciou uma mudança que pode facilitar o tratamento da doença nesse grupo. Feita atualmente em duas etapas, com três medicamentos na primeira, intensiva, e dois na segunda, moderada. A partir de 2020, a terapia para tuberculose vai ser feita com uma dose única, que combina os remédios de cada fase. A pílula será solúvel em água e terá sabores melhores, segundo a Pasta.
Esse modelo de dose única, recomendado pela OMS, está disponível no SUS para adultos desde 2010, mas com outras formulações e na forma de comprimido. Mesmo assim, de cada dez pessoas que iniciam o tratamento, que dura cerca de seis meses, pelo menos uma abandona o uso dos medicamentos. Isso acontece, segundo o Ministério, porque há uma sensação de melhora logo no início do tratamento. Mas a cura só vem com a terapia completa, e precisa ser confirmada por exame laboratorial.
O Brasil ocupao ranking dos 30 países com maior incidência de tuberculose. Só no último ano, foram registrados 75.717 casos, o equivalente a 36,2 a cada 100 mil habitantes. Aconteceram 4,5 mil mortes em 2017, ano dos dados mais recentes para esse indicador.
A adoção da pílula única contou com respaldo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec), que apontou a mesma eficácia em relação ao tratamento já ofertado. De acordo com a Folha, o Ministério não informou o valor investido para oferta do novo modelo de tratamento. Em breve, o ministro Luiz Henrique Mandetta vai assumir a presidência do conselho da parceria Stop TB, que reúne o setor privado, agências da ONU, programas governamentais, ONGs e sociedade civil com a missão de erradicar a doença no mundo.
A UNIMED E A FAVELA
A Unimed está sendo criticada nas redes sociais. E, desta vez, o motivo não tem nada a ver com atendimento, mas com uma festa promovida pela cooperativa de médicos em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, na última sexta-feira. Um dos caros cenários da confraternização imitava uma favela, com laje, varal, botequim e uma trabalhadora negra vestida com roupa de baiana servindo acarajé, dentre outras coisas. Segundo a empresa, a festa foi inspirada no universo do livro ‘As Aventuras de Alice no País das Maravilhas’ adaptado para a realidade brasileira. “Atender na favela tem muito médico que não quer, mas fazer stories achando a representação cênica da favela exótica eles adoram!”, criticou um internauta, citado pela Folha. “É revoltante que as pessoas não tenham o mínimo de bom senso e empatia ao fazer da vida da maioria da população motivo para chacota”, condenou, por sua vez, a deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP).
VULNERÁVEIS COMO ALVO
A ONG Privacy International analisou os 136 sites sobre saúde mental mais populares na Alemanha, França e Reino Unido e descobriu que, na maioria eles, existem cookies capazes de burlar a privacidade dos usuários, enviando para não se sabe onde dados prévios de navegação e localização geográfica, por exemplo. De acordo com o levantamento, essas informações são vendidas para anunciantes. Mas tudo acontece muito rápido, e em poucos segundos os anúncios correspondentes aos interesses demonstrados pelo internauta previamente aparecem na sua tela. No caso de pessoas em sofrimento psicológico, a estratégia comercial é particularmente cruel.
SEM RESPALDO CIENTÍFICO
Na Época, o jornalista especializado em ciência Denis Russo Burgierman fala sobre a problemática internação compulsória de usuários de drogas. “Em muitos países do mundo – principalmente na parte mais pobre e autoritária dele –, dependentes de drogas são tratados contra sua vontade: são obrigados a se internar e a largar as drogas. Até pouco tempo atrás, havia uma discussão sobre se esses tratamentos compulsórios -– obrigados pelo governo, pela polícia, pela justiça, pelo médico, pela família -– funcionam ou não. Hoje não há mais dúvidas: com os dados que existem disponíveis, está bastante claro que tratar a força não é uma boa ideia. É um desperdício de dinheiro público, porque não funciona bem. A pesquisa que chegou a essa conclusão foi publicada três anos atrás: era uma revisão de todos os estudos já feitos com tratamento compulsório, em toda parte do mundo, principalmente na Ásia e América Latina, onde eles são mais comuns. Os cientistas verificaram que só 22% dos dependentes forçados a se tratar conseguiram melhorar além do grupo controle – enquanto que outros 22% tiveram danos (aumentaram as chances de uma recaída). Um tratamento que oferece tanto potencial de melhora quanto de piora não pode ser considerado eficaz – não devia ser permitido, menos ainda pago pelo Estado.”
SEM INSUMOS
Se a proposta de lei orçamentária do governo Bolsonaro for aprovada pelo Congresso como está, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vai perder 87% da verba usada para custear insumos, reagentes, equipamentos, laboratórios, entre outros materiais de trabalho necessários para a pesquisa em várias áreas do conhecimento. Segundo dados do próprio CNPq, a dotação orçamentária aprovada para essa finalidade foi de R$ 127,4 milhões em 2019. Despencaria para R$ 16,5 milhões no ano que vem.
E a Fiocruz lançou uma nota em defesa da pesquisa e da pós-graduação, contra os cortes. Aqui.