Drauzio Varella: Ideologia de gênero

Nos dias de hoje, demagogos se apropriaram do preconceito social

Na Folha

Mal começamos a entender a diversidade sexual humana, vozes medievais emergiram das catacumbas para inventar a tal “ideologia de gênero”.

Como nunca vi esse termo mencionado em artigos científicos nem nos livros de psicologia ou de qualquer ramo da biologia, fico confuso.

Suponho que se refiram a algum conjunto de ideias reunidas por gente imoral, para convencer crianças e adolescentes a adotar comportamentos homossexuais. Será que devo a heterossexualidade à inexistência dessa malfadada ideologia, nos meus tempos escolares? Caso existisse, eu estaria casado com homem?

Embora disfarcem, o que esses moralistas de botequim defendem é a repressão do comportamento homossexual que, sei lá por que tormentos psicológicos, lhes causa tamanho horror.

Para contextualizar a coluna de hoje, leitor, não falarei de aspectos comportamentais ou culturais, resumirei apenas alguns fenômenos biológicos ligados à sexualidade, uma vez que a diferenciação sexual é fenômeno de altíssima complexidade em que estão envolvidos fatores hormonais, genéticos e celulares.

Até a quinta semana de gestação, o embrião é assexuado. Só a partir da sexta semana é que as gônadas começam a se diferenciar. Se houver desenvolvimento de ovários, eles secretarão predominantemente estrogênios; se forem testículos, a produção predominante será de testosterona. Digo predominante, porque pelo resto da vida homens também produzirão estrogênios; e mulheres, testosterona, embora em pequenas quantidades.

Variações nesse delicado equilíbrio hormonal modificam os caracteres sexuais secundários, a anatomia dos genitais e o comportamento sexual.

Por outro lado, o conceito de que o sexo seria definido pela presença ou ausência do cromossomo Y é uma simplificação. Muitas vezes, os cromossomos sexuais não se distribuem igualmente entre as células do embrião. Da desigualdade, resultam homens com células XX em alguns órgãos e mulheres com cromossomos XY.

Talvez você não saiba, caríssima leitora, que fetos masculinos liberam células-tronco XY que cruzarão a placenta e se alojarão até no cérebro de suas mães, para sempre.

Quando a genética é levada em conta, as fronteiras sexuais ficam ainda mais nebulosas. Há dezenas de genes envolvidos na anatomia e na fisiologia sexual. A multiplicidade de interações entre os dominantes e os recessivos torna mais complexa a diversidade sexual existente entre homens, bem como entre mulheres, e faz surgir áreas de intersecção que tornam problemático para algumas pessoas definir sua sexualidade dentro dos limites impostos pela ordem social.

Como deveríamos então definir o sexo de cada indivíduo? Pelo binário dos cromossomos XX e XY? Pelos genes, pelos hormônios ou pela anatomia genital? O que fazer quando essas características se contrapõem?

Segundo Eric Vilain, diretor do Centro de Biologia Baseada em Gênero, na Universidade da Califórnia: “Na falta de parâmetros biológicos, se você quiser saber o sexo de uma pessoa, o melhor é perguntar para ela”.

Esses conhecimentos passam ao largo de grande parte da população. Para muitos, a homossexualidade é uma opção de gente sem vergonha. Repetem esse absurdo porque são ignorantes, sem a menor noção das raízes biológicas e comportamentais da sexualidade.

O argumento mais elaborado que conseguem usar como justificativa é o de que a homossexualidade não é fenômeno natural. Outra estupidez: relações homossexuais têm sido documentadas pelos etologistas em todas as espécies de mamíferos, e até nas aves, únicos dinossauros que sobreviveram à catástrofe de 62 milhões de anos atrás.

Assim como a heterossexualidade, a homossexualidade se impõe. Não é nem pode ser questão de escolha. É possível controlar o comportamento, mas o desejo sexual é água morro abaixo.

Nos dias assustadores em que vivemos, em que os boçais se orgulham das idiotices que vomitam com ares de sabedoria, vários demagogos se apropriaram do preconceito social, para criar a tal “ideologia de gênero”, com o pretexto de defender a integridade da família brasileira. Partem do princípio de que assim ganharão mais votos, uma vez que os iletrados são maioria num país de baixa escolaridade, infelizmente.

Mandar recolher livros e disputar a primazia do combate a essa ideologia cretina e sem sentido é apenas uma demonstração de arrogância preconceituosa tão a gosto dos pobres de espírito.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Zelik Trajber.

Charge: Laerte

Comments (10)

  1. Espero que o Dr. Dráuzio tenha aprendido algumas coisas com uns bons comentários que vi por aqui.
    O que está por trás da ideologia de gênero é o estímulo à criança para a homossexualidade.

  2. A ideologia de gênero é um câncer para as crianças!
    A Identidade de Gênero rompe a perfeita unidade entre a alma e o corpo, o corpo tendo um sexo e a alma outro. A harmonia humana é desfeita. Não se estará assim fabricando desequilibrados mentais?
    O homem também tem uma natureza que ele deve respeitar e que não pode manipular à vontade. O homem não é apenas uma liberdade que ele cria
    para si mesmo. O homem não cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza, e a sua vontade é justa quando ele respeita a natureza,
    a escuta e aceita a si mesmo como aquilo que é e que não foi ele quem criou.
    A manipulação da natureza, que hoje deploramos relativamente ao meio ambiente, torna-se aqui a escolha básica do homem a respeito de si mesmo. Se não há homem e mulher como um dado da criação, então deixa de existir também a família como realidade pré-estabelecida pela
    criação. Mas, em tal caso o filho, de sujeito
    jurídico que era, com direito próprio, passa agora necessariamente a objeto, ao qual se tem direito e que, como objeto de um direito, se pode adquirir.

  3. Nas dez classes gramaticais, o substantivo, o adjetivo, o artigo, o numeral, todos tem em comum a variação de gênero…
    Sexo é uma invenção moderna…
    No dicionário, grosso modo, é a conformidade particular que distingue o macho, da fêmea…
    Vejo que essa discussão carece de bom senso e de percepção acurada…
    O gênero humano é bastante complexo…
    Mas, vale lembrar que a homossexualidade é uma ‘coisa’ muito antiga, descrito na bíblia é nos livros de Platão…
    É é sempre será, uma coisa da natureza…

  4. O doutor está corretíssimo! E eu tb gostaria expressar minha opinião. Ninguém aprende a ser gay, essas notícias erradas e a falta de informação e instrução está passando a ideia errada de que a tal “ideologia de gênero” quer estimular comportamento homossexual nas crianças. Oq tem que ser feito é ensinar as crianças a respeitarem o diferente dele, informar que existe e que é extremamente normal, até pq somos uma sociedade plural em termos culturais, étnicos, políticos, genéticos, etc… E outra coisa, esse negócio de ficar dizendo sobre a homossexualidade, gente, da mesma forma que o conceito de raça caiu por terra, essa ideia de separação humana por sexualidade tb já demorou pra fracassar, somos todos seres humanos, oq cada um tem como preferência sexual não muda em nada sua vida social, afinal, continuamos sendo seres humanos da mesma esforços genética, raça e etc… Rótulos são para produtos, coisas e não pessoas. E no caso dos transexuais, mais uma vez, são seres humanos que tem divergência entre o sexo biológico e a sua o identidade de gênero, e tem todo direito de fazer a adequação, sendo inclusive amparados na lei, recebendo todo tratamento de forma adequada e segura e principalmente sendo tratados com dignidade, afinal, volto a dizer, somos todos semelhantes, seres humanos, as particularidades da vida de cada um não interessa.

  5. Penso que se em qualquer debate, seja lá qual for o assunto central, houver tolerância e respeito às partes envolvidas, as chances de não repetirmos os erros históricos vergonhoso e catastrófico (ideais escravocratas, nazismo…) serão menores. Não abrindo mão do sonho de um dia, a dita HUMANIDADE DOS CIVILIZADOS exerça realmente essa característica.

  6. Primeiramente o senhor é ateu. Já fico pé atrás.
    Eu pergunto? Se a identidade de gênero é tão normal assim, pq os adolescentes precisam de bloqueadores de hormônios, as pessoas trans precisam fazer cirurgia de mudança de saxo, viver de hormônios, etc…
    Acredito que podemos trabalhar na escola o respeito, inclusive à fé das pessoas, mas dizer que é normal, que menino não nasce menino e menina não nasce menina e que a qualquer momento pode-se viver de acordo com a tal tal identidade?
    Estou entrando na menopausa e estou sofrendo horrores. Duvido que uma mulher trans vai passar pelo que eu estou passando.

  7. Texto dúbio.
    Quem defende a ideologia de gênero não é os “pregadores” da família tradicional, e sim o contrário !

  8. Vi muito argumento, mas gostaria que o doutor me explicasse: Se sexo é uma questão de consciência, porque/como o sangue da gestante registra o sexo do bebê?

    Como educadora eu poderia citar autores que tratam da aprendizagem humana (boa parte médicos) mas não pretendo dar aula ao doutor, apenas contrapor sua ideia. A percepção da criança durante o desenvolvimento do seu esquema corporal influenciará no seu comportamento e uso das expressões corporais para interagir com o mundo. Ocorre que a criança não sabe discernir o que é sugestão ou determinação e o professor é figura de autoridade que, direta e indiretamente, determina sobre o comportamento da criança. Mas não está acima da autoridade da família que, protegida pela lei, tem o dever e o direito de decidir sobre o que seus filhos aprendem.

    Agora, eu li ternos como boçal, demagogo, preconceituoso… Uns dos adjetivos pra gente que como eu pensa diferente do senhor, contudo, não generalize as pessoas. Não gostou da atitude do prefeito, faça uma crítica à ele, use nomes, seja específico. É bem desumano, desrespeitoso às individualidades tamanha generalização, não acha?

    Mais respeito pelas diferenças e individualidade, doutor, por favor…

  9. Existem vários modos de ser homem e mulher. A diversidade é a essência da humanidade. Realmente, vivemos tempos obscuros. Concordo que o analfabetismo funcional reinante entre nós contribui para o fundamentalismo e a mentalidade medieval.

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