Por Gustavo Sampaio, no Polígrafo/Sapo
É manipulada por George Soros e financiada por Bono Vox e Bill Gates, está sempre acompanhada por uma supervisora que a instrui sobre o que dizer, a mãe acha que ela consegue ver o dióxido de carbono a olho nu saindo pelas chaminés, além de ter um atraso mental e ser explorada pelos pais com fins lucrativos. Nas redes sociais assiste-se a uma guerra – muitas vezes sem escrúpulos – contra a credibilidade da jovem ativista sueca que reivindica ação política urgente para enfrentar as alterações climáticas.
Em meados de agosto de 2018, Greta Thunberg faltou às aulas para se manifestar em frente ao Riksdag (Parlamento da Suécia), em Estocolmo, exigindo aos decisores políticos que atuem urgentemente para debelar o que classificou como sendo uma “crise climática“. Era apenas uma jovem rapariga de 15 anos de idade, assustada com os efeitos das alterações climáticas (no presente e futuro próximo) e empunhando um cartaz no qual se destacava a seguinte mensagem: “Greve à escola pelo clima“.
A iniciativa de Thunberg motivou outros jovens estudantes suecos a juntarem-se à causa, lançando uma greve climática estudantil que viria a transformar-se num movimento internacional, com milhões de participantes em manifestações à escala global, desde o Canadá até à Austrália e ao Japão, passando pela Argentina, Índia, África do Sul e Portugal.
A ativista sueca passou a ser um símbolo global do combate contra as alterações climáticas, ou pelo menos da consciencialização da gravidade do problema e urgência de atuação ao nível político, inspirando jovens (e adultos) de todo o mundo. Além dos milhões de admiradores, porém, a exposição pública também originou a reação de muitos detratores, sobretudo entre movimentos de extrema-direita e negacionistas das alterações climáticas.
O Polígrafo efetuou uma recolha de vários conteúdos online que se inserem na campanha de ódio, mentiras e desinformação movida contra Thunberg, apresentando-os neste artigo com a correspondente verificação de factos.
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A marioneta do “conspirador judeu” George Soros
Entre os rumores mais persistentes sobre Greta Thunberg que circulam nas redes sociais destaca-se a suposta ligação a George Soros, famigerado empresário, investidor financeiro e filantropo com dupla nacionalidade húngara e norte-americana. São abundantes as teorias de conspiração alimentadas em torno de Soros, à escala global, pelo que Thunberg acabou por ser envolvida nessas tramas que geralmente misturam factos com ficção, ou degeneram mesmo em falsificações grosseiras.
Tais como uma imagem que mostra Soros a abraçar Thunberg, difundida por milhares de pessoas nas redes sociais como “prova” de que a jovem ativista sueca é manipulada ou até obedece a instruções do multimilionário judeu (e são notórios os laivos de ódio anti-semita em muitas das histórias que se inventam sobre Soros, desde logo na recorrente teoria de conspiração que o aponta como grande orquestrador na sombra de uma “nova ordem mundial” alicerçada em “globalismo” político e económico). Essa imagem é falsa.
Trata-se de uma montagem a partir de uma imagem autêntica, mais concretamente uma fotografia que retrata Thunberg a ser abraçada por Al Gore Jr., antigo vice-presidente dos Estados Unidos da América (EUA) que posteriormente se tornou num ativista dedicado às alterações climáticas e foi mesmo distinguido com o Prémio Nobel da Paz em 2007, a par do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU). A falsificação consistiu em inserir uma imagem recortada da cabeça de Soros no corpo de Gore, ao lado de Thunberg, como é facilmente comprovável através de pesquisa na aplicação TinEye.
A fotografia original foi publicada pela própria Thunberg na sua página oficial no Twitter, a 30 de dezembro de 2018, com a seguinte mensagem: “Obrigada Al Gore por ser um verdadeiro pioneiro. Muito poucas pessoas fizeram mais. Foi uma honra conhecê-lo”. O encontro ocorreu em Davos, Suíça, à margem da reunião anual do Fórum Económico Mundial. A jovem ativista participou nessa reunião, tendo proferido um discurso de alerta – “A nossa casa está a arder“, sublinhou – dirigido aos principais líderes mundiais das esferas política e empresarial.
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Sob a influência de uma misteriosa “supervisora”
Além de Soros, a ecologista sueca também tem sido associada a Bono Vox e Bill Gates, supostos financiadores das suas iniciativas. Através de páginas e perfis ligados a movimentos de extrema-direita, propagaram-se nas redes sociais memes com várias imagens em que Thunberg aparece ao lado de Luisa Neubauer, ativista alemã também dedicada à causa das alterações climáticas. Neubauer é apontada como “supervisora” ou “gestora” de Thunberg, mediante diferentes versões (e línguas utilizadas na comunicação) da teoria de conspiração. Ao mesmo tempo que é “membro” ou “embaixadora jovem” da One Foundation, “gerida por Bono Vox, Bill Gates e George Soros”.
Há aqui desde logo um equívoco: na realidade, Neubauer é embaixadora jovem da ONE Campaign, uma iniciativa focada no combate à pobreza extrema e às doenças evitáveis (operando sobretudo em África) e que é promovida pela ONE, organização não-governamental (ONG) fundada em 2004 por Bono Vox e Bobby Shriver, integrando 11 organizações humanitárias. Ora, a One Foundation é uma ONG chinesa, fundada pelo ator e produtor de cinema Jet Li, sem qualquer relação com a ONE ou a ONE Campaign.
Não obstante, é verdade que a ONE recebeu financiamento da Bill & Melinda Gates Foundation e também da Open Society Foundations de George Soros. Mas a lista de financiadores da ONE é pública e transparente (pode consultar aqui), incluindo dezenas de outros doadores em nome individual, fundações e empresas como a Google ou a Coca-Cola. Ao contrário do que os memes denunciam (enganando-se aliás na denominação do alvo, como já referimos), a ONE não é “gerida” nem controlada por Bill Gates e George Soros.
As imagens em que Thunberg aparece ao lado de Neubauer são autênticas, mas trata-se de fotografias captadas em manifestações e outros eventos públicos, o que contraria a tese de conspiração secreta. De resto, Neubauer tem um longo historial de participação em iniciativas relacionadas com as alterações climáticas, muito além do estrito âmbito da ONE Campaign. Ora, concluir a partir destas interligações que Thunberg está a ser financiada e manipulada por Vox, Gates e Soros, através de Neubauer, é uma extrapolação infundada (aliás, já desmontada na edição italiana da revista “Wired”). A alegada relação profissional – “supervisora” ou “gestora” – entre as duas jovens ativistas também não se confirma.
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“Ela consegue ver o dióxido de carbono a olho nu”
A guerra de desinformação em curso contra Thunberg também envolve a sua família, desde logo os pais que são frequentemente acusados – sobretudo em publicações nas redes sociais – de manipularem e explorarem a filha, com fins lucrativos. Entre os alvos dessas acusações sobressai o livro que publicaram em 2018, assinado por Greta Thunberg em conjunto com Malena Ernman (mãe), Svante Thunberg (pai) e Beata Ernman (irmã).
Mas o facto é que Malena Ernman é uma reputada cantora de ópera, com uma longa carreira de sucesso, tanto na Suécia quanto ao nível internacional (entretanto deixou de atuar no estrangeiro por influência de Greta, devido ao impacto ambiental das viagens de avião que tinha de fazer regularmente). Ou seja, a ideia de que estará a aproveitar-se da filha para ganhar dinheiro não faz sentido. Acresce que Greta já garantiu publicamente que os rendimentos provenientes desse livro serão doados a instituições de caridade.
A partir do livro (entretanto traduzido e publicado em Portugal com o seguinte título: “A nossa casa está a arder – A nossa luta contra as alterações climáticas“) gerou-se outra controvérsia, baseada numa frase que foi escrita pela mãe e passamos a transcrever: “Ela consegue ver o dióxido de carbono a olho nu. Ela vê como flui através das chaminés e se transforma em depósito de lixo na atmosfera”. Esta frase descontextualizada e submetida a uma interpretação demasiado literal propagou-se velozmente nas redes sociais. E chegou mesmo a diversos órgãos de comunicação social que citaram especialistas a explicar o óbvio – a saber, que o CO2 é um gás incolor e inodoro.
O rumor tornou-se imparável, alimentado por páginas e perfis ligados a movimentos de extrema-direita e negacionistas das alterações climáticas, geralmente com o objetivo de descredibilizar a mensagem da família Thunberg. Entretanto, o jornal francês “Libération” publicou um artigo de verificação de factos que sinaliza a deturpação do sentido original da frase, com origem na tradução em língua alemã e respetiva pré-publicação parcial no jornal “Frankfurter Allgemeine Zeitung”. E a própria Greta já esclarecera o equívoco através de uma publicação no Facebook, datada de 4 de maio.
“Claro que as campanhas de ódio em curso nunca descansam… Há pelo menos uma nova teoria de conspiração por dia. O último – e talvez mais divertido – spin é que ‘eu consigo ver CO2 com os meus próprios olhos‘. Isto é evidentemente uma metáfora de um livro retirada do seu contexto, retirada de um jornal alemão. Ninguém disse que eu consigo literalmente ver CO2… Isso é mais do que estúpido”, sublinhou, para depois concluir com ironia: “Quando eu digo que ‘a nossa civilização é quase como um castelo construído na areia‘, ou que ‘a nossa casa está a arder‘, isso também são metáforas“.
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O discurso de ódio e o estigma das doenças mentais
Às mentiras e desinformação acresce o discurso de ódio contra uma rapariga de 16 anos de idade, diagnosticada com síndrome de Asperger, perturbação obsessivo-compulsiva e mutismo seletivo. Essas desordens do foro mental (assumidas por Greta Thunberg, em várias ocasiões, nomeadamente na palestra que deu numa conferência TEDx em Estocolmo, Suécia, em dezembro de 2018) têm sido constantemente evocadas para a descredibilizar e estigmatizar, inclusive por políticos populistas como Maxime Bernier, líder do Partido do Povo do Canadá. Em vez de debaterem ideias, refutando a mensagem com argumentos válidos, optam por atacar a mensageira.
Apesar da violência verbal patente em muitas dessas críticas, algumas das quais publicadas em jornais, ainda assim não se enquadram nos conceitos de desinformação e discurso de ódio. Ora, quando nos referimos a discurso de ódio estamos a apontar para uma série de memes e mensagens que circulam nas profundezas das redes sociais e exponenciam a violência verbal contra Greta Thunberg até ao ponto do insulto, difamação ou bullying. Propagam-se sobretudo em fóruns online como o 4chan e o 8chan que não filtram o discurso de ódio, tornando-se assim um habitat natural para movimentos extremistas, racistas, xenófobos, terroristas, anti-semitas, homofóbicos, etc. Mas também chegam ao Twitter e ao Facebook.
Um dos insultos mais recorrentes nessas publicações consiste no epíteto de “atrasada mental“, embora a síndrome de Asperger esteja comummente associada a quocientes de inteligência acima da média. O discurso de ódio e o bullying, contudo, não parecem demover nem intimidar a jovem ativista sueca. Através de uma publicação no Facebook, a 31 de agosto, Thunberg retorquiu: “Quando os haters vão atrás da vossa aparência e diferenças, isso quer dizer que não têm outro sítio para onde ir. E então vocês sabem que estão a ganhar! Eu tenho síndrome de Asperger e isso significa que por vezes sou um pouco diferente da norma. E – dadas as circunstâncias certas – ser diferente é um superpoder“.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.
Essa nossas últimas gerações já estão caquéticas, ou devido seu caráter impositivo ou o antágonico, a submissão…
Mas as suas datas de validade já expiraram e têm que serem substituídas pelas novas !