As organizações abaixo relacionadas, constituídas com objetivo de representar os interesses dos povos indígenas e suas organizações no Estado de Rondônia, vêm a público expressar o mais absoluto repúdio às ofensivas patrocinadas sobretudo pelo Governo do Presidente Jair Bolsonaro e pela bancada de parlamentares ruralistas no Congresso Nacional, cuja finalidade é dispor das terras indígenas para exploração mineral promovida por empreendimentos privados, sem qualquer consulta aos povos indígenas diretamente afetados.
Recebemos com profundo desgosto a informação de que a Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, a requerimento do Deputado Federal Coronel Chrisóstomo (PSL-RO), promoverá, no próximo dia 04 de outubro de 2019, em Porto Velho – RO, suposta Audiência Pública cuja pauta consiste em: I – Organização, Exploração, Fiscalização, Comercialização e Exportação deMinérios; e II – Exploração de Minérios em Terras Indígenas.
Necessário que se reafirme ao Governo brasileiro e ao Congresso Nacional, que os direitos indígenas no Brasil decorrem de expressa e inequívoca previsão constitucional, bem ainda aquelas (previsões) estatuídas em tratados internacionais – cujo Brasil é signatário -, os quais reconhecem a existência dos povos indígenas, as suas formas de organização social e o direito de serem consultados sobre toda e qualquer proposta de alteração que se pretenda promover naquilo que lhes afetam, especialmente em matérias relacionadas à exploração econômica e a proteção do seu território.
Também é relevante dizer que a política de abolição e demonização dos povos indígenas protagonizada pelo Governo Federal, cujo objetivo é destruição dos territórios indígenas para fins de exploração mineral, tende a afetar diretamente pelo menos ⅓ (um terço) das reservas do País.
De acordo com os levantamentos feitos pelo Instituto Socioambiental (ISA), há 4.332 requerimentos para exploração mineral em 214 das 735 áreas indígenas registradas na Agência Nacional de Mineração.
À vista da proteção legal e constitucional dos territórios indígenas no Brasil, entendemos que todos os requerimentos sobrepostos às Terras Indígenas demarcadas são nulos de pleno direito. No entanto, os dados apontados pelo ISA demonstram com clareza o risco iminente ao qual estão submetidos os povos originários e os seus territórios.
Recente pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha aponta que 86% da população brasileira é contra a exploração mineral em Terras Indígenas. Duvidando do resultado o presidente Jair Bolsonaro afirmou que submeterá o assunto à consulta popular.
Na oportunidade em que foi criado o grupo de estudo sobre o tema (exploração mineral em território indígena) no Ministério de Minas e Energia, o Presidente da República afirmou também que pretende criar “pequenas Serras Peladas” nas terras indígenas e que essas áreas poderiam ser exploradas tanto por índios quanto por estrangeiros.
Ocorre que os propósitos do Presidente opõe-se às previsões expressas da Constituição da República, tratados, convenções internacionais e legislação infraconstitucional vigente em nosso ordenamento jurídico, as quais que preveem que as Terras Indígenas são espaços territoriais destinados à posse permanente dos índios que os ocupam, sendo deles – os indígenas – o direito exclusivo de exploração.
O art. 231 da Constituição da República é inequívoco ao estabelecer que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
O art. 44 da Lei n. 6.001, de 19 de Dezembro de 1973 – recepcionado pela Constituição da República – prescreve que “as riquezas do solo, nas áreas indígenas, somente pelos silvícolas podem ser exploradas, cabendo-lhes com exclusividade o exercício da garimpagem, faiscação e cata das áreas referidas”.
Não obstante o direito de exclusividade ao qual se refere o dispositivo transcrito alhures, é direito dos povos indígenas serem consultados, de forma livre e informada, antes de serem tomadas quaisquer decisões que possam afetar seus bens, direitos, usos e costumes. Assim o é por expressa previsão contida na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que data de 1989.
Nesse giro, entendemos que o direito de consulta prévia, livre e informada deve ser compreendido como poder que assiste aos povos indígenas a possibilidade de influenciar efetiva e diretamente no processo de tomada de decisões administrativas e de proposições legislativas que lhes afetem. Defendemos que as consultas devem sempre ser realizadas por meio das organizações representativas e mediante procedimentos adequados a cada circunstância, respeitando-se, em todo caso, os usos e costumes de cada povo.
Sem maiores digressões, está claro e evidente que a agenda ambiental e indígena do Governo Federal passa ao largo das leis, da Constituição Federal e dos Tratados e Convenções Internacionais que garantem a vida e a proteção do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Trata-se de manobras
orquestradas e dedicadas à desconstrução das políticas de proteção ambiental e de dizimação dos povos indígenas.
É nesse sentido que milita a Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados e o Deputado Federal Coronel Chrisóstomo (PSL-RO), ao promover, à revelia dos indígenas e a serviço do Presidente Jair Bolsonaro, dos ruralistas e mineradores nacionais e estrangeiros, suposta Audiência Pública cuja pauta relaciona a possibilidade de exploração mineral em Terras Indígenas.
Entendemos que negar o direito de participação dos povos indígenas, bem como decidir ou legislar à revelia dos silvícolas em temas que lhes são afetos, ignorando o dever do Estado e o direito dos indígenas à consulta livre, prévia e informada, reflete em atentado a ordem democrática e ao Estado Democrático de Direito e, por essas razões, nos opomos à realização da indigitada Audiência Pública promovida pela Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, a requerimento do Deputado Federal Coronel Chrisóstomo (PSL-RO), prevista para o próximo dia 04.10.2019, em Porto Velho-RO.
Rondônia – Brasil, 02 de outubro de 2019.
Associação de Guerreiras Indígenas de Rondônia – AGIR
Organização dos Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas – OPIROMA
Associação do Povo Indígena Uru-eu-wau-wau
Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí
Associação indígena Wãypa
Associação Indígena Zavidjaj Djiguhr – Assiza
Associação da Comunidade Indígena Kaxarari Pedreira Acikp
Associação do Povo Indígena Karitiana
Associação Karo Paj Gap do Povo Indígena Arara
Associação Indígena Rio Guaporé
Centro Cultural Indígena Paiter Wagoh Pakob
Organização da Família Indígena Kaibú Kaxarari
Associação dos Kaxarari da Comunidade Indígena Kawapu Akcik
Grupo de Pesquisa em Gestão do Território e Geografia Agrária da Amazônia – GTGA/CNPQ
Associação Patjamaaj do Povo Cinta Larga
Associação Indígena Doa Txâto
Centro Acadêmico de Pedagogia Professor Zenildo Gomes da Silva
Associação dos Povos Indígenas Karipuna – APOIKA
Associação dos Povos Indígenas Tenharim – Morongwitá
Organização dos Povos Indígenas Cassupa e Salamai – OPICS
Associação do Povo Indígena Amondawa – APIA
Associação do Povo Indígena Purubora Maxajã
Coletivo Mura
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Imagem: Garimpo ilegal em Porto Velho. Foto Carl de Souza/AFP
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Íris Morais Araújo.