Suspensão vai vigorar até que danos ambientais sejam recuperados e obra ilegal seja desfeita. Empresas também foram multadas e terão que fazer campanha em favor de comunidades tradicionais e do meio ambiente
Ministério Público Federal no Pará
A Justiça Federal publicou sentença que confirma decisão liminar de 2017 de suspender a certificação socioambiental concedida a duas madeireiras em atuação na Floresta Nacional de Saracá-Taquera, no oeste do Pará. A sentença acatou argumentação do Ministério Público Federal (MPF) de que as empresas Ebata e Golf não cumprem os critérios de sustentabilidade socioambiental exigidos pelo selo certificador do Forest Stewardship Council (FSC), ou Conselho de Manejo Florestal, em português.
Assinada no último dia 7 pelo juiz federal Érico Rodrigo Freitas Pinheiro, que atua em Santarém (PA), a sentença proíbe as empresas e o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) de utilizarem o selo certificador para os projetos das madeireiras até que seja elaborado e executado um plano de recuperação de área degradada em um canal que liga um lago ao rio Trombetas. O plano deve conter soluções que evitem novas ocorrências de danos. O uso da certificação também está condicionado ao desfazimento de uma obra que seccionou um lago da região.
As madeireiras e o Imaflora foram condenados, ainda, ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 100 para cada réu – que serão destinados ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) e à comunidade atingida – e à obrigação de divulgar campanhas publicitárias para promoção dos direitos das comunidades tradicionais e da preservação do meio ambiente.
O FSC é um selo verde reconhecido em todo o mundo que dá ao consumidor a garantia de que determinado produto é proveniente de um processo produtivo manejado de forma ecologicamente correta, socialmente justa, seguindo todas as leis, com respeito ao meio ambiente, aos trabalhadores florestais e à comunidade.
Histórico do caso – As empresas Ebata e Golf venceram licitação para explorar florestas em uma região da Calha Norte paraense com forte presença de populações tradicionais. A área é ocupada há gerações pelas comunidades ribeirinhas Acari, Boas Novas, Samaúma II e Bom Jesus, na margem direita do Trombetas. Uma vez instaladas, em 2011, passaram a criar sérios problemas de sobrevivência e conflitos com os moradores. Os fatos foram denunciados ao MPF e ao Imaflora, que chegou a suspender o selo FSC de ambas em fevereiro de 2015. Mas, mesmo sem resolução de nenhum dos conflitos, o selo foi devolvido cinco meses depois.
Todos os problemas causados pela Ebata e pela Golf estão documentados nas auditorias do próprio Imaflora desde 2013. A pedido do MPF, a pesquisadora Ítala Nepomuceno preparou um Relatório Circunstanciado que mostra os prejuízos econômicos, sociais e culturais da presença das madeireiras. A pesquisadora registrou prejuízos à segurança alimentar dos moradores, com o bloqueio de áreas de pesca pelas empresas, a violação de locais com valores míticos e até dificuldades de transporte geradas pelo constante movimento de grandes balsas de madeira no canal que liga o lago do Acari e o rio Trombetas, a chamada boca do Acari.
“Insistentemente, a comunidade tem denunciado que a boca do Acari tem sido assoreada pelo trânsito das balsas da empresa, dificultando a navegação por este canal com embarcações de maior calado ou mesmo obstruindo a passagem. Ocorre que, em virtude de sua dimensão, as balsas chocam-se às bordas do canal, causando danos à vegetação, lançando toras e galhos à água e removendo solo”, diz o relatório. Com isso, a locomoção dos ribeirinhos, em barcos muito menores, ficou prejudicada.
Outro problema que o MPF considera grave, mas ao qual o Imaflora não deu atenção, foi a construção de uma estrada pelas madeireiras, com aterramento de um igarapé que não só era ponto de pesca importante das famílias como um local de importância mítica para as comunidades. O bloqueio do furo do Ajará com a estrada impede a passagem dos ribeirinhos e provocou mortandade de peixes nas águas represadas. “A revolta da comunidade se justifica a medida que o peixe é recurso vital para a subsistência daquelas famílias. Além do impedimento físico por conta do aterro, os ribeirinhos são ainda constrangidos com placas de proibição de pesca, nas proximidades do porto da empresa, em locais onde pescaram por gerações”, diz o relatório de Ítala Nepomuceno.
O furo do Ajará figura como local habitado por entidades míticas nas várias narrativas do grupo sobre seu mundo. Ante a revolta da comunidade com o aterro do Ajará, o Imaflora registrou em uma auditoria. Mas em vez de exigir a retirada da estrada e a liberação do furo, como pediam as comunidades, o Imaflora considerou que, por ter Licença de Operação da Secretaria de Meio Ambiente, a Ebata e a Golf tinham razão em aterrar o curso d’água.
“Ao tratar as crenças de um grupo como meros desconfortos, subdimensiona os dramas que afligem aquele povo. Sem se importar com as mazelas alheias, a certificadora Imaflora demonstra não possuir a menor qualificação técnica para informar corretamente o consumidor por meio de um selo FSC”, diz a ação do MPF.
Processo nº 0000778-74.2016.4.01.3902 – 2ª Vara da Justiça Federal em Santarém (PA)
Íntegra do relatório circunstanciado de Ítala Nepomuceno
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Imagem: Estrada construída pelas madeireiras dividiu lago importante para sobrevivência das famílias (foto: Ítala Tuanny Rodrigues Nepomuceno, em relatório feito para o MPF)