Por territórios livres de mineração. Por frei Gilvander Moreira

Dias 1º e 2 de dezembro último (2019), estivemos no município do Serro, na região do Alto Jequitinhonha, MG, participando da luta para impedir a instalação da mineradora Herculano no município do Serro. Fizemos reuniões com comunidades nos distritos de São Gonçalo do Rio das Pedras e em Milho Verde, duas comunidades que são ainda verdadeiros paraísos naturais, com muitas cachoeiras, ar puro e bioma do cerrado ainda preservado, mas agora sob ameaça das mineradoras. Na cidade do Serro participamos de uma Assembleia Popular contra a mineração. A luta contra a chegada de mineração no município do Serro, em MG, só cresce. Em 2015, o povo organizado rechaçou a instalação da mineradora Anglo American que queria expandir a devastação que está causando no município de Conceição do Mato Dentro, município vizinho. O povo está descobrindo os enormes impactos socioambientais que a mineração poderá causar na região, caso se instale. O povo está vendo as imensas violências que a mineradora Anglo American está causando no município vizinho de Conceição do Mato Dentro. Uma série de mentiras das mineradoras está sendo desmascarada. Dom Vicente Ferreira, bispo da região de Brumadinho, MG, integrante da Comissão de Ecologia Integral e Mineração da CNBB[2], está repetindo: “A mineração em Minas Gerais está sendo criminosa”. É mentira, por exemplo, dizer que mineração gera emprego, pois na realidade gera muito mais desemprego do que emprego. É mentira dizer que mineração traz progresso, porque na realidade traz é miséria e violência para os territórios. O empobrecimento dos municípios onde há mineradoras é comprovado por pesquisas científicas. A exploração minerária provoca colapso no abastecimento de água, destrói a agricultura familiar, aumenta a insegurança da população, destrói as condições objetivas para o turismo e afeta o patrimônio histórico cultural da região.

Estamos na luta para conquistarmos a anulação da declaração de conformidade para o empreendimento minerário concedida pelo prefeito do município do Serro, Guilherme Simões Neves. Exigimos a realização de estudos independentes que analisem criticamente as informações apresentadas pela mineradora Herculano e a garantia de participação popular nos processos de decisão sobre a mineração no município do Serro. O povo já percebeu que minerar no Serro faz parte dos interesses mercadológicos da mineradora Anglo American que insiste em expandir para além de Conceição do Mato Dentro.

Na Assembleia Popular contra a mineração no Serro, em MG, tivemos a alegria e a responsabilidade de estar ao lado de Mateus Mendonça Leite, professor de Direito na PUC/MG, e advogado da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais. Mesmo ameaçado de morte e processado pela mineradora Herculano, o Dr. Mateus Mendonça denunciou, mais uma vez, que a implantação de um empreendimento minerário predatório, coloca em risco a segurança hídrica da população serrana, o patrimônio cultural formado pelo conjunto arquitetônico e urbanístico do centro histórico da cidade do Serro e o modo de ser e viver das comunidades quilombolas de Queimadas. A mineradora tentou judicialmente proibir o advogado Mateus Mendonça de falar contra a instalação de mineração no Serro, mas o TJMG[3] garantiu o direito do advogado Mateus Mendonça continuar alertando o povo sobre as violências que a mineração trará ao município do Serro, caso seja instalada.

Mateus Mendonça recordou Sobral Pinto, grande advogado do povo brasileiro nos anos de chumbo da ditadura de 1964. Ao ser questionado sobre o que é o advogado, Sobral Pinto respondeu: “O advogado só é advogado quando tem coragem de se opor aos poderosos de todo gênero que se dedicam à opressão pelo poder. É dever do advogado defender o oprimido. Se não o faz, está apenas se dedicando a uma profissão que lhe dá sustento e à sua família. Não é advogado“. Essa resposta de Sobral Pinto é uma luz a todos/as que se engajam na luta pela superação das violências e opressões da sociedade capitalista/colonial.

Faço questão de reproduzir aqui o que o advogado Mateus Mendonça disse na Assembleia Popular no Serro contra a mineração: “Sou advogado e continuarei a defender o respeito aos direitos étnicos e territoriais das comunidades quilombolas contra as opressões provenientes do agronegócio, da mineração e da especulação imobiliária. Jamais disponibilizarei minhas habilidades de advogado para defender a iniquidade, a injustiça e a opressão. Tenho verdadeira ojeriza daqueles operadores do direito (que não merecem ser chamados de advogados) que defendem qualquer causa se lhe forem garantidos bons honorários advocatícios. A luta das comunidades quilombolas do Serro, que tenho a honra de dar minha contribuição, é a continuidade da resistência histórica à opressão, é a continuação da revolta dos escravos acontecida na região do Serro em 1864, há mais de 150 anos. Continuamos na luta para honrar os ancestrais quilombolas.” 

Parodiando Sobral Pinto, digo que é dever de todo padre e de todo pastor defender os oprimidos e explorados. Líder religioso que não defende os injustiçados se torna falso pastor, falso sacerdote, falso profeta. Defender os explorados se faz não apenas sendo solidário, mas engajando em lutas por justiça, pois se fica só na solidariedade não se mexe nas causas geradoras das injustiças. Na Bíblia, os profetas Jeremias e Ezequiel esbravejam contra os falsos pastores: “Ai dos pastores que expulsam minhas ovelhas … e não cuidam delas” (Jeremias 23,1-4). “Ai dos pastores que cuidam apenas de si mesmos. […] Vocês dominam com violência e opressão. […]” (Ezequiel 34,1-10). Os padres, bispos, pastores e leigos com poder religioso que amputam a dimensão social do Evangelho de Jesus Cristo, que desencarnam a mensagem bíblica desvinculando a relação intrínseca existente entre fé e problemas sociais se tornam muitas vezes cúmplices das opressões que se abatem sobre o povo, pois, em vez de animar o povo para se organizar e lutar pelos direitos sociais, ficam atraindo o povo para “tocas religiosas” – oásis em contextos de cruéis opressões políticas e econômicas – e, assim, reproduzem a ideologia dominante na sociedade que tenta justificar a imensa desigualdade social reinante no nosso país.

O grito geral do povo do Serro é “Mineração aqui,      NÃO!” Esse grito está sendo ecoado em todos os territórios que estão sendo violentados pelas mineradoras em conluio com o Estado. Propositivamente, o povo exige: “Queremos nosso território livre de mineração!”.

Com o papa Francisco, com o Sínodo para a Amazônia, com os ensinamentos e testemunho de Jesus Cristo e de todos os/as mártires devemos seguir lutando pela construção de uma sociedade do Bem Viver e Conviver, o que passa pela superação do capetalismo, essa máquina de moer vidas humanas e vidas de todos os seres vivos. Quando eu era criança, sobrevivendo escravizado em latifúndios, trabalhando à meia, cortei muitas árvores com machado ou foice. Arrependo-me disso. Hoje não tenho mais coragem de cortar nenhuma árvore, porque descobri que as árvores são usinas produtoras de oxigênio e fábricas de assimilação de gás carbônico. Portanto, quanto mais árvores houver mais oxigênio teremos no ar e menos gás carbônico teremos no ar. E, ao contrário, quanto menos árvores, menos oxigênio e mais gás carbônico no ar. As árvores também são sagradas. Assim como a água, o irmão oxigênio é fonte de vida. O Deus da vida pede de nós a preservação das condições objetivas de vida. Por isso lutamos por territórios livres de mineração.

Notas:

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.

[2] Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

[3] Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Foto: Manifestação na Câmara de Vereadores de Ibirité, MG, dia 09/12/2019, contra a reinstalação da mineradora Santa Paulina no município, ao lado do manancial de abastecimento público Taboões. Foto: A. Baeta.

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