Resposta a Bolsonaro. Por Vinícius Fernandes da Silva

No GGN

O presidente Jair Bolsonaro, em conversa com jornalistas no dia de hoje, abordou assuntos a respeito dos livros didáticos e mencionou o Colégio Pedro II, instituto federal de ensino básico sediado no Rio de Janeiro.

Em sua fala o presidente disse que o CPII “acabou”.

Como professor efetivo e com dedicação exclusiva de uma das unidades (temos 11) da centenária instituição, me perguntei sobre as muitas interpretações que o verbo “acabar” pode suscitar. Cheguei a algumas conclusões e tomarei como referência somente o resultado do Campus Centro no ENEM 2018, porém somando as médias de todos os outros campus, o efeito seria praticamente idêntico.

O Colégio Pedro II ACABOU com uma média superior em redação em comparação a todas as escolas públicas e privadas do país (CPII: 766,7; públicas: 488,9; privadas: 560,4).

O Colégio Pedro II ACABOU com uma média superior em ciências da natureza em comparação a todas as escolas públicas e privadas do país (CPII:631,6; públicas: 488,9; privadas: 560,4).

O Colégio Pedro II ACABOU com uma média superior em ciências humanas em comparação a todas as escolas públicas e privadas do país (CPII:672,7; públicas: 564,4; privadas: 626,2).

O Colégio Pedro II ACABOU com uma média superior em matemática em comparação a todas as escolas públicas e privadas do país (CPII:721,6; públicas: 532,6; privadas: 625,9).

O Colégio Pedro II ACABOU com uma média superior em linguagens em comparação a todas as escolas públicas e privadas do país (CPII:634,4; públicas: 524,4; privadas: 581,9).

O Colégio Pedro II ACABOU como campeão (centenas de medalhas de ouro, prata e bronze) em Olimpíadas nacionais e internacionais de Matemática, Química, Neurociência, entre outras disciplinas, no ano de 2019.

O que parece não ter acabado é a falta de liturgia da presidência da República em relação a seus cidadãos, profissionais de imprensa e ao mundo. O que parece não ter acabado é a falta de respeito da presidência da República a professores, estudantes, pesquisadores, instituições de ensino, intelectuais vivos e falecidos respeitados nacionalmente e internacionalmente.

Porém afirmo que algo também não acabou.

Não acabou nosso desejo, de professores e estudantes, em incluir a diversidade étnica, de gênero, de classe em uma instituição de ensino de qualidade, que ensine, além dos conteúdos, uma existência ética, solidária e que se preocupe com o pensamento crítico e os básicos valores humanos.

Não acabou nosso desejo que todas as escolas públicas tenham um desempenho e estrutura que o Colégio Pedro II possui, mesmo com os graves problemas que também enfrentamos. Não queremos escolas “iguais” ao CPII, mas queremos condições dignas a todos os estudantes e professores do país.

Não acabou nosso desejo de lutar por um país mais igualitário e democrático.

Não!

E não acabará, jamais!

Vinícius Fernandes da Silva – Professor do Colégio Pedro II. Doutor em planejamento urbano, mestre em sociologia e antropologia, cientista social.

Fontes:

https://oglobo.globo.com/sociedade/bolsonaro-defende-mudanca-em-livros-didaticos-muita-coisa-escrita-tem-que-suavizar-24170001?utm_source=Twitter&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo

https://www.cp2.g12.br/ultimas_publicacoes/225-noticias/9743-cpii-consegue-excelentes-resultados-no-enem-2018.html

Imagem: Christopher Ulrich, O Tolo

Comments (2)

  1. Olá, Márcia Zizzi e Todxs. Retomando o seu primeiro parágrafo, Márcia, penso ser possível afirmar que o antipetismo foi (e continua a ser) uma estratégia dirigida à fragilização política do PT e de toda a esquerda. Apenas nesse sentido se poderia dizer que a eleição de Bolsonaro decorre dele, que é sem dúvida um dos aspectos mais visíveis e efetivos do que muitos de nós vimos chamando golpe neoliberal.
    De fato, o antipetismo é um dos elementos mais eficientes de uma narrativa, entretanto mais ampla, cujos objetivos são, em resumo, o aniquilamento do valor da justiça social e, ao mesmo tempo, o melhor estabelecimento dos valores neoliberais, aí figurando aqueles que – dir-se-ia que quase de maneira mágica, de todo modo fascinante – se vêem estampados na figura ideal do empresário, qual bom provedor (eficiente e eficaz) de medidas para a gestão da coisa pública. Por implicação, trata-se (de maneira apenas metodologicamente secundária) de um ataque ao Estado em suas funções sociais, bem como a qualquer coisa que cheire a coletivismo ou solidariedade social.
    Se, por um lado, a produção da subjetividade neoliberal – ajudada pelos estragos da adesão-submissão de sucessivos governos à agenda neoliberal – já alcançou também entre entre nós, dizimar muito da débil potência de participação política que restara do trauma social vivido nos anos de chumbo, por outro lado, a emersão da figura do empresário, como substituta da figura do político de carreira, não logrou ainda se estabelecer como tipo ideal no qual os quase ou já desesperados se sintam propensos a depositar suas (últimas?) esperanças.
    Não nos afastamos do cerne da questão – o advento de um bolsonaro – se reparamos que o presente se encontra saturado não apenas de descrença na classe política, mas também – de novo – daquele tipo de esperança irracional que nasce do desespero instaurado. Me refiro ao recurso às empresas mercadoras da esperança, sequiosas e absorventes de clientes em desespero, as igrejas da teologia da prosperidade com todo o seu cultivo do individualismo, da irracionalidade e de uma moral fundamentalista propícia ao ethos fascista. Disso se alimenta o populismo de direita.
    Quando nos deparamos com a realidade de um projeto de poder que é de alcance mundial e que, sim, ainda não compreendemos bem, creio podermos tomar como trilha possível, justamente esse caminho em que confluem os fascismo de mercado (neoliberal) e moral (evangelicalista, conservador).
    Nisso estamos. E precisamos seduzir a uma outra esperança. Uma que se nutra de afetos alegres e mire o valor da solidariedade, da partilha, do fazermos juntos. abç

  2. Creio que a eleição de Bolsonaro não foi em decorrência de um anti-petismo exacerbado, mas se forjou no âmbito de um projeto de poder ainda não de todo compreendido, do qual fazem parte a Operação Lava Jato, o impeachment de Dilma, interesses de igrejas evangélicas neopentecostais e estratégias geopolíticas alienígenas.
    No que diz respeito ao próprio Bolsonaro, uma pessoa de parcos recursos intelectuais e cognitivos, uma caricatura de ditador, serve bem criar e alimentar, através das redes sociais e da mídia, um estado constante de confusão, ameaças e desacatos, desmobilizando as pessoas em relação ao que de fato importa: as reformas e as políticas públicas implementadas pelo governo. No mais, não passa de uma figura obscura que poderá ser descartada quando se julgar conveniente.

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