Castelo Mourisco: o palácio das ciências de Oswaldo Cruz

Por Sylvia Leite, Lugares de memória

Muita gente visita a Península Ibérica e se encanta com a arquitetura de influência árabe sem saber que, aqui no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, existe um prédio com características semelhantes: o Castelo Mourisco da Fiocruz. O edifício de inspiração mudéjar foi idealizado pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz para tornar-se o palácio das ciências e da saúde pública no Brasil.

O projeto e a construção ficaram a cargo do arquiteto e engenheiro português Luiz de Moraes Júnior, mas tudo partiu de um croqui do próprio Oswaldo Cruz, que havia conhecido algumas construções mouriscas europeias no período em que estudou no Instituto Pasteur, em Paris. Além da admiração pelo estilo arquitetônico, ele teria sido movido por pelo menos mais duas razões: compreender e divulgar a influência hispano-muçulmana no Brasil e ressaltar a importância da medicina árabe.

Foto: Paula Cavalcanti

Castelo Mourisco: um projeto  conciliação 

O urbanista e pesquisador da Fiocruz, Renato Gama-Rosa*, apronta três principais influências na concepção do edifício, cujo estilo ele define como eclético. A primeira seria o Palácio Montsouris, de Paris, que, além de sua linguagem neo-mourisca, também havia sido construído com fins científicos, para abrigar um instituto meteorológico.

A segunda influência seria Alhambra**, a cidade medieval construída pelos árabes em Granada, na Andaluzia, Sul da Espanha. Nesse caso, a influência teria se dado pelo uso da decoração geométrica – uma reconhecida característica dos prédios islâmicos – provavelmente por meio do livro “O Alhambra”, comprado pelo próprio Oswaldo Cruz, que permanece no acervo da instituição.

Embora possa parecer curioso à primeira vista, a terceira influência não foi recebida de uma construção islâmica e sim de um prédio judaico – a sinagoga de Berlim. Dela veio a inspiração para as duas torres do castelo, consideradas praticamente idênticas às do modelo alemão.

Essas são apenas as principais influências. Quem conhece o Alcázar de Sevilha e a Mesquita de Córdoba***, consegue identificar no castelo brasileiro detalhes semelhantes ou até idênticos a essas construções espanholas.

A decoração geométrica

Os elementos mouriscos estão por toda parte e sua expressão mais visível talvez seja a decoração geométrica usada das formas mais diversas e por meio de variados materiais como os mosaicos dos pisos, os azulejos das paredes e as grades de ferro que ornamentam portas, janelas, bandeiras e guarda corpos. Os padrões geométricos decoram até o elevador, que continua em funcionamento e é um dos mais antigos do Brasil. 

Poucos sabem, mas esses desenhos aparentemente despretensiosos estão carregados de simbolismo****. Segundo os especialistas em do Sufismo – a corrente mística do Islã que teve forte influência na construção dos prédios islâmicos originais – os padrões geométricos expressam realidades cósmicas como o processo de criação do mundo (cosmogonia) e a maneira colo ele se organiza (cosmologia).

A Casa de Chá

Os padrões geométricos decoram também na chamada Casa de Chá, localizada ao lado do castelo, que Oswaldo Cruz e sua equipe utilizavam para fazer as refeições. É interessante lembrar que, naquela época, a Fazenda Manguinhos ficava distante da cidade e o acesso  era feito por trem ou barco, portanto os profissionais tinham que almoçar por ali mesmo. Isso quando não pernoitavam.

A Casa de Chá é uma estrutura de madeira, toda em treliças pintadas de branco – como costuma ser usado em construções árabes e essas treliças formam desenhos vazados que assumem aparências diversas a depender do foco de visão.  

Mas a geometria não é a única referência moura desse espaço. A própria expressão Casa de Chá é emprestada dos árabes, que costumavam reunir-se em locais semelhantes aos atuais cafés ocidentais para discutir todo tipo de tema ou fazer negócios. A a influência se completa com as treliças pintadas de branco, reconhecidamente árabes.

Para aumentar ainda mais o encanto, a Casa de chá foi construída em um local que tinha muitas árvores e todas foram mantidas, varando o teto. Infelizmente, agora elas não estão mais lá, mas as aberturas por onde elas se projetavam continuam marcando o teto.

Foto: Paula Cavalcanti

O  castelo mourisco e sua história centenária

O castelo da Fiocruz foi inaugurado em 1918 e, ao lado do sonho simbólico de Oswaldo Cruz, o edifício tinha uma função concreta: abrigar o Instituto Soroterápico Federal, que era responsável pela produção de medicamentos e vacinas, pela pesquisa científica e por outras atividades da área de Saúde Pública. A construção levou cerca de 13 anos e seu idealizador morreu antes que o prédio fosse concluído.

Embora seja o mais simbólico, o Castelo Mourisco não foi o único edifício construído pelo Instituto Soroterápico Federal, hoje transformado em Fundação Oswaldo Cruz. Além da Casa de Chá, existem, ainda, outros cinco pavilhões que, juntos, compõem o  Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos*****. Todos foram projetados e executados mais ou menos no mesmo período – à exceção do Hospital Evandro
Chagas, que veio tardiamente. Dois deles estão tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Ipham): o Pavilhão do Relógio – criado para abrigar atividades relacionadas à peste bubônica –  e a Cavalariça – criada para abrigar cavalos saudáveis e inoculados com a peste.

Além de atenderem necessidades do antigo Instituto Soroterápico Federal, os sete prédios têm outros aspectos comuns: foram projetados pelo mesmo arquiteto e concebidos com o que havia de mais moderno, seja na área de arquitetura e engenharia, seja na montagem dos laboratórios.

A biblioteca de obras raras

A formação da equipe também tem sido uma preocupação constante desde os primeiros tempos do instituto. Seu criador e primeiro diretor, o Barão de  Pedro Afonso, foi quem deu início à biblioteca que hoje inclui um salão vo de obras raras. 
Conta-se que enquanto o prédio do castelo era construído, Oswaldo Cruz instituiu uma reunião semanal que ficou conhecida como “mesa das quartas-feiras”. Nesse encontro, ele distribuía artigos científicos que deveriam ser debatidos na semana seguinte. 
As obras adquiridas por esses dois primeiros diretores foram reunidas na Biblioteca de Manguinhos inaugurada em 1909, no terceiro andar do prédio, cerca de nove anos antes de sua conclusão. Hoje, o acervo da biblioteca conta com cerca de 50 mil itens entre livros, manuscritos, teses e periódicos. 

Entre as obras raras estão títulos como “Osservazioni”, de Francescio Redi, de 1703, descrito como um livro sobre animais que vivem em animais;  “Formulário Médico”, um manuscrito atribuído aos Jesuitas; e “A vehiculação microbiana pelas águas”, de 1893, que éa tese de doutorado do próprio Oswaldo Cruz. Há, ainda, periódicos como “Brazil Medico”, uma revista semanal de medicina e cirurgia que foi publicada durante 84 anos, de 1887 a 1971.

A biblioteca não se limita à área de medicina. Também fazem parte de seu acervo de obras raras o livro “O Alhambra”, de 1906, que teria influenciado Oswaldo Cruz na concepção do castelo; e “História naturalis brasilae”, de 1648, a primeira obra a catalogar a região da Mata Atlântica de Pernambuco.  Seus autores, William Piso e Georg Marggraf, faziam parte da comitiva trazida ao Brasil por Maurício de Nassau. 

O Museu da Vida

A arquitetura do castelo e sua biblioteca já seriam mais do que suficientes para justificar uma visita a Manguinhos, mas isso não é tudo. No castelo funciona, ainda, o Museu da Vida, que reúne mais de 2 mil itens entre material relacionado à produção de medicamentos e vacinas,  material de laboratório e de precisão, equipamentos médicos, além de objetos pessoais de pesquisadores da instituição, como o próprio Oswaldo Cruz. E, de quebra, é possível encontrar uma exposição temporária como a “Castelo de inspirações”, que conta a história do prédio e apresenta um estudo dos padrões geométricos acompanhado de painéis interativos.

Texto de Sylvia Leite, publicado originalmente no blog ‘lugares de memória’, de sua autoria: www.lugaresdememoria.com.br 

Comments (4)

  1. É possível a visitação pública ? Se a resposta for positiva, quais os dias, horários e condições ?

  2. Maravilhoso prédio, chamou-me à atenção por sua arquitetura mourisca. Estive em Alhambra e realmente há muitos detalhes que reconheci nesse prédio com o que vi lá e em outras localidades espanholas. O Castelo é muito bonito, joia preciosa nacional.

  3. Olá!
    Este castelo é um prédio público federal?
    Quem arcou com os custos desta obra, sua mobília e decoração foi o governo?
    Houve alguma doação?
    Obrigada!

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