Governo de extrema-direita estatizou clínicas de fertilização in vitro para garantir acesso a casais, desde que não sejam imigrantes. Leia também: número de mortos pelo coronavírus passa de mil
Por Maíra Mathias e Raquel Torres, no Outra Saúde
“Procriação, não imigração”. Pois é. Uma frase dessas só poderia vir de um governo de extrema-direita. No caso, foi forjada como propaganda na Hungria de Viktor Orban que pôs em andamento um plano muito, muito questionável: comprou as seis maiores clínicas de fertilização e reprodução in vitro do país com o objetivo de facilitar a técnica a 150 mil casais – desde que as pessoas que busquem esses serviços não sejam imigrantes.
No pano de fundo dessa proibição está a própria razão de ser da iniciativa: o medo de que a população branca e cristã da Europa seja, nas próximas décadas, suplantada por pessoas vindas de outras partes do mundo, não-brancas; não-cristãs. “Existem forças políticas na Europa que querem substituir a população por motivos ideológicos” discursou Orban no ano passado, se esquecendo que ele e seu grupo querem travar mudanças demográficas por motivos… ideológicos.
Hoje, a taxa de natalidade na Hungria é de 1,48 criança por mulher, metade do que era em 1950 (o que segue uma tendência mundial). O governo quer mais, muito mais: que cada mulher húngara tenha três filhos. Para isso, além da estatização da fertilização in vitro no país, criou subsídios vários, como descontos na compra de carros e casas. E se a mulher decidir tem mais de quatro filhos fica isenta de todos os impostos cobrados no país. Pelo resto da vida.
Segundo o excelente repórter Jamil Chade, toda essa movimentação tem raiz no pensamento de um homem: Renaud Camus, uma espécie de Olavo de Carvalho com diploma em Filosofia. Ele publicou em 2011 um livro chamado Grand Remplacement em que caracteriza de “ocupantes” todos aqueles que moram naquele continente não têm descendência europeia. Há, claro, um aspecto paranoico: a elite europeia estaria facilitando essa “substituição” de populações e é chamada na obra de “colaboracionista”. Ele prega uma “contrarrevolta” diante do aumento da população não-branca. No caso da Hungria, a compra das clínicas está sendo considerado pelo governo uma questão de “importância estratégia nacional”. E, claro, aprofundou o debate sobre o autoritarismo de Viktor Orban.
“Ter crianças é um assunto público, não privado”, taxou o presidente do Parlamento, Lászlo Kövér, aliado de Orban. Já a secretária da Família (sim, eles também têm essa Pasta por lá) caracteriza o aborto, que é regulado por lei desde 1992, como “pró-morte”. O governo já tentou criminalizar a interrupção da gravidez mudando a Constituição, mas felizmente não conseguiu – embora tenha gerado um baita efeito institucional, tendo feito, em 2014, metade dos procedimentos (32 mil) em comparação com as médias dos anos 2000. Orban, agora, estuda conferir bônus financeiros aos hospitais que se recusarem a realizar abortos.
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