Pedido de consulta foi formulado pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF, que aponta ilegalidades na norma editada pela autarquia indígena
A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) apresentou à Corregedoria Nacional de Justiça nesta terça-feira (5) consulta sobre a aplicação da Instrução Normativa 9/2020 da Fundação Nacional do Índio (Funai), que disciplina o requerimento, análise e emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites em relação a imóveis privados. Segundo o órgão do MPF, a norma editada recentemente pela Funai restringe as hipóteses de averbação da existência de processos demarcatórios de terras indígenas em matrículas de domínio privado, em franca incompatibilidade com a orientação prevista no Provimento nº. 70/2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dirigida aos cartórios em todo País.
No pedido de consulta, o MPF explica que IN 9/2020 revogou normativo anterior, modificando, em especial, os critérios para a emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites pela Funai. Antes, a DRL fornecia aos proprietários de imóveis rurais a certificação de que os limites de suas terras não coincidiam com imóveis da União destinados a posse permanente de indígenas, regularizados ou em processos de demarcação. De acordo com a nova instrução, a DRL deve ser concedida aos proprietários ou possuidores privados cujos imóveis rurais respeitem apenas os limites de terras indígenas homologadas, reservas indígenas e terras dominiais indígenas plenamente regularizadas.
Na prática, a certificação da Funai vai ignorar terras indígenas delimitadas, declaradas, demarcadas fisicamente, com portaria de restrição de uso, terras da União cedidas para usufruto indígena, bem como as áreas de referência de índios isolados. Ainda segundo a norma, a autarquia fica impedida de produzir documentos que restrinjam a posse de imóveis privados em face de estudos de identificação e delimitação de terras indígenas ou constituição de reservas indígenas.
Ilegalidades – Para a 6CCR, a IN 9/2020 exime a Funai do seu dever constitucional, legal e regulamentar de promover o reconhecimento e defender a posse tradicional indígena, assim como de zelar pela propriedade imobiliária da União. Além disso, afronta o Provimento 70/2018 CNJ, que disciplina a atividade cartorária de registro de terras indígenas com demarcação já homologada, bem como a averbação da existência de processos demarcatórios de terras indígenas em áreas de domínio privado.
O órgão pontua que a regulamentação do CNJ “teve por escopo, a um só tempo, promover a regularização fundiária e conferir segurança jurídica ao exercício da propriedade e às transações imobiliárias”. Destaca ainda que o provimento conferiu à Funai o dever de diligenciar junto ao respectivo cartório imobiliário em defesa dos interesses possessórios indígenas.
Na avaliação da 6CCR, a Funai extrapolou sua competência normativa interna ao disciplinar matéria notarial submetida à regulamentação e controle do Conselho Nacional de Justiça. Além disso, instituiu “uma modalidade extravagante de certificação cartorária que limita o pleno exercício da posse tradicional indígena, restringe o patrimônio imobiliário da União em benefício do particular possuidor e promove a insegurança jurídica em relação a todos os atores da sociedade”.
A consulta foi endereçada ao corregedor nacional de Justiça, Humberto Eustaquio Soares Martins, mas caso ele entenda que a matéria é de competência do plenário do Conselho Nacional de Justiça, deve encaminhar o pedido à livre distribuição.