por Marcelo Oliveira, em UOL
Um grupo composto por cinco ex-procuradores e um ex-juiz aposentado, tendo à frente o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles, denunciou ao MPF o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por conduta ilícita no combate à pandemia de covid-19. Eles citam que o presidente tomou várias medidas contrárias à saúde na condução do país, entre elas a demissão de dois ministros da Saúde durante a crise.
O objetivo dos autores é que o MPF no Distrito Federal abra um inquérito civil público para apurar a conduta de Jair Bolsonaro, mas o caso está na assessoria criminal do gabinete do procurador-geral da República Augusto Aras “para análise” e não foi distribuída ao MPF no DF, apesar de protocolada em 7 de julho. O caso tramita em sigilo.
Na representação de 11 páginas, Fonteles e os ex-subprocuradores-gerais da República Eugênio Aragão (que foi ministro da Justiça no fim do mandato da presidente Dilma Rousseff), Wagner Gonçalves, Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Paulo de Tarso Braz Lucas e ex-desembargador do TRF-4, Manoel Lauro Volkmer de Castilho, acusam Bolsonaro de uma série de condutas ilícitas na condução do país durante a pandemia de covid-19 e pedem que o MPF apure a responsabilidade do presidente diante dos quase 2 milhões de casos da doença e 75 mil mortes no país causadas pelo novo coronavírus.
Para Fonteles e os demais autores da representação, o presidente cometeu “ilícitos de natureza civil e administrativa” e deve ser responsabilizado por isso.
Desorganização do ministério da Saúde
O ex-PGR e os demais autores resumem a acusação em três eixos. Segundo o grupo, o presidente teria:
- Desorganizado a atuação do ministério da Saúde e da Justiça ao exonerar titulares dos ministérios e cargos de direção para “fazer prevalecer ante os interesses da administração seus interesses pessoais e de sua orientação subjetiva e voluntarista contrária às orientações técnicas, científicas e políticas da comunidade nacional e mundial de saúde pública”, agindo “com desvio de motivação e desvio de finalidade e possível improbidade”;
- Provocado irresponsavelmente o descumprimento de orientação médica nacional e internacional;
- Promovido a desobediência a determinações administrativas para o controle da epidemia: ao não usar máscara de proteção quando necessário, por exemplo, e ao provocar aglomerações, ao participar de manifestações e passear por Brasília;
Para os autores, a atuação de Bolsonaro no comando do país é “extensa e profundamente nociva, desprezível e repulsiva” e cabe ao MPF apurar e examinar as condutas de Bolsonaro diante da pandemia para responsabilizá-lo por suas “ações e omissões, bem como as nefastas consequências e responsabilidades decorrentes”.
Na denúncia, os autores apontam que as atitudes de Bolsonaro têm causado “repulsa no Brasil e no exterior” e que provocaram uma série de pedidos de impeachment do presidente, notícias-crime, denúncias, inclusive perante o Tribunal Penal Internacional.
Comportamento nocivo
A representação traz uma série de notícias que retratam o que seria para os autores esse comportamento “nocivo” do presidente e são relembrados pelos autores vários fatos que indicariam a irresponsabilidade de Bolsonaro frente à pandemia, tais como:
- a demissão dos ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich com o objetivo de impor o uso da cloroquina;
- menosprezo à comunidade científica e também às vítimas e seus familiares (sintetizado no episódio do “e daí?”);
- empenho pessoal na manipulação de dados da pandemia (ordem que teria dado para divulgar dados de casos e mortes após as 22h);
- ausência de diálogo e desrespeito a governadores e prefeitos;
- ter dito que a doença era uma gripezinha;
Para os autores, Bolsonaro influencia seus seguidores, piorando o combate à pandemia de covid-19 com o seu comportamento. A situação da pandemia de covid-19 só não é pior, afirmam, devido ao trabalho de governadores, prefeitos e cidadãos que “adotaram as recomendações da Organização Mundial de Saúde tais como o estabelecimento de normas de âmbito local, lockdown, redução de circulação de pessoas”, por exemplo.
Questionado sobre a representação contra o presidente, a comunicação do Palácio do Planalto informou que não comentaria o caso.
Caso no gabinete do PGR
O UOL apurou que a representação de Fonteles contra Bolsonaro, que tramita sigilosamente, está na assessoria criminal do gabinete do PGR. A denúncia foi protocolada em 7 de julho pelo sistema de atendimento ao cidadão.
O documento não teria passado pelo MPF-DF. A distribuição ao MPF no Distrito Federal foi solicitada pelos autores da representação e seria a praxe na instituição, uma vez que os fatos narrados são cíveis. Além disso, o presidente não tem foro especial em matéria cível e pode ser ouvido nesse tipo de matéria, desde que com hora marcada.
PGR nega ter assumido o caso
Em nota, a assessoria de comunicação da PGR afirma que Aras não avocou (tomou pra si) a representação enviada por Fonteles e demais autores. “Não houve avocação da representação PGR 00254373/2020 nem qualquer despacho do procurador-geral da República nesse caso”.
Segundo a PGR, “a representação foi protocolizada no gabinete do PGR em 7 de julho e, no dia seguinte, encaminhada pela chefia de gabinete à Assessoria Jurídica Criminal, a fim de que se verifique se os fatos descritos caracterizam crime. O vice-procurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros, fará a análise e, caso não vislumbre indícios de crime, poderá remeter a representação à área cível da Procuradoria da República no Distrito Federal. A representação poderia ter sido protocolizada diretamente na PRDF”, afirma a nota.
Segundo os autores da representação, a denúncia foi feita pelo sistema MPF Serviços, online.
Questionamentos de procuradores a autoridades é alvo de debate
Em março de 2016, Aras criou o GIAC (Gabinete Integrado de Acompanhamento à Epidemia do Coronavírus-19), cujo objetivo seria “acompanhar” as medidas de enfrentamento do novo coronavírus, tanto no aspecto administrativo, como “finalístico”, ou seja, na atuação dos procuradores.
Um mês depois, membros do MPF acusaram Aras de interferir na atuação de procuradores da República, que têm independência funcional, justamente por conta da atuação do GIAC. Citando o grupo, Aras teria comunicado a ministros de estado que não respondessem recomendações de procuradores da República sobre a pandemia.
A lei orgânica do Ministério Público prevê que quando um procurador precisa ouvir o presidente, o vice-presidente, um ministro de Estado ou um chefe de poder, os documentos passam pela PGR, para mero encaminhamento à autoridade demandada, mas sem análise do mérito.
Em abril, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) divulgou nota contra Aras em virtude dessa interferência. A entidade ingressou este mês com ação no STF questionando atos do PGR contrários à autonomia dos procuradores.
O GIAC, recentemente, impediu que uma recomendação de procuradores da República sobre a cloroquina, enviada ao Ministério da Saúde, chegasse ao destino.
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Bolsonaro cumprimenta idosa depois de esfregar nariz no braçoImagem: Reprodução