Críticas diluem ilusões militares sobre corresponsabilidade no governo Bolsonaro. Por Janio de Freitas

Generais buscaram relevância logo nas duas áreas mais expostas à corrosão de imagem

Na Folha

Foi-se a cerimônia. Ou, mais autêntico, o temor. O temporal de críticas ao
Exército dilui as ilusões militares sobre a sua corresponsabilidade, aos olhos públicos, na sanha destrutiva do governo Bolsonaro.

Aos generais construtores desse comprometimento não bastaram os erros
de análise conjuntural e de presunção da sua capacidade. Buscaram
relevância logo nas duas áreas mais expostas, no momento, à ofensiva das
cobranças e da corrosão de imagem —a Saúde e a Amazônia.

Os militares do Exército não têm aptidão para lidar com essas
circunstâncias adversas. Fazem dos fatos e das divergências a leitura facciosa e fantasiosa aprendida como arma na Guerra Fria.

O que está em questão, por exemplo, na reprovação exposta pelo ministro
Gilmar Mendes, mas generalizada, à ocupação militar do Ministério da
Saúde, não é susceptibilidade de tal ou qual instituição, como querem os
comandantes e seu general-ministro. É, isto sim, nada menos do que vida.
Vida humana, nas suas alternativas saúde, doença e morte.

Não foi por força de contingências que se viu o Ministério da Saúde entregue ao Exército. E daí a um general intendente, que logo
substituiu 28 técnicos em áreas de saúde por militares. No crescer da
pandemia aterrorizante, o Ministério da Saúde tornou-se um quartel inútil.
Por que a militarização, senão por exibicionismo irresponsável e presunção
corporativista?

A coordenação das ações estaduais, os testes considerados fundamentais (a
mentira de Paulo Guedes: vamos comprar 40 milhões por mês), o apoio a pesquisas, o socorro preventivo às populações indígenas e concentrações da pobreza —nada, enfim, reconhecido em todo o mundo como indispensável e urgente, foi executado pelo ministério militarizado. São fatos.

A resposta à temeridade está em dezenas de milhares de mortes, não se
saberá quantas, por ela acrescidas àquelas invencíveis. E também está na
reação que não viu inverdade no que disse Gilmar Mendes: “É preciso dizer
isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio”.
É fato.

Da mesma maneira, o que está em questão sobre a Amazônia é o que ali se
passa, e não ambições externas e interesses de produtores americanos ou
europeus. O que ali se passa são as consequências trágicas da opinião de
Bolsonaro executada por Ricardo Salles, o condenado por improbidade a
quem foi entregue a desventura do Meio Ambiente. O plano de liberação
incentivadora do desmatamento não precisa de mais do que um indicador
para desmoralizar as mentiras de Salles e de Bolsonaro, e as tergiversações
do general e vice Hamilton Mourão.

O desmatamento no mês passado foi o 14º de aumentos mensais seguidos,
ou desde o quarto mês do governo. Comparado com o último junho anterior
a Bolsonaro, o de 2018, o desmatamento do mês passado é 112% maior. Mais do que o dobro. A essa política contrária ao patrimônio natural
do país, Bolsonaro, falando a estrangeiros, chamou de “opiniões distorcidas” pela imprensa internacional. A clareza dos números advém, no entanto, da clareza de suas causas.

As sanções a desmatamentos flagrados diminuíram 60%. O sistema de
fiscalização do Ibama foi destroçado por Salles, com demissões em massa e
punição à persistência de fiscais em combater desmatadores.

O que resta do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente é assunto de uma
denúncia formal ao Tribunal de Contas da União pela associação dos
servidores: a eles é forçada a sua inoperância, com suspensão dos
planejamentos, dos contatos sistemáticos com os municípios e da agenda de
ações sociais nas comunidades da floresta.

Prova de que a devastação é política de governo, não só o Ministério do Meio Ambiente a executa. Na semana passada, A coordenadora-geral dos sistemas que monitoram o desmatamento, ambos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, foi afastada do cargo pelo ministro de Ciência e Tecnologia, coronel Marcos Pontes.

Assim como Bolsonaro, em 2019, exonerou Ricardo Galvão da direção do Inpe, em seguida a dados sobre o crescente desmatamento, agora Lubia Vinhas foi transferida em seguida à divulgação do desmatamento em junho, o maior em cinco anos.

Pormenor ilustrativo: o afastamento da coordenadora-geral incluiu uma
fraude. Publicado no Diário Oficial de 13 de julho, trazia a data de dia 6,
como se a medida fosse quatro dias anterior à divulgação do desmatamento
recordista por Lubia Vinhas.

Nem por isso “o governo será avaliado por sua ação na Amazônia”, como crê o vice Mourão. Sua ação contra o país não cabe nem na vastidão amazônica. As corresponsabilidades, idem.

Ilustração: Duke

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