Cerimônia marca transferência de objetos sagrados na maior Reserva Indígena de MS

Ritual foi realizado somente com a presença de familiares na Casa de Reza, também chamada de Ongusu na língua guarani

Por Marcos Morandi, no Midiamax

Já era um novo amanhecer na maior Reserva Indígena de Mato Grosso do Sul, mas o dia ainda estava escuro. Aos poucos o silêncio reinante começou a ser cortado por um cântico em guarani que ecoava o refrão Kuará Rendy (o brilho do sol) pelos ares. Embaladas pelo som produzido pelos maracás e taquaras, chegam aos ouvidos, súplicas melodiosas que anunciavam que em pouco tempo o Sol Resplandecente estenderia sua luz sobre toda aldeia.

Os ponteiros dos relógios que marcam o tempo dos brancos, com chamam os não-índios, indicavam que já eram mais de 5 horas da manhã deste sábado, 15 de agosto. Com passos firmes e vozes sintonizadas, familiares liderados pelo casal de rezadores Getúlio Juca e Alda Silva, pisam a terra vermelha da Aldeia Jaguapiru, repetindo uma cerimônia sagrada secular.

A caminhada histórica até a Gwyra Nhe’engatu Amba,  “Lugar onde o pássaro da Boa Palavra tem Assento”, era curta, mas parecia uma longa e vitoriosa jornada diante do significado do Xiru Rerovái, ritual de transferência dos objetos sagrados para a Casa de Reza dos Guarani e Kaiowá.

O local renasceu literalmente das cinzas após o incêndio criminoso ocorrido em julho do ano passado, por meio de doações e trabalho voluntário. O ataque cometido contra a cultura indígena continua sem solução. A única informação é o que o responsável se embrenhou pala lavoura de milho e nunca mais ninguém teve notícia.

A reconstrução durou seis meses. As obras foram iniciadas em novembro de 2019 e está pronta desde o mês de abril. Entretanto, apesar da cerimônia ritualística feita pelos familiares do rezador da aldeia, a Ongusu, como também é chamada na língua guarani,  ainda não pode ser inaugurada e aberta a visitas externas em virtude da pandemia do coronavírus.

Novo tempo

Apesar dos constantes ataques sofridos, das sombras da intolerância religiosa, de uma doença que o deixou internado dois meses em vários hospitais de Dourados e da pandemia do coronavírus, o rezador Getúlio não desistiu da missão e agora, afirma que a comunidade viverá uma nova época.

“Essa data de 15 de agosto foi escolhida para a realização do  Xiru Rerovái porque marca um novo tempo. Ela simboliza a chegada da mais prosperidade e de menos doença para o nosso povo”, relata o guardião dos objetos sagrados regatado entre os escombros da antiga Casa de Rezas.

“O que vivenciamos hoje é fruto de uma grande luta, que contou com o apoio de muita gente que não mediu esforços para que chegássemos até aqui. Mas não é ainda uma inauguração. Isso será feito com uma grande festa, depois que a pandemia passar”, conta Getúlio, relatando que isso será feito por meio de uma assembleia que represente a união entre as comunidades indígenas.

“Essa Casa de Reza que temos não é de apenas uma pessoa. Ela é de todos e é para nós um lugar sagrado aberto para quem precisar porque foi novamente levantada com muito esforço da nossa gente e também com o apoio de muita gente que nem aldeia mora, mas que nos ajudou”, explica Maciel Gonçalves Canteiro, que é genro de Getúlio e foi umas pessoas que liderou e trabalhou na reconstrução da casa.

Imagem capturada de vídeo de Marcos Morandi

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