A derrubada dos vetos é uma importante vitória no enfrentamento à covid-19 e uma derrota ao Governo. Agora, estes dispositivos serão incorporados à Lei
Por Adi Spezia, no Cimi
Nesta quarta-feira, 19, o Congresso derrubou 16 dos 22 vetos do presidente Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei (PL) 1142/2020, que dispõe sobre medidas emergenciais de enfrentamento à covid-19 entre povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais. Os 22 vetos ao PL foram impostos pelo presidente da República ao sancionar a Lei nº 14.021/20, no dia 7 de julho deste ano.
Os vetos foram analisados em conjunto pela Câmara e o Senado. Foram 454 votos a favor e 14 contrários na Câmara; no Senado, foram 63 a 2. Embora a decisão tenha sido acordada em reunião dos líderes partidários, realizada na véspera (18), partidos de oposição ao governo defenderam a derrubada de todos os vetos, mas aceitaram o acordo por não terem votos suficientes para garantir a derrubada de todos vetos. Isso porque, para que um veto seja derrubado, são necessários 257 votos na Câmara e 41 no Senado. Além disso, os vetos mantidos pela Câmara não são analisados pelo Senado e vice-versa.
A mobilização da sociedade civil, de organizações e de parlamentares ligados à causa indígena, quilombola e de direitos humanos conseguiu derrubar vetos que tratavam de garantias básicas, como o acesso a água potável. Assim, foram garantidos:
- a disponibilização de água potável, materiais de higiene, limpeza e desinfecção, leitos hospitalares, UTIs, ventiladores e máquinas de oxigenação, materiais informativos e internet; planos de contingência para indígenas isolados e de recente contato;
- a criação de planos emergenciais para quilombolas, pescadores e outras comunidades tradicionais;
- a inclusão dos povos indígenas nos planos emergenciais para atendimento dos pacientes graves das Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde;
- o registro e notificação da declaração de raça ou cor pelo Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo a identificação de todos os indígenas atendidos nos sistemas públicos de saúde;
- a adoção, em áreas remotas, de mecanismos que facilitem o acesso ao auxílio emergencial, benefícios sociais e previdenciários, de modo a possibilitar a permanência de povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e de demais povos tradicionais em suas próprias comunidades;
- a inclusão das comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares como beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), assegurando o cadastramento das famílias na Relação de Beneficiários (RB) para acesso às políticas públicas.
A deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), que relatou a matéria na Câmara, destacou a importância do resultado: “É significante hoje o que estamos fazendo no Congresso Nacional. A derrubada de vetos vai servir para salvar vidas”, assegura ela.
Foram mantidos os vetos à distribuição de cestas básicas, sementes e ferramentas agrícolas para indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais comunidades tradicionais. O governo justificou que há programas em andamento que buscam solucionar estes problemas. Foram mantidos os vetos também a criação de um programa específico de crédito para povos indígenas e quilombolas e à dotação orçamentária para ações previstas no projeto.
É importante lembrar que o PL 1142/20 foi o projeto de lei com o maior número de vetos da história, por parte do presidente da República. Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), os vetos são alarmantes, sobretudo em tempos de pandemia, pois negam direitos e garantias fundamentais à vida dos povos tradicionais e “reafirmam o preconceito, o ódio e a violência do atual governo em relação aos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais”.
A derrubada dos vetos é tida como uma importante vitória dos povos tradicionais no enfrentamento à covid-19, ao governo Bolsonaro significa uma derrota. Agora, o resultado da votação será incorporado à Lei 14.021/20. Caso as mudanças não sejam promulgadas pelo Presidente da República em até 48 horas, a promulgação deve ser feita pelo Presidente do Senado.
Joenia destaca ser necessário o acompanhamento da execução das medidas, mesmo tendo se tornado Lei. “Agora, o momento é de acompanhar e exigir a implementação, exigir a execução, porque se trata de lei. E lei tem que ser fiscalizada, tem que ser implementada”, reforça a parlamentar.
Para os povos indígenas, esta se torna mais uma ferramenta para cobrar seu direito à saúde e à vida. São quase 25,5 mil indígenas infectados, 690 mortes e 155 povos afetados, conforme levantamento da Articulação Nacional do Povos Indígenas do Brasil (Apib), em 20 de agosto. Entre os quilombolas, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) contabiliza mais de 4 mil casos confirmados e 151 óbitos, em 11 de agosto.
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Foto: Edgar Kanaykõ Xakriabá