Persiste a secular desigualdade nas mais diversas situações que envolvem mulheres e homens? Quais obstáculos são mais difíceis de remover para a conquista da equidade? Considerando que aqui não há como enveredar por um caminho acadêmico por força justamente de minhas limitações nesse sentido, permitam expressar minha opinião e já avisando que ela está permeada de minha própria trajetória de mulher negra, acreditando que as discriminações são muitas, se interpenetram e atuam simultaneamente, por isso é muito difícil expressar posições, sem colocar uma, duas ou três em evidência (no caso aqui: questão racial, da mulher e da pobreza) [2].
O mundo está com cerca de 7,2 bilhões (bilhões) de habitantes[3] , sendo 60,8% na Ásia; 15,2% na África; 13,1% na América; 10,2 % na Europa e 0,05% na Oceania, então estima-se que mulheres somos cerca de 3,6 bilhões de mulheres , o que é ultra maior que o número de pessoas negras, porém pessoas negras são discriminadas praticamente no mundo todo, inclusive no continente africano, sobretudo, por força do colonialismo europeu que incluiu o apartheid na África do Sul e as crueldades dos belgas . Entendo que deixar de ser vista biofisicamente/fenotipicamente como mulher e como uma pessoa negra é muito difícil.
Então, por exemplo, uma pessoa pode deixar de ser gorda, magra; deixar de ser prostituta; empregada doméstica; e outras situações foco de discriminações, mas deixar de ser/estar mulher e negra é muito mais difícil [4]. Assim, num entendimento de profundidade de um pires (lembrando uma negra ativista-compalunga), neste texto heterodoxo, sinalizo, indico pistas ( tangenciando ), sobre alguns obstáculos à superação do machismo, sexismo anti-mulher/menina, misoginia, ou seja, numa síntese – de certa forma, ao chamado patriarcado:
a) Força física- O uso da força física por parte dos homens é ideia talvez mais primitiva, pois sinaliza para a maior quantidade de testosterona. Por que muitos homens que trabalham em lugares perigosos para mulheres (vigias de hortos, de granjas, capatazes de fazendas, lugares ermos, etc.) , conseguem esses trabalhos? Será que é porque , em se tratando de força física, eles, em tese, só poderiam ser superados por outros homens? Será que o que vale é ´ tu não és mais homem que eu !´? Por que um homem, geralmente, não teme enfrentar alguma mulher, mesmo que mais forte que ele? É mesmo a força física o motor maior do medo que muitas mulheres sentem diante de um homem agressivo dentro ou fora de casa? Pode-se dizer que, a rigor, é covardia de quem não tem argumento?
b) Divisão sexual do trabalho afazeres- Mesmo antes do surgimento da agricultura, quando os papéis entre homens e mulheres ficou mais nitidamente dividido, há sinais de que os afazeres ligados a cuidados, ficaram mais na conta das mulheres, incluiu tratar de crianças, idosos e adultos adoecidos – dupla, triplas jornadas.
c) Função de gestar pessoas – Os períodos onde a maioria das mulheres fica mais fragilizada, estão ligados à menstruação e gravidez. Talvez seja justamente num período de gravidez, que muitos homens se aproveitam para impor o machismo. Mulheres ficam praticamente ´ indefesas ´. Há sinais de que num pensar coletivo, muitos homens ao mesmo tempo que ´ se agoniam ´ por não engravidarem (como mulheres), muitos sentem asco quando na presença de menstruação e nascimento de crianças – asco dos fluidos, placenta. Muitos homens arranjam amantes justamente quando sua companheira mais permanente engravida.
d) Monoteísmo – Difícil que uma pessoa ´ informada´ discorde de que o monoteísmo chancela o machismo. Veja, por exemplo, as macro-religiões. No Cristianismo, existe a figura do Pai, do Filho e do Espírito Santo; tudo no masculino, sendo que somente a expressão ´ Santíssima Trindade ´ está no feminino. Quando pensamos no Judaísmo, Confucionismo, Islamismo, Budismo e outras, a hegemonia de Deus ou Profetas homem/masculino continua. É provável que somente algumas religiões de matrizes africana-negras e indígenas/nativas de vários lugares, incluam a presenças de Entidades e Sacerdotisas/Yabás, mas mesmo assim, lá estão um Tupã e um Oxalá-Olorum.
e) Sistemas sócio-econômicos-políticos – A natureza dos sistemas vigentes facilitam a hegemonia masculina – no empresariado, CEOs, políticos, líderes religiosos, cientistas. Tudo muito complexo pois no caso do capitalismo (onde estamos), uma minoria impõe sua própria visão, pois convence a todos que é a melhor, a única possível e que é de todos. Um exemplo é a “ propriedade privada dos meios de produção” ; enquanto não for abalada, haverá dificuldades para a equidade entre mulheres e homens – muitos homens até tratam suas companheiras como sua propriedade e privada.
Em todo caso é de se seguir tentando divulgar ideias ligadas ao Bem Viver/Ubuntu/Teko Porã/Florestania/Decrescimento/Ecofilosofia/Feminismo Comunitário e outras similares.
Notas:
1 Engenheira Agrônoma, ativista do movimento negro, sendo uma das fundadoras do CEDENPA-Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará; também da Rede Fulanas NAB-Negras da Amazônia Brasileira. Idealizadora da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver-2015,, quando estava compondo a coordenação da AMNB-Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras
2 e Embora não seja desprezível, mas aqui , por questões quantitativas considerarei que as condições transsexual e transrracial , a meu ver, podem ser consideradas não significantes (em termos quantitativos, insisto),
3 Essa informação é do https://brasilescola.uol.com.br/geografia/populacao-mundial.htm ; embora o https://www.worldometers.info/br/ sinalize para 7,8 bilhões.
4 Tenho sinalizado para situações ‘ mutáveis’ e ‘não-mutáveis’ , para facilitar minha explicação, mas por força das categorias transsexual e transrracial, isso pode ser relativizado; ou seja, situações mais ou menos ‘ mutáveis’ . E observem que estou citando transsexual e não transgênero (mais amplo). Registro que o título ´Metade da humanidade…´ tomei conhecimento e, por concordar, tento fazer ecoar.
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Imagem: Paulo Pinto/Fotos Públicas