XXXIII Encontro de formação do setor está ameaçado por falta de reconhecimento formal do governo do Estado
Por Fernanda Couzemenco, Século Diário
No princípio era a Educação. Educação como princípio da luta pela justiça social. Antes mesmo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se organizar no Espírito Santo, a Educação já era um pilar da organização das famílias reivindicantes da reforma agrária. Inicialmente chamado de Equipe de Apoio, o Setor de Educação do MST trabalha a educação das crianças e adolescentes seguindo as bases da Educação do Campo e da Pedagogia da Alternância. “Não é só uma escolarização conteudista, mas uma educação para a transformação social, para fortalecer a luta pela reforma agrária”, sintetiza Sebastião Ferreira, educador do MST. A formação humana dos educandos, o trabalho como princípio educativo, a auto-organização, a mística, a gestão democrática das escolas (com participação da família, da comunidade e com a auto-organização dos educadores), crítica e autocrítica, a pesquisa, entre outros elementos.
“Seguimos o princípio marxista, priorizamos os valores humanistas e socialistas, a educação permanente. Compreendemos a Educação como uma construção coletiva, com participação de educandos e educandas, famílias, comunidades e parceiros. Ou seja, a Educação nasce da organização coletiva da reivindicação de um direito, que na Constituição Federal de 1988 tornou-se público e subjetivo, junto ao Estado”, expõe Sebastião.
Celebrando anualmente esse trabalho, o MST realiza, com recursos próprios (por meio de contribuições e doações) e apoio da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e das próprias escolas de assentamentos e acampamentos, o Encontro Estadual de Educadores da Reforma Agrária.
A 33ª edição, prevista para 2021, está ameaçada de não acontecer por uma omissão do governo do Estado. Retomando uma prática autoritária típica das gestões de Paulo Hartung, o atual governo de Renato Casagrande (PSB) não oficializou a atividade no calendário das escolas estaduais.
Na última reunião com a gerente de Educação do Campo, Indígena e Quilombola, Valquiria Santos Silva, a resposta foi para que os organizadores do evento buscassem negociar com as Superintendências Regionais de Educação (SREs) a autorização para que os educadores possam participar. O encaminhamento, no entanto, é uma quimera, acentua Sebastião. “O que temos visto são ações isoladas de cada SRE, que por vezes não encaminham ‘orientações não oficiais’ que recebem, aguardando um posicionamento da Sedu [Secretaria de Estado da Educação] central”, relata Sebastião.
Diante da negativa da Secretaria de incluir o evento no calendário letivo estadual de 2021, por meio de uma portaria, o Setor de Educação do MST encaminhou uma nota de repúdio à pasta. “Temos tentado sem sucesso que tal posicionamento seja realizado”, lamenta o educador.
Este encontro, sublinha Sebastião, é por vezes a única formação realizada com os educadores da rede pública estadual que atuam nos assentamentos e acampamentos capixabas de Reforma Agrária, uma vez que o Estado não tem garantido a formação continuada, direito dos educadores em exercício. “Nesses mais e 30 anos que ele acontece, entendemos que o não reconhecimento por parte da Sedu é um descaso”.
Diretrizes curriculares
Outro ponto essencial da Educação realizada junto a crianças e adolescentes das famílias da reforma agrária são as diretrizes curriculares. O Setor do MST elaborou, de forma voluntária, uma proposta de Organizações Curriculares (OCs) da Educação Básica, nas Modalidades Regular e Educação de Jovens e Adultos (EJA) para o ano letivo 2021 e as apresentou em audiência, no mês de setembro de 2020, ao Secretário de Estado da Educação, Vitor de Angelo, e às gerentes Valquiria e Mariane Berger, esta, de EJA.
Apesar da promessa de analisar a proposta, a portaria n° 150-R, de 11 de dezembro de 2020, contemplou apenas parte das orientações e excluiu a EJA no campo, o que tem dificultado até mesmo a contratação de professores para esse segmento, pois os diretores sequer sabem qual a carga horária de cada disciplina.
Na grade geral, há ausências importantes, como a não inclusão da disciplina de Agroecologia, por exemplo, que os educadores da reforma agrária propuseram para substituir a Agricultura e Zootecnia, enfatizando assim o princípio de proteção da natureza e de segurança alimentar que orienta a produção agrícola dos assentados e acampados. Também o Plano de Estudo e o Tempo Comunidade, ferramentas inspiradas na Pedagogia da Alternância, não entraram na Portaria 150-R/2020.
Desinteresse ou desconhecimento?
Os educadores estranham essa postura, pois foi na primeira gestão de Casagrande que as OCs das escolas de reforma agrária foram construídas, apesar de não terem sido aprovadas. Passados quatro anos de silêncio com Paulo Hartung, o diálogo foi aparentemente retomado com a segunda chegada de Casagrande ao Palácio Anchieta. Mas ao final das conversas, veio a negativa, com a afirmação, pela Sedu, que “não há necessidade de publicá-las”, descreve Sebastião.
“Parece que o governo Casagrande é uma continuidade da política de Paulo Hartung. Na verdade, parece até pior, porque depositamos uma confiança nele”, avalia. O diálogo que foi aberto e tão celebrado em 2019, contam os educadores do campo de diversas esferas, ainda não se efetivou em normativas legais da Sedu. “Vemos uma necessidade de qualificação do corpo técnico da Sedu”, aponta Sebastião, considerando a possibilidade de algumas normativas não serem concretizadas por falta de conhecimento da equipe.
Nesse início de 2021, os educadores da Reforma Agrária, juntamente a todos os educadores da Educação do Campo afirmam em uníssono: o Espírito Santo, berço da Pedagogia da Alternância no Brasil, precisa regulamentar essa metodologia. Também precisa aprovar as diretrizes curriculares da Educação do Campo. “Nosso horizonte continua sendo as diretrizes”, ecoa Sebastião. “Enquanto elas não forem aprovadas, ficamos o tempo todo dependendo de negociação com os governos. Elas precisam se tornar política pública de Estado”.
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Foto : Wellington Lenon