Os primeiros números da volta às aulas em SP

por Maíra Mathias e Raquel Torres, em Outra Saúde

VOLTA ÀS AULAS: OS PRIMEIROS NÚMEROS

Um mês após a volta às aulas em São Paulo, a Secretaria Estadual de Educação divulgou ontem números sobre os primeiros impactos. Foram registrados 4.084 casos de covid-19 e 21 mortes ao todo. E aqui há um problema muito grave: no caso dos óbitos, 13 foram de pessoas que tinham comorbidades e, segundo o próprio protocolo estadual, nem deveriam estar trabalhando. Entre as contaminações, 59% aconteceram na rede estadual, 37% na particular e 3% na municipal.

Mas a incidência da doença entre trabalhadores e estudantes foi 33 vezes mais baixa do que a registrada no estado. Contando desde a primeira semana de janeiro, nas escolas públicas a particulares houve ao todo 41 casos confirmados a cada 100 mil pessoas, enquanto na comunidade em geral esse número foi de 1.393 por 100 mil. Para o epidemiologista Wandeson de Oliveira, que foi secretário do Ministério da Saúde na gestão Mandetta e hoje coordena a Comissão Médica da Educação de SP, trata-se de uma confirmação de que as escolas podem ser ambientes seguros. “É natural que se tenha caso, ninguém prometeu risco zero. Mas esperamos que seja inferior ao da comunidade e vimos que é infinitamente menor”, diz ele.

Por aqui, estranhamos um pouco o fato de a secretaria incluir dados desde o início de janeiro. Naquele mês a rede estadual até abriu para orientação das famílias, aulas de reforço e atividades de planejamento, mas as aulas – e, portanto, o maior movimento –  só começaram a voltar em fevereiro. Imaginamos que isso poderia ter diluído os números, fazendo a situação parecer melhor do que é. Então pegamos os dados brutos da Saúde para estimar como as infecções podem ter se comportado no período em que efetivamente houve aulas presenciais.

Tomamos apenas as infecções e mortes registradas entre fevereiro e o dia 6 de março no estado e, na falta de dados melhores, optamos por considerar que todos os casos das escolas aconteceram nesse período (e nenhum em janeiro). Mesmo assim a comparação parece encorajadora. A taxa de infecções por 100 mil habitantes ficou em 718 na comunidade em geral, contra 41 nas escolas. Fizemos o mesmo cálculo em relação às mortes: 18 por 100 mil no geral, contra 0,21 nas escolas. 

Em tempo: ontem o Reino Unido retomou totalmente suas aulas presenciais após mais de dois meses de confinamento. Mas isso acontece em um momento diferente lá: houve lockdown estrito com ampla vacinação – e forte queda nas contaminações, internações e mortes – e essa é a primeira etapa das reaberturas. Os protocolos também são muito diferentes. O uso de máscaras não é obrigatório, mas aconselhado para adolescentes quando não estiverem ao ar livre. Eles deverão também fazer testes periodicamente. Já as crianças menores na verdade são aconselhadas a não usar máscaras (o que tem gerado várias críticas), e professores de escolas primárias só precisam usá-las quando o distanciamento entre adultos não for possível (nos corredores, por exemplo). A ver como as coisas se desenrolam. 

FALTA VER AS PESQUISAS

Mais uma vez, a Reuters traz informações sobre o desempenho de uma vacina contra a variante P.1: agora é a CoronaVac. A matéria cita uma fonte anônima familiarizada com os estudos conduzidos no Instituto Butantan e diz que foram feitos testes com o sangue de pessoas vacinadas. Não há números concretos, porém. De acordo com essa pessoa, a CoronaVac se mostrou eficaz, mas o estudo ainda vai ser ampliado para obter dados definitivos.

Na semana passada, o mesmo veículo vazou informação semelhante sobre o imunizante de Oxford/AstraZeneca. Ontem essa notícia foi confirmada por Mauricio Zuma, diretor de Biomanguinhos (unidade da Fiocruz responsável pela produção de vacinas). Segundo ele, os dados preliminares sugerem proteção contra a P.1. Mas, também nesse caso, ainda não há dados, e a Reuters diz que eles serão apresentados esta semana.

A boa expectativa em relação à CoronaVac contrasta com a que se gerou há alguns dias com a publicação de uma pesquisa que, também analisando o soro de pessoas vacinadas, apontou baixa produção de anticorpos diante da P.1. Como alertamos aqui, tratava-se de um trabalho pequeno e sem revisão de pares, e eram necessários mais estudos. Por ora, essa observação continua fazendo sentido.

E também vale sempre lembrar que os anticorpos não são os únicos responsáveis pela defesa do organismo, e que medir sua capacidade de neutralizar o vírus após a vacinação não é o mesmo que medir a eficácia dos imunizantes. Por isso mesmo, para saber se uma vacina realmente funciona são necessários os testes de fase 3. Em artigo publicado no Jornal da USP, Daniel Y. Bargieri e Silvia B. Boscardin, do Núcleo de Pesquisas em Vacina da universidade, escrevem que a CoronaVac já induzia baixos níveis de anticorpos em geral, sem ser com a P.1. Mesmo assim, na fase 3 do ensaio conduzido no ano passado, a eficácia foi comprovada.

“Portanto, a conclusão lógica é que a proteção conferida pela CoronaVac provavelmente não é mediada em grande parte por anticorpos neutralizantes. E tudo bem ser assim. Muitas vacinas que tomamos não devem ter esse tipo de anticorpo como principal mecanismo de proteção”, dizem. Ou seja: embora resultados de laboratório com plasma e anticorpos sejam importantes, eles não são definitivos. 

A PFIZER TAMBÉM

A vacina da Pfizer passou por testes semelhantes para avaliar sua resposta às três grandes variantes de preocupação atualmente: a P.1, a B.1.1.7 (identificada primeiro no Reino Unido) e a B.1.351 (identificada na África do Sul). Um artigo foi publicado no The New England Journal of Medicine com os resultados. Segundo os autores, a resposta foi robusta em todos os casos, mas maior para a P.1 e a B.1.1.7. Contra a variante sul-africana, a capacidade de neutralização foi menor.

Destacamos que se tratou de um estudo pequeno, com o plasma de apenas 15 indivíduos. Além disso, os testes não foram feitos com os vírus ‘reais’, e sim com vírus produzidos em laboratório com as principais mutações das nova linhagens. Não analisam, portanto, o conjunto completo das mutações que há em cada variante.

MUDANÇA DE TOM

Depois de criticar a Pfizer e usar a farmacêutica como base de um discurso antivacinas, Jair Bolsonaro mudou de tom. Ontem, o presidente participou de uma reunião virtual com o CEO da companhia, Albert Bourla. “Reconhecemos a Pfizer como uma grande empresa mundial, com grande espaço no Brasil também, e, em havendo possibilidades, nós gostaríamos de fechar contratos com os senadores (sic.) até pela agressividade que o vírus tem se apresentado no Brasil”, afirmou o presidente.

Coube não a Eduardo Pazuello, mas a Paulo Guedes ser o porta-voz do Brasil. No fim do encontro, o ministro da Economia anunciou que a farmacêutica decidiu remanejar doses previstas no contrato, ampliando de nove para 14 milhões a quantidade de vacinas disponíveis no primeiro semestre. As 86 milhões de doses restantes serão entregues no segundo semestre. 

O próprio Bolsonaro deu uma explicação para a mudança: “Eles entenderam a gravidade que o Brasil atravessa, com essa nova cepa, que é interesse deles que não saia do local, né. Isso ajudou muito nessa negociação”. 

ENQUANTO ISSO…

Pazuello reviu novamente o número de doses que serão distribuídas pelo PNI em março. No sábado, ele disse que seriam 30 milhões. Ontem, ficou com um impreciso “entre 25 a 28 milhões”. 

Segundo o ministro da Saúde, a Índia bloqueou o envio ao Brasil de oito milhões de doses da vacina de Oxford produzida pelo Instituto Serum. A entrega de imunizantes prontos faz parte do acordo assinado entre Fiocruz e AstraZeneca, e serve como compensação da farmacêutica pelo atraso na entrega do ingrediente farmacêutico ativo (IFA), que deveria ter acontecido em janeiro mas chegou por aqui em fevereiro. A compensação total ficou em 12 milhões de doses, mas apenas quatro milhões foram enviadas pelo Serum, que tem autorização da AstraZeneca para fabricar o IFA. “Nessa negociação, vamos ter que fazer uma pressão política, diplomática e até pessoal nossa com a AstraZeneca para que o laboratório Serum cumpra a entrega dos oito milhões que faltam”, disse o general. “Neste momento, a Índia dificultou o processo porque proibiu a exportação.”

REFORÇO POLÍTICO

Senadores estão articulando apoio formal ao “pacto nacional de contenção da covid-19” que será adotado em breve pelos governadores. O assunto foi discutido ontem, durante a reunião de líderes da Casa. E veio do pai de um dos governadores, Renan Calheiros (MDB-AL), a defesa mais incisiva do gesto. Ele é líder da maioria na Casa. A minoria, representada por Jean Paul Prates (PT-RN), também é a favor. O pacto está sendo visto como a principal tentativa de contraponto à postura pró-vírus de Jair Bolsonaro. 

Como faz quase todos os dias, ontem o presidente da República não perdeu a chance de fazer campanha contra o isolamento social. “Alguns querem que eu decrete lockdown, não vou decretar e pode ter certeza de uma coisa, o meu Exército não vai para a rua obrigar o povo a ficar em casa”, disse Bolsonaro em mais uma de suas interações nada espontâneas com apoiadores no Palácio da Alvorada. Em entrevista ao Brasil Urgente, voltou à carga: “Não tem que ter lockdown. A política do lockdown foi para que os governadores construíssem hospitais, criassem leitos de UTIs e respiradores”.

“Todas as vezes que se permite que a infecção prolifere, é como se estivesse comprando para o vírus um bilhete de loteria”. A frase é do epidemiologista Bill Hanage, professor de Harvard, e se refere advinha a quem? Ao governo brasileiro. Para ele, as ações de Bolsonaro “não somente expõem os brasileiros a esses riscos, mas também os países vizinhos. E no fim, expõem todo o mundo. É uma renúncia chocante de um governante em proteger seus cidadãos. E também uma renúncia chocante de ser um bom cidadão do mundo”.

TUDO BEM RUIM

Anteontem a média diária de mortes era de quase 1,5 mil, ontem chegou a 1.540 e a impressão é que hoje vai continuar subindo. No primeiro dia útil da quarentena paulista, várias lojas foram flagradas burlando as regras e funcionando à meia porta no Centro da capital. Sem auxílio emergencial, vários trabalhadores informais se arriscavam, vendendo mercadorias na rua. “Deixa o chinês trabalhar, vai prejudicar o trabalhador honesto?“, questionou um passante quando viu o fotógrafo do Estadão.  

Sem isolamento social eficiente, especialistas duvidam que a abertura de 280 leitos anunciada pelo governador João Doria (PSDB) vá dar conta do fluxo de pacientes precisando de cuidados. “É lockdown, não tem jeito. As medidas tomadas até agora pelo governo paulista não são suficientes. Não adianta abrir mais leitos. Estamos perdendo a corrida para a covid. A única maneira de tentar alcançar é reduzir drasticamente o número de casos e ampliar o mais rápido possível a vacinação”, defendeu na Folha Walter Cintra, professor de administração hospitalar e sistemas de saúde da FGV. Por lá, a semana passada registrou o maior recorde de internações da pandemia: mais de 15 mil pessoas com covid-19 foram hospitalizadas no SUS e na rede privada.

E porque o assunto não é outro senão recordes macabros, o governo do Paraná admite que há mais de mil pessoas à espera de leitos para tratamento da covid. Nada menos do que 519 doentes aguardam uma UTI. 

No Distrito Federal, o governo age de forma errática. No mesmo dia em que academias de ginástica e escolas voltaram a funcionar, Ibaneis Rocha (MDB) decretou toque de recolher para a população até o dia 22 de março. Das 22h às 5h só é permitido o deslocamento para busca de atendimento de saúde ou compra de medicamentos. A multa para o descumprimento é de R$ 2 mil. A promessa de flexibilização tinha sido feita a empresários no começo de março… A ocupação das UTIs dedicadas à covid estava em 96% no DF ontem. Em Brasília, até o Hospital das Forças Armadas já atingiu índice de ocupação de UTI preocupante: 90%.

No Rio de Janeiro, os números são assustadores também. Ontem, oito municípios declararam ter atingido uma ocupação de 100%: Bom Jesus do Itabapoana, Miracema, Paraíba do Sul, Rio das Ostras, Sapucaia, Saquarema, Teresópolis e Três Rios. Na capital, onde o prefeito Eduardo Paes (DEM) adotou restrições para lá de permissivas, com praticamente tudo funcionando durante o dia, o índice de ocupação é de 93%. 

Os sistemas de ensino estão impondo o retorno das aulas presenciais travestidos pelo discurso de preocupação com a função social da escola. Foto: Bruno Cavalcanti

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