“Lava Jato envolveu projeto de poder, e isso está documentado”

Em entrevista, advogado de Lula diz que decisão no STF quebrou a espinha dorsal das acusações feitas pela operação em Curitiba. Ele considera juridicamente impossível reverter direitos políticos do ex-presidente.

Por Malu Delgado, na DW,

A batalha judicial capitaneada pelo advogado Cristiano Zanin em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já dura mais de cinco anos. A vitória mais relevante ocorreu em 8 de março, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin decidiu anular todos os atos processuais tomados contra o petista pela Justiça Federal em Curitiba, que ficou conhecida como a sede da Operação Lava Jato. Com a decisão, Lula recuperou seus direitos políticos, o que o credencia como potencial candidato em 2022, e chacoalhou o campo político da esquerda à direita, no Brasil, em apenas uma semana.

“Essa decisão quebra a espinha dorsal das acusações feitas pela Lava Jato de Curitiba ao eliminar qualquer valor da Petrobras dirigido ao presidente Lula. Portanto, tem consequências no estado de inocência do presidente Lula”. Mas o caminho, admite o próprio Zanin em entrevista à DW Brasil, ainda parece ser longo.

No dia em que concedeu a entrevista, ao final do dia de quinta-feira (18/03), Zanin já preparava outros dois recursos ao Supremo. Um deles para assegurar que a decisão de Fachin não deveria ser submetida ao plenário do STF. O segundo, para questionar a decisão de Curitiba, tomada nesta semana, de manter os bens de Lula bloqueados, o que Zanin considera como “ato de rebeldia contínuo e sistemático” para asfixiar financeiramente o ex-presidente.

Na cruzada para provar a suspeição do ex-juiz Sergio Moro e a prática de Lawfare – “um fenômeno complexo, multifacetado e que ocupa lugar central na reflexão sobre as combalidas democracias constitucionais contemporâneas”, como reflete no livro que escreveu em 2019 –, o advogado aguarda para um período breve o julgamento, interrompido pelo STF também na semana passada, a pedido do ministro Kassio Nunes Marques, o indicado de Jair Bolsonaro para a corte.

Zanin já apresentou ao STF 11 petições com relatórios sobre o material da Operação Spoofing, a troca de mensagens entre Moro e os procuradores da Lava Jato, via Telegram. Um material, diz ele, “chocante”. “A Lava Jato envolveu, efetivamente, um projeto de poder e isso não é uma ilação. Está documentado no material que tivemos acesso.” O julgamento da suspeição de Moro, afirma, não terá consequências apenas para o caso de Lula, mas “restabelecerá a credibilidade do sistema de justiça perante os brasileiros e a comunidade jurídica internacional”.

Questionado se vê chances para uma reversão do cenário e nova cassação dos direitos políticos de Lula, Zanin assegura que, “do ponto de vista estritamente jurídico é praticamente impossível haver a reversão”. “Entendemos que o presidente Lula conservará todos os seus direitos políticos.” 

A decisão do ministro do STF, Edson Fachin, de anular as decisões da 13ª Vara Federal de Curitiba referentes aos processos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e remetê-los à Justiça Federal em Brasília tem um caráter processual. Mas pode haver algum impacto de mérito?

Quando a Lava Jato produziu as denúncias contra o presidente Lula, ela utilizou como espinha dorsal a afirmação de que ele teria recebido valores de contratos específicos da Petrobras, vantagens indevidas. Ao longo de cinco anos, nós sempre sustentamos e demonstramos que nenhum valor da Petrobras foi destinado ao presidente Lula. O próprio ex-juiz Sergio Moro chegou a dizer em 2017, ao julgar um recurso contra a sentença no caso do tríplex, que não havia identificado, especificamente, nenhum valor destinado ao presidente Lula. O ministro Fachin julgou um dos habeas corpus que levamos, esse em 2019, sustentando a incompetência da Justiça Federal de Curitiba para analisar essas ações contra o presidente Lula. O ministro decidiu que efetivamente a Justiça Federal de Curitiba é incompetência para julgar essas ações contra Lula porque efetivamente não existe, não foi identificado, nenhum vínculo real com a Petrobras. Como consequência, declarou a nulidade de todos os atos decisórios relativos aos quatro processos que estavam em Curitiba, inclusive os atos decisórios que receberam essas quatro denúncias. A decisão transfere os processos para a Justiça Federal de Brasília, que voltam à fase embrionária, anterior ao recebimento das denúncias. Houve o afastamento das duas condenações que haviam sido impostas a Lula pela Justiça Federal de Curitiba, com o restabelecimento de seus direitos, inclusive dos direitos políticos. Então, embora a decisão seja sobre incompetência e nulidade dos atos processuais, ela também quebra a espinha dorsal das acusações feitas pela Lava Jato de Curitiba ao eliminar qualquer valor da Petrobras dirigido ao presidente Lula. Portanto, tem consequências no estado de inocência do presidente Lula. O presidente Lula é uma pessoa sem nenhuma condenação e tem todos os seus direitos estabelecidos desde a última segunda-feira [8 de março].

A Procuradoria-Geral da União (PGR) recorreu e o habeas corpus foi remetido, pelo ministro Fachin, ao plenário do STF. Qual a expectativa do senhor em relação a esse julgamento do plenário, não apenas em relação a resultado, mas prazos? Uma questão do lawfare diz respeito ao timing dos julgamentos. Podemos assistir a isso novamente?

Continuamos com a expectativa de que tanto esse habeas corpus quanto os demais casos correlatos que estão no Supremo sejam julgados pela Segunda Turma [colegiado do Supremo que analisa casos da Lava Jato]. Hoje [dia 18 de março] apresentamos uma petição insistindo na competência da Segunda Turma. Em 2018, quando um processo começou a ser analisado pela turma, os ministros decidiram, inclusive com o voto de Fachin, que a competência para analisar é da Segunda Turma, e não do plenário. Se são processos conexos, é necessário que o mesmo órgão julgador possa analisá-los para que as decisões sejam compatíveis e coerentes. Insistiremos na competência da Segunda Turma e temos relevantes fundamentos, de ordem pública, para pedir que o colegiado, e não o plenário, analise.

Ao fazer um pronunciamento na semana passada, o ex-presidente Lula reiterou que desde o início dos processos sua defesa argumentava sobre o foro dos processos. Qual sua opinião sobre esse timing do STF para analisar esses casos de Lula?

Para chegarmos ao Supremo, tivemos que construir uma base jurídica muito sólida. Desde a primeira manifestação escrita, alegamos a incompetência da Justiça de Curitiba, a suspeição do então juiz Sergio Moro, a suspeição dos procuradores da Lava Jato, o cerceamento de defesa, e também levamos provas de inocência. O normal seria que o juiz verificasse a presença daqueles vícios e tivesse, desde logo, declinado de julgar a ação e remetido ao juízo competente. Agora, olhando as mensagens que estamos analisando a partir de arquivos oficiais, com autorização do Supremo [da Operação Spoofing, troca de mensagens entre Moro e procuradores pelo Telegram], fica claro que os procuradores não tinham absolutamente nada, nenhum elemento de prova, que pudesse sequer levar a essa acusação. Mas eles fizeram essas acusações porque havia a predisposição de condenar e prender o ex-presidente Lula para alcançar objetivos políticos. Nós fizemos, desde a primeira manifestação escrita, o nosso papel, apontando todas as ilegalidades, apontando a falta de prova de culpa e as provas de inocência de que dispúnhamos. Lamentavelmente, isso teve que tramitar por todas as instâncias do Poder Judiciário do país até que chegasse ao STF onde estão sendo, agora, reconhecidas essas ilegalidades. O desejável seria que essas ilegalidades, esses vícios tivessem sido reconhecidos desde a origem. Não foi isso que aconteceu, e essa situação reforça a prática de lawfare à qual sempre sustentamos ao longo de cinco anos.

O juiz da 13ª Vara de Curitiba remeteu os processos a Brasília, mas decidiu manter os bens do ex-presidente Lula bloqueados. Como o sr. enxerga essa decisão? Ao chegar em Brasília, o juiz que analisará o caso pode anular ou não as provas já coletadas?

Quando os processos chegarem em Brasília, o juiz competente terá que tomar, basicamente, duas decisões. Primeiro é se ele recebe alguma das quatro denúncias apresentadas, verificar se existe justa-causa, diante de tudo o que sabemos atualmente, para abrir novamente essas ações penais. Na hipótese de decidir pela abertura das ações, o juiz também vai ter que decidir se algum ato de instrução realizado em Curitiba poderá ser reaproveitado nesses processos. São basicamente essas duas decisões iniciais que o juiz terá que tomar, insisto, num cenário em que estamos vendo a verdade nua e crua neste material que mostra que as acusações foram forjadas e esses atos de instrução estão todos comprometidos diante do conluio que havia entre o juiz Sergio Moro com os procuradores da força-tarefa, além de outras situações extremamente graves, como o levantamento ilegal de sigilo fiscal de pessoas relacionadas ao presidente Lula, a realização de cooperação com agências estrangeiras fora dos canais oficiais, dentre outras coisas. Todo esse cenário precisará, a meu ver, ser levado em consideração pelo novo juiz para que ele decida, inclusive, se é o caso de reabrir as ações penais.

E sobre os bens bloqueados?

Foi mais um ato de rebeldia, talvez o último da 13ª Vara Federal de Curitiba contra o STF. Essa situação de descumprimento crônico e sistemático de decisões do Supremo vem acontecendo de longa data. Essa decisão tomada ontem pela 13ª Vara, a meu ver, faz parte deste cenário. Uma vez reconhecida e decretada a incompetência da Vara, é evidente que o juiz não poderia tomar nenhuma outra decisão. O único papel seria cumprir a decisão da Suprema Corte e remeter os processos a Brasília. Por isso que ontem [dia 18] também levamos uma reclamação ao STF mostrando que, mais uma vez, no derradeiro ato, a 13ª Vara Federal de Curitiba insiste em afrontar as decisões do Supremo. Se o ministro Fachin anulou os atos, como sustentar agora a manutenção deste bloqueio? O que se tem, na verdade, é uma situação permanente e confirmada de perseguição, de prática de lawfare, um fenômeno que tem, aliás, em uma de suas táticas, a asfixia financeira da pessoa que se torna alvo para que ela não possa se defender. Esse bloqueio de bens faz parte deste cenário. Abriram inquérito para investigar o patrimônio do presidente Lula. Não identificaram absolutamente nada de ilícito. Sob qualquer ótica, a manutenção do bloqueio de bens não se sustenta e esperamos que seja revertida em breve pelo STF.

Em paralelo a essa questão do habeas corpus, há também o julgamento da suspeição do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, que foi suspenso. Como o senhor recebeu o pedido de vistas do ministro Kassio Nunes Marques [indicado por Jair Bolsonaro para a Corte]?

Apresentamos sólidos elementos sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro aqui nos tribunais brasileiros como também levamos, ainda em 2016, um comunicado individual ao comitê de direitos humanos da ONU mostrando exatamente que o presidente Lula estava sendo vítima de uma verdadeira cruzada capitaneada por um juiz que tinha pretensões e ambições políticas. Em 2018, o Comitê da ONU concedeu uma liminar inédita em relação ao Brasil para determinar que o país não impedisse a candidatura do presidente Lula, salvo se houvesse um processo justo e já concluído. Lamentavelmente, a decisão da ONU não foi cumprida. Para além disso, tivemos também em 2018 o início do julgamento deste habeas corpus da suspeição. Começou a ser julgado em 4 de dezembro de 2018. Ou seja, é uma questão que está no STF por alguns anos. Tínhamos a expectativa, evidentemente, de que na terça-feira a votação fosse concluída, sobretudo pelos votos contundentes proferidos pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Agora, não podemos também ignorar que o ministro Kassio Nunes chegou há pouco tempo no Supremo e, talvez, quisesse, legitimamente, um tempo maior para fazer sua reflexão sobre esse caso. É legítimo o pedido de vistas, diante desta circunstância, mas temos a expectativa, pela previsão regimental, de que o julgamento seja retomado num futuro próximo para que essa questão seja definida. Na minha visão, o julgamento diz respeito exclusivamente ao presidente Lula. O habeas corpus analisa a situação concreta e subjetiva do tratamento dado pelo então juiz Moro ao presidente Lula. Embora eu ache legítimo que outras pessoas possam questionar a suspeição do ex-juiz, esse caso analisado diz respeito exclusivamente ao presidente Lula e à situação concreta dele, por isso não vejo risco de repercussão, pelo menos imediata, maior e que possa atingir outros processos e condenações.

Vê riscos de o ex-presidente Lula perder novamente os direitos políticos?

A avaliação feita do ponto de vista estritamente jurídico me permite concluir que é praticamente impossível haver a reversão. Por que? A decisão tomada pelo ministro Fachin que resulta no restabelecimento dos direitos políticos de Lula está assentada em um precedente do plenário do Supremo, firmado em 2015, e vem sendo reafirmado dezenas de vezes no âmbito da Segunda Turma. Ou seja, só casos que envolvam valores desviados da Petrobras e que poderiam ser julgados pela Justiça Federal de Curitiba. Moro afirmou textualmente, em 2017, que nenhum valor da Petrobras havia sido destinado diretamente ao presidente Lula. Diante deste cenário, numa leitura estritamente jurídica, entendemos que seja praticamente impossível que haja a reversão da decisão do ministro Fachin e, por isso, entendemos que o presidente Lula conservará todos os seus direitos políticos, a despeito de haver o recurso da Procuradoria-Geral da República. Agora, por outro lado, o julgamento da suspeição do ex-ministro Sergio Moro é necessário não apenas pelos efeitos jurídicos que geraria para os processos do presidente Lula, mas também para restabelecer a credibilidade do sistema de justiça brasileiro. Esse julgamento sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro não só terá efeitos concretos nos processos do presidente Lula, mas também restabelecerá a credibilidade do sistema de justiça perante os brasileiros e a comunidade jurídica internacional.

As mensagens entre Moro e os procuradores da Lava Jato foi obtida por hacker e há um debate jurídico sobre a possibilidade de utilizá-las como provas. Cabe o uso dessas mensagens como provas? Nesta avaliação do material, houve alguma nova revelação?

Esse arquivo da Operação Spoofing foi apreendido e periciado pela Polícia Federal na época inclusive em que era comandada pelo ex-juiz Sergio Moro. Nosso acesso a esse arquivo foi autorizado pelo Supremo Tribunal Federal. Independentemente da origem do material, que está em discussão em outro processo do qual o ex-presidente Lula não tem qualquer relação, ele é sim meio de prova. Na doutrina, na literatura jurídica, tem a discussão se provas com origem ilícita podem ser utilizadas para acusar alguém. Para defender, é praticamente unânime a possibilidade do uso da prova. Quanto ao teor, até o momento levamos ao Supremo 11 petições contendo 11 relatórios preliminares de análises (das mensagens). A realidade nua e crua é impactante, verificar a forma como os procuradores e o então juiz Sergio Moro combinaram promover acusações contra o presidente Lula, como combinaram promover operações internacionais fora dos canais oficiais, como combinaram promover ataques contra os advogados do presidente Lula… Vimos ali, realmente, um mundo chocante em que aqueles membros da chamada Lava Jato viviam, não só pela aceitação e convivência com a ilegalidade, mas também pela forma como eles viam os inimigos e críticos da Lava Jato. Mostra uma visão totalitária por parte destes membros da Justiça e mostra que eles queriam e estavam construindo um projeto de poder. No caso do presidente Lula, eles construíram um “projeto Lula”, e descreveram as etapas que seriam cumpridas para alcançar os objetivos. Primeiro era promover acusações sistemáticas contra o presidente, embora soubessem que não havia provas para isso. Segundo: essas acusações sistemáticas visavam prejudicar a defesa. Eles diziam: os advogados não terão tempo sequer para se defender. Terceiro: planejavam fazer vazamentos contra o presidente Lula na imprensa, mesmo de material que sabiam ser absolutamente descabidos, porque queriam, literalmente, desgastar a imagem dele. Então o que temos ali, documentado, é exatamente as táticas de lawfare que descrevemos em nosso livro antes de ter acesso a esse material. E também vimos diversas conversas em que os membros da Lava Jato interagiam com grupos políticos e agentes políticos com a expectativa de eleger determinados candidatos que tinham “agenda compatível” com o que eles pensavam. Ou seja, os que tinham o poder de acusar, prender e julgar eram os mesmos que estavam atuando para impedir que algumas pessoas pudessem se candidatar, notadamente o presidente Lula. A Lava Jato envolveu, efetivamente, um projeto de poder e isso não é uma ilação. Está documentado no material que tivemos acesso.

O ex-ministro Sergio Moro pode ser candidato à Presidência. Esse material e o julgamento do caso inviabilizariam uma candidatura futura?

O que posso dizer é que, em 2016, em nosso comunicado à ONU, já dizíamos que o ex-ministro Sergio Moro estava utilizando o poder do Estado para praticar atos ilegítimos com objetivos políticos, inclusive de uma eventual candidatura. Agora o Brasil tem a oportunidade de conhecer, mais a fundo, esse material e a forma como o ex-juiz Sergio Moro conduziu a chamada Operação Lava Jato. E a partir deste conhecimento cada pessoa poderá fazer o seu juízo de valor. É importante que esse material realmente seja conhecido e estudado para que as pessoas possam ter a exata noção daquilo que ocorreu e possam até fazer uma reflexão crítica à ideia do herói que foi construída, com ajuda fundamental de parte da imprensa. Eu não teria como, sendo advogado, me posicionar se o ex-juiz deve ou não ser candidato, ou se ele é um candidato viável. O que eu acho importante é que, como qualquer pessoa que se apresenta para uma eleição, que as pessoas analisem o que ela, efetivamente, praticou ao longo do tempo.

O senhor disse que uma das estratégias do lawfare é a asfixia financeira de quem precisa se defender. Como é sua relação contratual com Lula? O sr. trabalha pro-bono, considerando que ele está com os bens bloqueados?

Eu não poderia, evidentemente, tratar de questões específicas de honorários advocatícios. Mas nossa relação com o presidente Lula é profissional, de cliente advogado. É importante lembrar que ele teve os bens bloqueados a partir do final de 2017. Somos advogados, profissionais. Completei neste ano 20 anos de advocacia. Já atuamos em outros casos complexos e decisivos e sabemos que, muitas vezes, a solução não acontece num curto prazo. Muitas vezes é necessário uma longa batalha até que a justiça seja feita. Vejo o caso do presidente Lula como um caso paradigmático de lawfare, que nos permitiu, inclusive, a construção de uma teoria sobre o fenômeno. Mas jamais deixamos de ter com ele uma relação profissional de advogado-cliente, a despeito de uma relação pessoal também, que uma situação como essa acaba gerando ou aperfeiçoando.

No livro que o senhor escreveu com Valeska Martins e Rafael Valim, sobre lawfare, há uma discussão sobre esse fenômeno e as ameaças ao estado democrático de direito e às democracias atuais. Vivemos um momento de intimidação no Brasil, com ameaças de morte a políticos – inclusive ao próprio ex-presidente Lula –, a jornalistas, cidadãos comuns. Como esse caso do ex-presidente Lula pode contribuir com esse debate do Lawfare e ações concretas?

O lawfare é um fenômeno, como escrevemos no livro, que acontece numa mesma dimensão de uma guerra convencional. Para atingir determinados fins ilegítimos, aqueles que praticam o lawfare escolhem a melhor jurisdição, escolhem a lei mais adequada – geralmente a mais violenta – para promover o fenômeno. Existe também uma parte fundamental que ocorre nas chamadas externalidades, que vem a ser justamente esse ambiente que é criado, muitas vezes com o uso da mídia e até mesmo com operações psicológicas, para tentar neutralizar a ilegalidade e a arbitrariedade inerentes à prática do lawfare. De um lado, você sabe que ações ilegais e arbitrárias estão acontecendo, e junto com isso há tentativas para tentar neutralizar essa visão, tentar normalizar determinadas práticas que não deveriam e não poderiam ser aceitas. Esse caso do presidente Lula contém todos os ingredientes, todas as táticas e técnicas do fenômeno do lawfare tal como nós descrevemos. O primeiro desafio do lawfare é você identificar a prática. As vítimas não são apenas políticos, e tampouco políticos de determinado setor, da esquerda. Ao contrário. Geralmente a porta de entrada do lawfare são as empresas que acabam sendo atacadas, coagidas a determinados comportamentos, já como meio de atingir, aí sim, as pessoas pré-definidas, os alvos efetivos. É um fenômeno que vem acontecendo com muita intensidade, não só no Brasil, como em diversos lugares do mundo, basicamente porque é uma forma muito mais barata de se promover uma guerra objetivando intenções econômicas, geopolíticas, políticas e comerciais do que seria algo mais ostensivo. O lawfare acaba dando um verniz jurídico e de correção a atos que não poderia, jamais, acontecer. O lawfare acaba interferindo na democracia dos países. Isso aconteceu aqui no Brasil. O presidente Lula foi vítima de uma grande armação e impedido de participar das eleições presidenciais no momento em que ocupava o primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto em 2018. Talvez o cenário do Brasil, hoje, fosse diferente se não tivesse ocorrido essa interferência pela via do lawfare.

Foto: Sylvio Sirangelo /TRF4

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