Acordo do orçamento agrada Centrão, mas pode penalizar funcionamento de órgãos federais

Por Maíra Mathias e Raquel Torres, em Outra Saúde

PRONTO PARA SANÇÃO

O Congresso aprovou ontem o projeto que altera a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2021. Com ele, o governo fica autorizado a abrir crédito para custear medidas de enfrentamento à pandemia sem indicar de onde virá a verba – vai ser o caso de dinheiro a ser gasto com vacinas, por exemplo.

Além disso, o texto exclui programas de socorro a empresários da meta fiscal estabelecida para este ano. Segundo a equipe econômica, a mudança é necessária para destravar os programas de crédito a micro e pequenas empresas (Pronampe) e de redução de salário e jornada (BEm), que foram adotados no ano passado. O projeto também autoriza que o Executivo corte de gastos discricionários (facultativos) para recompor as despesas obrigatórias, como aposentadorias. 

A estimativa é de que o montante a ser gasto fora da meta fiscal fique perto dos R$ 100 bilhões, incluídos aí os R$ 44 bi do auxílio emergencial, além das despesas com o Pronampe e o BEm. Esses recursos não vão ser contabilizados no teto de gastos. Segundo o Valor, o texto abriria espaço para acomodar os R$ 16,5 bilhões de emendas parlamentares que, há semanas, vêm gerando embates entre o Executivo e o Legislativo. As críticas em relação às emendas inchadas, porém, continuam: “Vamos ver se eu entendi. Essa emenda coloca fora do teto o Programa do BEm e o Pronampe, de aproximadamente 16 bilhões, para poder sancionar a emenda de relator de 16 bilhões. É ou não é um orçamento criativo?”, tuitou o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia. 

Jair Bolsonaro precisa sancionar o Orçamento até quinta-feira, dia 22, e tudo indica que a solução vai passar por um veto parcial. A ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, falou em vetar R$ 10,5 bilhões em emendas não obrigatórias, como as de bancadas estaduais, e ter mais cortes no funcionamento da máquina federal. O volume total de vetos ficaria em R$ 20 bi.

Para Leonardo Ribeiro, especialista em finanças públicas e analista no Senado, a flexibilização das metas é um “cheque em branco” do Legislativo para “gastos não adequadamente planejados” do governo, o que é ruim para a transparência. Já Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente, alerta que os cortes nas despesas discricionárias deve acabar se tornando o mecanismo direto para cumprir o teto. E o consultor legislativo do Senado Vinicius Amaral chama ainda a atenção para o fato de que o texto retirou a proteção às despesas de funcionamento dos órgãos federais. “As universidades e institutos federais, mais uma vez, correm enorme risco de serem escolhidos como alvos”, diz.

CHEIO DE CONEXÕES

Um movimento esquisito tomou forma no Ceará no início do mês: o “Ainda Há Bem” começou com uma campanha de marketing nas redes sociais e com vários outdoors espalhados na capital. Seus temas de interesse são desconexos, aparentemente unidos apenas pelo bolsonarismo-raiz: “contra o aborto e a violência; a favor da ciência e da autonomia dos médicos no tratamento da covid-19; e em apoio ao tratamento precoce contra o coronavírus”, diz a página no Facebook, afirmando que se trata de uma iniciativa de um “grupo de médicos e representantes da sociedade civil”.

Agência Pública descobriu que o grupo, supostamente apartidário, tem ligações com gestores do Ministério da Saúde e ainda com o grupo político do senador Eduardo Girão (Podemos). O site do movimento (que, no momento em que escrevemos a news, está fora do ar), tem no registro o nome de Vinícius Nunes Azevedo, diretor do Departamento de Gestão da Educação na Saúde da pasta. Ele também é substituto eventual da secretária de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde, Mayra Pinheiro – a capitã cloroquina. Pinheiro, aliás, divulgou em seu Facebook o lançamento do “Ainda Há Bem”. 

CRESCE DEMANDA PELA SPUTNIK

Ontem, o Instituto Gamaleya divulgou um novo cálculo de eficácia para a Sputnik V. Olhando para “o mundo real” – no caso um grupo de 3,8 milhões de russos vacinados entre 5 de dezembro e 31 de março com as duas doses do imunizante –, os pesquisadores concluíram que a taxa é de 97,6%. O estudo não foi revisado por pares, mas deve ser publicado em uma revista científica em maio.

Em fevereiro, os resultados preliminares da fase 3 de testes da vacina foram publicados no prestigioso The Lancet. Na ocasião, os cientistas calcularam uma taxa de eficácia de 91,6%, também excelente, em um universo de 20 mil voluntários. Mas os resultados finais de fase 3, exigidos por várias agências reguladoras para registrar a vacina, ainda estão em andamento. 

Mesmo assim, a vacina foi aprovada emergencialmente ou teve o registro definitivo concedido por 61 países. A BBC listou quais são: Angola, Antígua e Barbuda, Argélia, Argentina, Armênia, Azerbaijão, Bahrein, Belarus, Bolívia, Bósnia e Herzegovina, Camarões, Cazaquistão, Congo, Djibouti, Egito, Emirados Árabes, Eslováquia, Filipinas, Gabão, Gana, Guatemala, Guiana, Guiné, Honduras, Hungria, Ilhas Maurício, Irã, Iraque, Jordânia, Laos, Líbano, Macedônia do Norte, Mali, Marrocos, México, Mianmar, Moldávia, Mongólia, Montenegro, Namíbia, Nicarágua, Panamá, Palestina, Paquistão, Paraguai, Quênia, Quirguistão, República da Guiné, República do Congo, San Marino, São Vicente e Granadinas, Seicheles, Sérvia, Síria, Sri Lanka, Tunísia, Turcomenistão, Uzbequistão, Venezuela e Vietnã.

A última das autorizações para uso emergencial foi dada pela Índia na semana passada, e pode significar um aumento substancial na demanda por esta vacina, já que o país asiático está em uma situação de transmissão descontrolada. Ontem, depois do quinto dia seguido com mais de 200 mil casos sendo registrados em 24h, foi decretado um lockdown na capital, Nova Délhi, cidade com mais de 20 milhões de habitantes. Por lá, as únicas vacinas aprovadas são AstraZeneca e Covaxin.   

Por aqui a demanda também cresce: ontem, mais governadores anunciaram negociação direta com o governo russo para comprar a Sputnik V. Desta vez são sete estados que, juntos, formam o Consórcio Brasil Central: DF, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão e Rondônia. Eles anunciaram que pretender adquirir 28 milhões de doses. Com isso, se somam ao Consórcio Nacional de Vacinas das Cidades Brasileiras, que negocia 30 milhões, e vão na direção do Consórcio do Nordeste, que já assinou a compra de 37 milhões de doses. 

E a pressão para que a Anvisa tome uma decisão sobre a importação do imunizante aumentou mais um pouquinho ontem. Ricardo Lewandowski autorizou o governo do Ceará a fazê-lo caso a agência não decida sobre a importação do imunizante até o fim do mês. O ministro do STF já havia dado autorização igual para o Maranhão no último dia 13. 

No momento, a agência está analisando 11 pedidos de importação feitos por estados (na lista entram também Acre, Bahia, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia e Sergipe).

E também faz a análise do segundo pedido de uso emergencial feito no dia 26 de março pela União Química. De acordo com o site da agência, 15,48% da documentação necessária ainda não foi enviada pela empresa e 63,75% ainda precisa ser complementada. O primeiro pedido, entregue pela empresa em janeiro, foi devolvido pela Anvisa por não apresentar os requisitos mínimos para análise, e acabou sendo cancelado pela farmacêutica.

ABISMO DA VACINA

Apenas 1% das 100 milhões de doses de vacinas administradas no mundo semana passada foram parar nos braços de habitantes de países de baixa e média renda. O resto – ou praticamente tudo – beneficiou populações de países de renda alta e média alta, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

“É totalmente antiético que os países de alta renda estejam vacinando pessoas jovens e saudáveis, se isso acontece às custas das pessoas em grupos de risco e na linha de frente em países de baixa e média renda”, resumiu a ativista Greta Thunberg ontem, durante a Cúpula de Líderes organizada pelo presidente dos EUA, Joe Biden. 

“Se tivermos muito mais semanas em que 99% das vacinas vão para um conjunto de países que já têm a maior parte dos imunizantes não vamos sair tão rápido desta crise”, observou Bruce Aylward, conselheiro sênior da OMS.

Diante da piora da pandemia – a semana passada registrou os piores números, com 5,2 milhões de novas infecções e três milhões de mortes –, a organização tenta reforçar o apelo para que países ricos doem excedentes de doses para o consórcio Covax. 

Se desenrola agora mesmo uma disputa velada entre o consórcio e países do Leste europeu pelas doses da vacina da AstraZeneca que não serão mais usadas pela Dinamarca. O país parou de aplicar o imunizante por conta do risco extremamente raro de coágulos principalmente porque tem outras vacinas disponíveis. Com isso, desencadeou uma onda de interesse em 2,4 milhões de doses estocadas ou encomendadas.  

Em um tuíte, o ministro tcheco Jan Hamacek disse que instruiu a diplomacia do país a declarar interesse em “comprar todas as vacinas AstraZeneca da Dinamarca”. Estônia, Letônia e Lituânia também manifestaram interesse. 

Já a OMS atua para que o país doe as vacinas ao Covax: “Eu entendo que o Ministério das Relações Exteriores da Dinamarca está pronto para, ou já está procurando opções, para compartilhar as vacinas AstraZeneca com os países mais pobres”, disse Hans Kluge, diretor do braço europeu da organização.

Até agora, o Covax distribuiu apenas 38,7 milhões de doses para países de baixa e média renda. Os problemas de fornecimento aumentaram com a situação na Índia, que restringiu o acesso externo às vacinas produzidas no país. 

Nesse sentido, a OMS também está fazendo pressão sobre as farmacêuticas. Quer, de um lado, que os grandes fabricantes de insumos farmacêuticos ativos, os IFAs, sejam liberados pelas multinacionais para direcionar parte dessa produção para envase em outras empresas, acelerando a produção de doses. Por outro, tenta convencer Pfizer e Moderna a compartilharem a tecnologia das suas vacinas de RNA mensageiro para aumentar a produção.

FICOU PRA SEMANA QUE VEM

Sem maioria para influir nas escolhas de nomes da CPI, o Planalto resolveu fazer barulho, convocando parlamentares aliados para uma investida judicial contra Renan Calheiros (MDB-Al). A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) anunciou ontem que irá acionar o Judiciário para impedir a escolha do emedebista como relator da comissão. “A presença de alguém com 43 processos e seis inquéritos no STF evidentemente fere o princípio da moralidade administrativa”, escreveu ela, que é investigada no inquérito das fake news do Supremo. 

A propósito: a instalação da CPI não acontecerá mais nesta quinta-feira, mas na terça que vem. A decisão foi tomada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que alegou “razões de segurança” não explicadas

Imagem: Nando Motta

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