Mapuches votam no Chile por uma nova Constituição que reconheça dívidas históricas

No Estado de Minas

Vestida de “gala” com os trajes tradicionais de seu povo, a indígena mapuche Marisol Cañupan compareceu à votação para eleger os membros da assembleia que redigirá a nova Constituição do Chile, na qual os povos indígenas reservaram cadeiras pela primeira vez.

“Estamos aqui para cumprir nosso dever cívico e principalmente nosso dever de mapuches em participar desta eleição”, disse Cañupan à AFP, usando um vestido preto coberto por uma manta ou xale, um lenço colorido na cabeça e pendurado no peito um TrapelaKucha ou colar de prata feito por seu povo.

“Sobretudo por causa dos assentos reservados para nossos povos indígenas”, acrescentou a mulher, que foi votar com Benedicto Huaiquipán, um membro de sua família, com quem viajou 12 km da comunidade mapuche de Boldoche ao colégio de São Francisco, no município de Chol Chol, na região de Araucanía (sul).

Embora participem dos processos eleitorais chilenos há anos, esta é a primeira vez que os 10 povos indígenas terão 17 cadeiras na Assembleia Constituinte que vai substituir a Carta Magna herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e não reconhece povos aborígenes.

Ir votar “é a oportunidade que nós, mapuches, temos de ter a possibilidade de nos ouvirem realmente e finalmente reconhecerem o que foi e ainda é o nosso povo”, disse Benedicto, vestido com um grosso poncho mapuche.

Maior etnia do Chile, com cerca de 700 mil dos 19 milhões de habitantes do país, eles terão sete cadeiras na assembleia, enquanto os aimarás, que vivem no norte, duas.

A etnia polinésia Rapa Nui, da remota Ilha de Páscoa, terá um representante, além dos povos Quechua, Atacameño, Diaguita, Colla, Kawashkar, Chango e Yagán.

“Para o povo Mapuche e para os demais povos indígenas esta é uma conquista histórica. É necessário incorporar elementos interculturais na elaboração de uma nova Constituição, porque se trata de um Estado que durante séculos ignorou seu caráter plurinacional”, disse Cristina Moyano, doutora em história e reitora da faculdade de humanas da Universidade de Santiago, em declarações à AFP.

– Estamos vivos –

O colégio de São Francisco, onde a maioria dos alunos mapuche estudam, recebeu centenas de eleitores que fizeram fila sob o forte frio do outono austral na região de Araucanía, cerca de 800 km ao sul de Santiago, onde mora a maioria das comunidades mapuches.

Os níveis de pobreza nesta região são o dobro do resto do país e, juntamente com o vizinho Biobío, têm sofrido um aumento da violência durante anos após uma série de ataques incendiários, atribuídos a grupos radicais mapuches que defendem a restituição de terras por direitos ancestrais que hoje estão em mãos de particulares, principalmente de empresas florestais.

Mas as ações na área de grupos de autodefesa e algumas operações supostamente montadas pelas forças da ordem também estão sendo investigadas.

Ter lugares reservados “é a nossa principal razão de estar aqui, é como um dia de gala, significa que estamos vivos, que queremos participar e ter a força de estar em todas as áreas e especialmente na representação dos nossos povos”, disse Cañupan.

“Esperemos que também haja uma mudança no coração dos mapuches para que sintam novamente o que significa a terra”, disse Valentina Sandoval, uma jovem estudante da comunidade de Santa Rosa de Chol Chol.

Segundo Moyano, a atual Constituição chilena impôs uma “dinâmica de mercado na propriedade e administração da terra” que se choca com a tradição de “terras comunitárias” do povo mapuche.

Por isso, a especialista considera fundamental que a nova Constituição seja um primeiro passo para “o reconhecimento de um estado plurinacional”, que permitirá a integração dos povos indígenas nas políticas públicas, o ensino de línguas e o respeito às suas tradições.

“O que esperamos desta nova Constituição? Sermos bem representados como mapuches” para que “de uma vez por todas reconheçam a dívida histórica que tem conosco em todas as áreas”, disse Cañupan.

Foto da atriz chilena Suzana Hidalgo, com a bandeira Mapuche ao alto, disponibilizada por ela em seu Twitter. Protestos de outubro de 2019. Foto: Susana Hidalgo (parte).

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