Reunião pública promovida pela PFDC debate regularização fundiária

Tema tem sido acompanhado pelo Grupo de Trabalho Reforma Agrária e Conflitos Fundiários da PFDC

Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC)

Os projetos de lei 2.633/2020, da Câmara dos Deputados, e 510/2021, do Senado Federal, que versam sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, foram debatidos na manhã desta sexta (14) em reunião pública promovida pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF). A reunião foi iniciativa do GT Reforma Agrária e Conflitos Fundiários da PFDC.

Participaram do debate o deputado Zé Silva (Solidariedade/MG), autor do PL 2633/2020, o deputado Nilto Tatto (PT/SP), membro da Frente Parlamentar ODS; Brenda Brito, representante do Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon); Raoni Rajão, consultor em estudos internacionais do programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e professor da UFMG; Paulo Freire, advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e Dom José Ionilton, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Também convidado, o senador Irajá (PSD/TO), autor do PL 510/2021, não participou do debate.

Após a abertura, feita pelo procurador Julio Araujo, o deputado Zé Silva iniciou a fala destacando os três pilares que diferenciam seu projeto de lei da Medida Provisória 910. Segundo ele, o primeiro ponto é a manutenção do marco temporal previsto no código florestal, regularizando assim, apenas as terras ocupadas até 2008. O segundo pilar é a extensão da isenção de vistoria presencial para os agricultores que tenham até seis módulos fiscais (MFs), a exemplo do que a legislação já permite para os que possuem até quatro MFs, com o uso da tecnologia do sensoriamento remoto para comprovar a utilização da terra, e o estabelecimento de algumas exigências para comprovar a ocupação, como a apresentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) ativo, a não existência de sobreposição, de infrações ambientais ou de trabalho escravo ou análogo. E o terceiro pilar é a possibilidade de regularização de outras áreas fora da Região Amazônica.

Nilto Tatto afirmou que na conjuntura atual, a aprovação de qualquer dos projetos não resolve os problemas dos agricultores que têm até quatro MFs, que são a grande maioria. Para estes, inclusive, já existe legislação. “A mudança da legislação neste momento somente regularizaria aqueles que não precisam, e aqueles que precisam vão permanecer sem a regularização fundiária, e depois, mais pra frente, vão ser utilizados de novo como argumento para você ampliar mais”, diz o parlamentar. “Qualquer mudança que a gente fizer só vai no sentido de aguçar mais a disputa pela terra, em especial, a violência no campo”, completou Tatto.

Brenda Brito reconheceu a importância da regularização fundiária para garantir segurança jurídica no campo, reduzir os conflitos e gerar desenvolvimento, mas reforçou que as leis e as práticas fundiárias devem estar compatíveis com as leis ambientais e com os objetivos de redução do desmatamento. “Do contrário, teremos leis que acabam por estimular a contínua invasão e o desmatamento, visando a obtenção de propriedade”, afirmou. Brenda sustentou que os dois projetos de lei não trazem contribuições para combater a grilagem de terras de forma concreta, e criticou a falta de abordagem quanto a não exigência de vistorias em áreas com sobreposições identificadas, como também da proibição de titulação de áreas que mesmo ocupadas dentro do marco legal, continuam a ser desmatadas de forma ilegal, sem ao menos exigir um termo de compromisso no sentido de combater o desmatamento.

Paulo Freire pautou sua fala na necessidade de desmistificação da regularização fundiária como instrumento de segurança jurídica, afirmando que esta “historicamente contribuiu para a concentração fundiária e não para a realização de uma reforma agrária que realmente democratize o acesso à terra e a alimentos saudáveis para a população brasileira”.

Já o professor Raoni sustentou que o argumento de que a titulação reduz o desmatamento não se verifica, e trouxe dados que demonstram que a titulação da terra, seguida de incentivos econômicos, facilitados pela segurança jurídica que a titulação possibilita, mas sem controle para que as melhorias sejam feitas dentro do regramento ambiental, ocorrerá o aumento do desmatamento, principal forma utilizada para aumentar a produtividade. Raoni ressaltou a importância de se acelerar o processo de titulação, mas que ele deve ser acompanhado de controles mais rígidos. Ele sugeriu, entre outros, que sejam mantidos os marcos temporais atuais, as salvaguardas ambientais, mapeamento das comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas, além do necessário avanço de um projeto de lei antigrilagem e de um pensar na destinação que será dada às unidades de conservação para evitar que elas sejam futuramente invadidas e desmatadas para acumulação de bens e lucros por particulares.

Dom José Ionilton manifestou o posicionamento da CPT de que os dois projetos de leis ora discutidos são prejudiciais para os pequenos agricultores, ribeirinhos e quilombolas, e, por isso, a entidade é contrária à aprovação. Ele disse também ser contrário ao projeto do licenciamento ambiental, aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados, e que tem, pelo menos, 13 tipos de atividades liberadas amplamente prejudiciais ao meio ambiente. Dom José manifestou a preocupação da entidade com “a paralisação da reforma agrária e a onda de mudanças na legislação para facilitar o acesso do poder econômico, do grande capital às terras”, e afirmou que se os dois projetos forem aprovados “a violência vai ser ampliada, porque traz prejuízos, principalmente para o pequeno proprietário, o camponês, aquele que vive a partir da terra que tem ou da terra que poderia conquistar, mas não consegue porque a Lei 11952/2009, que lhes favorece, não está sendo aplicada”, criticou.

O moderador, procurador Julio Araújo, questionou entre outros, o fato de que não tenha tido lugar no Parlamento um debate acerca do acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU), que constatou uma série de problemas no programa Terra Legal da Amazônia até 2017, como renúncias ao patrimônio público, risco de grilagem e problemas ambientais. Ele criticou o fato de que ao invés de se discutir esses problemas, “estejamos acelerando ou flexibilizando os mecanismos de regularização”.

Acompanhe aqui todos os detalhes desse debate.

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