Destruição de muro centenário e vestígios pré-coloniais aconteceu na comunidade rural Ponte das Almorreimas
Larissa Costa, Brasil de Fato
A Polícia Federal (PF) está investigando se a Vale é responsável pela destruição de sítio arqueológico em Ponte das Almorreimas, comunidade rural de Brumadinho, em Minas Gerais.
Segundo informações do Ministério Público Federal, que acompanhou o caso em dezembro de 2019, foram instaurados um inquérito civil e um procedimento criminal, ambos ainda em andamento. Em razão disso, o MPF não quis comentar o caso e a PF não informou mais detalhes sobre os processos.
Apesar de ser público que algumas pessoas já foram ouvidas pela polícia, Cláudia Saraiva, moradora de Pontes das Almorreimas, conta que até hoje não foi chamada e não teve retorno das denúncias que a comissão de atingidos, junto com a Arquidiocese de Belo Horizonte, fizeram sobre o caso.
“Eu não sei em que pé está isso, porque eu nunca fui chamada para depor e contar o meu lado da história. A Vale contou o lado dela da história. Se a gente não tivesse denunciado, se a gente não tivesse visto, ia ser mais uma violação sem reparação, porque não há como reparar um muro, assim como não há formas de reparar as vidas que foram tiradas de nós”, aponta.
Parte do terreno onde estão sendo realizadas as obras era de propriedade da família de Cláudia.
Entenda o caso
Às vésperas do Natal de 2019, moradores de Ponte das Almorreimas – comunidade onde vivem cerca de 200 famílias – descobriram por acaso que um seguimento de muro de pedras centenário, localizado no entorno da Capela São Vicente de Paulo, tinha sido destruído durante obras para construção da nova captação de água no Rio Paraopeba.
De acordo com Termo de Compromisso assinado pelo Ministério Público de Minas Gerais, Estado de Minas Gerais, Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), Vale e a empresa de auditoria Aecom, a mineradora ficou obrigada a custear a nova construção de uma captação de água do Rio Paraopeba, já que a lama inviabilizou a estrutura que garantia 30% do abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
As obraspara a nova captação, 2,3 km acima do local contaminado pela lama – em Ponte das Almorreimas – tiraram o sossego da comunidade, que também convive com duas fazendas da Vale: Fazenda Abrigo de Fauna, para onde foram destinados animais de pequeno a grande porte resgatados após o rompimento, e a Fazenda Lajinha, onde são depositados os rejeitos tóxicos retirados do Rio Paraopeba.
A destruição aconteceu na construção de novo ponto de captação de água do Rio Paraopeba. Nenhuma dessas intervenções contou com a participação dos atingidos nas decisões. “A Vale não nos falou em nenhuma das reuniões que ia afetar o muro”, afirma Claudia.
“Um dia a gente resolveu passar perto da igreja, porque tinha muita terra removida, e quando cheguei lá, me deparei com o muro no chão”, completa.
Além do muro de pedras, o maquinário passou em uma área ao lado que possuía diversos vestígios arqueológicos, como pedaços de cerâmicas, que indicam ocupação pré-colonial.
A constatação da destruição do sítio arqueológico foi realizada pela arqueóloga Alenice Motta Baeta em laudoredigido, ainda em dezembro de 2019, a pedido da comunidade e da Arquidiocese.
Segundo o documento, o Sítio Arqueológico Ponte das Amorreimas é considerado “multicomponencial”, pois possui indícios de momentos culturais distintos, tanto vestígios de assentamento pré-colonial quanto conjuntos de muros de alvenaria, tecnologia construtiva típica dos períodos colonial e imperial.
Iphan paralisou obra
À época, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) foi comunicado, e as obras chegaram a ser paralisadas, mas imediatamente a técnica responsável foi retirada do cargo. Seu substituto autorizou a retomada das obras.
“A gente está mostrando que a coisa é muito mais complexa e que não era só um segmento de muro amputado de um conjunto maior. Mas que também no terreno ao lado tinha um sítio pré-colonial importante, que mereceria uma pesquisa detalhada de salvamento, dentro de um tempo, um cronograma de pesquisa detalhada, segundo a lei”, explica Alenice.
Segundo o laudo elaborado por ela, a “comunidade local não foi procurada para conversar a respeito da história do conjunto de muros ou qualquer outro tipo de patrimônio cultural na região” e “não houve nenhum estudo no âmbito histórico-cultural no local já sacrificado pela obra”.
Legislação
No Brasil há um arcabouço legal que protege sítios arqueológicos, que são considerados pela Constituição Federal como bens da União. Além disso, os sítios arqueológicos pré-coloniais e históricos são protegidos pela Lei Federal nº 3.924 de 1961, que é o principal instrumento de salvaguarda e de proteção específica desse tipo de bem cultural no país.
Segundo o artigo 5º dessa norma, qualquer ato que cause a destruição ou mutilação de monumentos arqueológicos ou pré-históricos de qualquer natureza existentes no território nacional e todos os elementos que neles se encontram será considerado crime contra o patrimônio nacional.
O Iphan e a Vale foram procurados para comentar o caso, mas ambos não responderam até o fechamento desta matéria.
Edição: Rebeca Cavalcante e Elis Almeida
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Imagem: Foto mostra pedras do muro, parte do sítio arqueológico, já no chão – Foto: Reprodução de vídeo / Frei Gilvander