Representante da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR) alertou que é necessário fortalecer o Incra e a Fundação Palmares
Procuradoria-Geral da República
O Ministério Público Federal (MPF) participou, na manhã desta sexta-feira (21), de audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir políticas públicas em defesa dos povos quilombolas do Brasil. O evento teve como foco as recomendações feitas por diversos países integrantes da Organização das Nações Unidas (ONU) voltadas à proteção das comunidades tradicionais no âmbito do Observatório Parlamentar da Revisão Periódica Universal (RPU), uma parceria entre a Câmara dos Deputados e o Alto Comissariado das Nações Unidas. O evento virtual foi promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
O procurador da República Leandro Mitidieri, representante da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR) no evento, alertou para a situação preocupante em que se encontram as comunidades quilombolas no país. Ele afirmou que é imprescindível que seja retomado o regular processo de reconhecimento e titulação das terras desses povos. De acordo com o procurador, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Cultural Palmares, responsáveis pelo reconhecimento e titulação dos territórios tradicionais, operam em situação precária, com déficit de servidores capacitados e orçamento insuficiente para o cumprimento de suas funções institucionais.
Leandro Mitidieri ressaltou que o número de certificações de territórios quilombolas no atual governo é o menor já registrado desde 2004, tendo havido apenas uma titulação desde 2018, a do território Rio dos Macacos. Relatou também que os setores que lidam com a temática quilombola vêm perdendo suas estruturas, com a consequente paralisação dos processos de titulação. “Temos processos com decreto para desapropriação de terras quilombolas parados sem os recursos pra seguir em frente. O quadro já é insuficiente no atendimento a essa população, com notório descumprimento das medidas de defesa e proteção garantidas constitucionalmente aos quilombolas”, sintetizou.
Bko Rodrigues, integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), afirmou que a política de acesso aos benefícios sociais por parte dos quilombolas é falha e somente o fornecimento de cestas básicas é insuficiente para sanar o problema da insegurança alimentar vivido por essas comunidades. De acordo com ele, muitos quilombolas não têm acesso a benefícios como o auxílio emergencial. Ele explicou que a plataforma para solicitação do benefício permite o cadastramento de uma pessoa por telefone, e muitos quilombolas sequer têm acesso à energia elétrica. Relatou também que grande parte dessa população não consegue se cadastrar no Cadastro Único (CadÚnico), necessário para o recebimento dos benefícios sociais.
Maira de Souza Moreira, representante da organização Terra de Direitos, apresentou dados que dão uma dimensão da situação dos quilombolas no Brasil. De acordo com ela, a população quilombola está quantificada atualmente em aproximadamente 5900 localidades identificadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e mais de 6500 comunidades informadas pela Conaq. Dessas, somente 5,4% encontram-se tituladas. Para ela, tais números demonstram um cenário de descumprimento dos preceitos constitucionais de defesa dos povos tradicionais, bem como dos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, a exemplo da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Recomendações – Entre as recomendações enviadas por outros países ao Brasil estão realizar uma reforma legislativa específica para fortalecer as medidas contra a discriminação baseada no gênero e na etnia (Uganda); assegurar o acesso igualitário de afro-brasileiros a políticas de redução da pobreza e programas de benefícios sociais como meios de proteção de seus direitos fundamentais (Botsuana); e reforçar as políticas relacionadas à luta contra a discriminação das crianças indígenas e afro-brasileiras e de outras pessoas em situações vulneráveis, a partir de uma perspectiva integral e intersetorial (Chile).
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Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil