Agentes citados pelo órgão como responsáveis pela segurança da comunidade estão, na verdade, a 150km do local ameaçado
por Martha Raquel, em Brasil de Fato
Após dez dias de ataques a tiros e bombas e ameaças diárias de garimpeiros contra indígenas Yanomami da comunidade Palimiu, em Roraima, a Fundação Nacional do Índio (Funai) disse em nota que mantém agentes no território fazendo a segurança permanente dos indígenas, informação que é desmentida pelos moradores do local, que já enviaram quatro pedidos de ajuda ao Exército e seguem sob ameaça.
“A Fundação presta apoio às forças de segurança no local e mantém diálogo permanente com a comunidade. Cumpre ressaltar que o órgão vem mantendo equipes de forma ininterrupta dentro da Terra Indígena, por meio de suas Bases de Proteção Etnoambiental (BAPEs)”, diz trecho do documento.
Não é o que informam os indígenas da comunidade. Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), explica que a única medida tomada até o momento pelas autoridades competentes foi o envio de agentes da Polícia Federal para uma breve visita, no último dia 11. “Os policiais estiveram na comunidade por três horas e depois deixaram o território”, relata o indígena.
Segundo a nota da Funai, a “A fundação conta com duas bases localizadas em pontos estratégicos da Terra Indígena Yanomami, que promovem ações contínuas e permanentes de vigilância, fiscalização e monitoramento territorial, a fim de combater ilícitos na região e impedir a entrada de não indígenas nas aldeias, sendo fundamentais para a gestão e proteção da área e para a segurança das comunidades locais”.
A nota não explica, porém, como teria sido então possível a série de ataques – que foram registrados inclusive por vídeo – de que foi vítima a comunidade nos últimos dias.
Garimpeiros jogaram bombas de gás lacrimogêneo e alvejaram comunidade
A base mais próxima da comunidade do Palimiu é a Base Awaris, do Exército Brasileiro, que fica a 150 quilômetros do local. Em tamanha distância, o transporte dos pelotões só é realizado por via aérea, o que não aconteceu até o momento.
Questionada, a Funai disse que não pode informar a que distância essas bases ficam da comunidade, mas garante que está realizando a segurança dos indígenas.
“A Funai está mentindo”, resume Dário Kopenawa. “Não tem segurança permanente. Também não tem Polícia Federal. O Exército tem uma grande dificuldade para chegar porque eles não têm transporte, não têm tropas, não têm avião pra chegar lá, é uma dificuldade imensa”, explica Dário Kopenawa.
“Hoje, os Yanomami, as crianças, as mulheres, estão vulneráveis, correndo riscos ainda. Hoje, neste momento, não tem segurança para os Yanomami, não tem, não tem a presença da Polícia Federal, não tem a presença do Exército, da FUNAI, não tem, do IBAMA também não tem. Então, esses órgão públicos, eles estão respondendo ao contrário, estamos abandonados”, explica.
Justiça já mandou o governo prover segurança
Com base em pedido do Ministério Público Federal em Roraima (MPF-RR), a Justiça Federal determinou, na última sexta-feira (14), que a União mantenha efetivo armado de forma permanente na comunidade Palimiu, para evitar novos conflitos e garantir a segurança de seus integrantes.
Na decisão, foi estabelecido prazo de 24 horas para que a União informasse e comprovasse nos autos o envio de tropa para a comunidade, sob pena de multa a ser fixada. Também foi determinada à Fundação Nacional do Índio (Funai) que auxilie as forças de segurança no contato com os indígenas e no gerenciamento das relações interculturais.
O pedido foi feito pelo Ministério Público Federal (MPF) no último dia 12, em ação civil pública ajuizada no ano passado, em que já solicitava a total desintrusão de garimpeiros na região.
Se, na prática, os indígenas percebem que a decisão da Justiça não foi cumprida, ao Brasil de Fato, por meio de nota, o Ministério da Defesa garante que atendeu integralmente ao mando judicial. Diz que respondeu prontamente quanto ao envio de tropas para a região e ao apoio à Polícia Federal. E que tem colaborado com as ações necessárias ao cumprimento da decisão judicial. Além disso, afirma que as Forças Armadas permanecem em condições de “executar as missões institucionais previstas na legislação vigente”.
“Quem segura a onda lá são os próprios guerreiros, que estão se defendendo lá. O Estado brasileiro não está presente. O governo federal não se posicionou”, reafirma o vice-presidente da Hutukara.
Ele explica que há bases de proteção na Terra Indígena Yanomami, mas que as distâncias e o baixo pessoal empregado nessas missões, impedem que a segurança dos Palimiu seja garantida. A Terra Indígena Yanomami tem quase 10 mil km².
O medo como rotina
Com dez dias de ataques frequentes, a comunidade Palimiu está sob alerta o tempo todo. Os indígenas estão enfrentando o luto através da luta. Na última semana, duas crianças, de um e cinco anos, morreram afogadas no rio Uriracoera, enquanto a de cinco carregava a de um em seu colo, em fuga desesperada dos disparos, quando acabaram por se separar dos adultos e perder suas vidas nas águas.
“Continua tudo muito tenso. Todos os dias os invasores estão fazendo uma intimidação. Todo dia eles sobem e descem o rio nos ameaçando. Estamos tristes, de luto e muito expostos”, finaliza Kopenawa.
Edição: Vinícius Segalla
–
Sob ataque e sem segurança estatal, indígenas tentam eles mesmos garantir sua integridade física contra tiros e bombas de garimpeiros – Victor Moriyama