Seminário debateu produção e consumo de fitoterápicos

Bel Levy, ArticulaFito, na Agência Fiocruz de Notícias

Novos modos de produção e consumo de fitoterápicos, cosméticos e alimentos obtidos a partir de plantas medicinais, aromáticas, condimentares e alimentícias foram o mote do seminário on-line Cadeias de valor em plantas medicinais e a Agenda 2030: contribuições da sociobiodiversidade para reflexão sobre novos modelos de produção para a preservação da vida e da saúde no planeta, realizado em 24 de maio e disponível na íntegra aqui. Com transmissão ao vivo pelo canal da VideoSaude Distribuidora da Fiocruz no YouTube, o evento divulgou os resultados do projeto ArticulaFito − Cadeias de Valor em Plantas Medicinais, iniciativa conjunta da Fiocruz com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) que é o maior diagnóstico já feito no Brasil sobre o potencial produtivo dessas espécies.

“Mapeamos 26 produtos oriundos de cadeias de valor em plantas medicinais, aromáticas, condimentares e alimentícias nos biomas Amazônia, Caatinga, Mata Atlântica e Cerrado, nas regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste. Esses sistemas produtivos são protagonizados por agricultores familiares, povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais que movimentam uma economia que não é apenas monetária, mas também social, ambiental, cultural e participativa − o que chamamos de cadeia de valor. Os resultados nos mostram as potencialidades dessas cadeias de valor, os seus problemas e quais são as alternativas para o enfrentamento das dificuldades e o aproveitamento das oportunidades”, resumiu  a coordenadora técnica e executiva do ArticulaFito, Joseane Carvalho Costa, que é professora da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).

Na abertura do evento, o coordenador de Relações Institucionais da Presidência da Fiocruz, Valcler Rangel, e o secretário de Agricultura Familiar e Cooperativismo do Mapa, Fernando Schwanke, destacaram as contribuições das cadeias de valor em plantas medicinais, aromáticas, condimentares e alimentícias para a promoção da saúde e o desenvolvimento sustentável. “A pandemia que vivemos hoje é resultado da sinergia de uma série de fatores. O vírus é um deles. Outros, tão importantes quanto o patógeno, são a desigualdade que caracteriza a nossa sociedade e a convivência desarmônica entre humanos, demais seres vivos e a floresta. Para superar essa crise sistêmica precisamos de novas sinergias − disso trata a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Como mostram os resultados do mapeamento realizado pelo ArticulaFito, valorizar os produtos da sociobiodiversidade, incentivar a agricultura familiar, proteger e respeitar povos indígenas e comunidades tradicionais, que são os grandes protetores de nossos biomas, são passos fundamentais nesse. caminho”, apontou Rangel.

“O modelo proposto pelas cadeias de valor representa uma grande oportunidade para o desenvolvimento nacional. Um exemplo dessa potência está nos óleos vegetais. Hoje o Brasil é um grande importador desses produtos, mas a agricultura familiar pode se tornar um ator importante neste mercado, gerando emprego, renda e desenvolvimento local”, complementou Schwanke.

Uso sustentável da sociobiodiversidade

Moderado pela diretora do Planeta Orgânico, Maria Beatriz Martins Costa, o painel Estratégias para Uso Sustentável da Sociobiodiversidade discutiu a integração entre conhecimento científico e saberes tradicionais. “Este é o verdadeiro soft power do Brasil, que é contrário à guerra e à destruição”, sentenciou. Em sua apresentação, Joseane ressaltou que um dos objetivos do mapeamento é fazer com que todos os atores que participam de alguma forma dessas cadeias de valor − desde os produtores até os consumidores finais − conheçam e valorizem cada uma das etapas de produção. “Quando alguém consome um óleo de castanha em uma clínica de estética, por exemplo, precisa saber o quanto esse produto está embutido de desigualdades, de exploração de trabalho. É uma virada no modo como se consome”, explicou. 

A diretora de projetos Agência de Cooperação Técnica Alemã para o Desenvolvimento Sustentável (GIZ, em alemão), Tatiana Balzon, apresentou o conceito de cadeias de valor, ressaltou a importância de todos os atores que participam do processo produtivo e explicou a metodologia Value Links, desenvolvida pela GIZ e aplicada pela primeira vez ao contexto de plantas medicinais, aromáticas, condimentares e alimentícias nos mapeamentos realizados pelo ArticulaFito. Com a força de quem luta junto a outras mulheres pela preservação da natureza e pela equidade de gênero, Claudelice Silva compartilhou a trajetória do Grupo de Trabalhadoras Artesanais e Extrativistas (GTAE), que está na base produtiva da cadeia de valor do óleo de andiroba, mapeada pelo ArticulaFito.

“Todas as atividades que envolvem nosso grupo de mulheres são muito importantes para nós. Estamos no comércio local, gerando renda para a comunidade e contribuindo com o desenvolvimento local.  Tudo isso é um grande avanço. Mas não vamos perder nosso lugar, o nosso pé no chão e o nosso território. Sempre pensamos no que podemos pela nossa biodiversidade, para continuar com as andirobeiras, com as castanheiras e com os cupuaçuzeiros em pé”, afirmou Claudelice.

Agricultura familiar e desenvolvimento sustentável

O painel Agricultura Familiar e Desenvolvimento Sustentável, moderado pelo assessor de Relações Interinstitucionais da Presidência da Fiocruz, Valber Frutuoso, recebeu o coordenador-geral de Extrativismo na Secretaria de Agricultura Familiar do Mapa, Marco Aurélio Pavarino; o coordenador do Programa Biodiversidade e Saúde do Fórum Itaboraí, da Fiocruz Petrópolis, Sérgio da Silva Monteiro; e a responsável pelo Centro Popular de Saúde Yanten, no oeste do Paraná, Teolide Parizotto. “O uso da biodiversidade brasileira sempre esteve muito relacionado à agricultura familiar. Por essa relação, observamos conexões entre o desenvolvimento regional e a sociobiodiversidade, formulando um quebra-cabeças com aspectos como território, biodiversidade, presença de agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais com todo seu conhecimento tradicional e o mercado”, apontou Pavarino, que também abordou políticas públicas e oportunidades de desenvolvimento por meio da agricultura familiar e fez um retrato da modalidade hoje no Brasil.

Monteiro e Teolide compartilharam suas experiências, respectivamente, com guaco e espinheira santa − plantas medicinais que dão origem a chás e extratos secos mapeados pelo ArticulaFito como promissoras cadeias de valor oriundas da agricultura familiar. A partir de sua vivência com o projeto Arranjo Produtivo Local de Petrópolis, Monteiro descreveu o dia a dia de uma cadeia de valor, desde a identificação correta da planta até os processos de comercialização dos produtos. E Teolide enfatizou a relação desses produtos com o Sistema Único de Saúde (SUS). “A partir das plantas medicinais cultivadas por agricultores familiares, produzimos fitoterápicos que são utilizados nas unidades de saúde do SUS. Contribuímos com a geração de renda para agricultura familiar e, assim, agregamos valores sociais, culturais e ambientais aos nossos produtos”, comentou a responsável pelo Centro Popular de Saúde Yanten.

Floresta em pé

Povos indígenas e comunidades tradicionais são, reconhecidamente, os principais guardiões do planeta Terra. As cadeias de valor da amêndoa da castanha do Pará, do óleo extravirgem e farinha de coco babaçu e da manteiga de tucumã evidenciam como a produção de fitoterápicos, cosméticos e alimentos a partir de espécies vegetais pode contribuir com a preservação e a restauração de ecossistemas. A experiência do povo indígena gavião akrãtikatêjêda na produção de castanha do pará e do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) integraram o terceiro e último painel, Saúde e Sustentabilidade: a visão de povos e comunidades tradicionais. Responsável pela moderação da roda de conversa, Joseane apresentou a cadeia de valor da manteiga de tucumã, mapeada em uma comunidade quilombola de Salvaterra, na Ilha de Marajó.

Penpkoti Akrãtikatêjêda, filho da cacica Kátia Silene, do povo gavião akrãtikatêjêda, representou a cadeia de valor da amêndoa da castanha do Pará. “Não temos como nos desvincular da globalização, então estamos sempre nos atualizando, mas sem nos deixar levar por esse novo mundo. Hoje buscamos nossa gestão financeira, criamos uma cooperativa e continuamos trabalhando de acordo com nossa tradição e nossos valores, sempre em prol da comunidade”, contou.

A extrativista Cledeneuza Maria de Oliveira, do MIQCB, explicou todo o processo de coleta e beneficiamento do babaçu e enfatizou a luta das comunidades tradicionais pela preservação da floresta amazônica. “Doía o coração quando a gente sentia a queda de uma palmeira chorando. E hoje dói o coração quando a gente sente a destruição dos babaçuais pelo veneno: as árvores murchando, se acabando, até chegar no tronco. Este é o nosso meio de sobrevivência.  E nós não podemos fazer nada, porque os donos das terras é que estão mandando. Todos que se levantam contra essa realidade são calados, mortos, como Zé Cláudio e Maria”, denunciou, em referência ao assassinato do casal de extrativistas, que completa 10 anos em 2021. “Pensam eles que calaram os dois e acabou. Mas tudo isso só aumenta em nós o fervor, a força, a coragem, a fé e a compreensão de não deixar quieto, de lutar por esse planeta que está chorando” concluiu.

Imagem: Babosa: usada no combate à caspa, aos piolhos e às lêndeas. Há testes sobre seus efeitos no tratamento de inflamações e queimaduras – Foto: Paula Cavalcanti

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