Por Leila Salim e Maíra Mathias, em Outra Saúde
VETO PRÓ-MERCADO
Venceu o lobby das operadoras privadas. Bolsonaro vetou, na noite de ontem, o projeto de lei que obrigava os planos de saúde a garantirem cobertura para tratamentos domiciliares de pacientes com câncer. De autoria do senador Reguffe (Podemos-DF), o PL havia sido aprovado por ampla maioria no Congresso e aguardava sanção presidencial desde o início do mês.
A medida previa a incorporação, pelos planos, de 23 novos medicamentos orais para tratamento do câncer, incluindo quimioterápicos e também aqueles usados para controle de efeitos colaterais. Além disso, obrigava as empresas a disponibilizar os medicamentos e tratamentos aos pacientes em até 48 horas após a emissão de receita médica, de maneira fracionada ou de acordo com os ciclos de tratamento adotados.
Os pacientes passariam a ter acesso a remédios não previstos na cobertura oferecida pelos planos. Além da prescrição médica, seria obrigatório somente que os medicamentos já estivessem aprovados pela Anvisa, sendo descartada a etapa de análise da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para inclusão dos tratamentos no rol de coberturas previstas pelos convênios médicos.
A reação do mercado veio logo após a aprovação do PL, como relata O Globo. O presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Renato Casarotti, enviou ofício ao Ministério da Saúde defendendo o veto integral ao projeto. Não surpreende que os argumentos formulados pela Abramge coincidam com aqueles apresentados pelo governo para justificar o veto.
A Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência apontou que a medida impactaria financeiramente o mercado e, assim, resultaria em “inevitável repasse” dos custos para os consumidores. Mexer no lucro das operadoras, como de costume, parece estar fora de cogitação.
Além disso, o órgão argumentou que, sem a avaliação técnica da ANS, a incorporação dos novos medicamentos e tratamentos à lista de coberturas obrigatórias iria “contrariar o interesse público por deixar de levar em conta aspectos como a previsibilidade, transparência e segurança jurídica aos atores do mercado e toda a sociedade civil”.
A FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) que representa gigantes do mercado dos planos, soltou ontem mesmo uma nota celebrando o veto. Já a relatora do PL na Câmara, a deputada Silvia Cristina (PDT-RO), lamentou a decisão do governo, argumentando que a medida seria imprescindível para “dezenas de milhares de brasileiros que, mensalmente, gastam considerável parte do seu orçamento para garantir um plano de saúde”.
‘ESTAMOS COMEÇANDO A ESTUDAR’
O Ministério da Saúde ficou quase uma semana sem realizar entrega de vacinas a estados e municípios. E o que não faltou no nível central foi imunizante: entre segunda-feira da semana passada e ontem, a pasta recebeu 16 milhões de doses, sendo 6,2 milhões da Pfizer, 4,8 milhões da AstraZeneca e 5 milhões de CoronaVac.
Mas nenhuma delas foi distribuída até a manhã de ontem, e a falta de vacinas obrigou pelo menos nove capitais a suspenderem a aplicação da primeira dose da vacina contra a covid-19. Aconteceu em Belém, Natal, Maceió, João Pessoa, Salvador, Vitória, Rio, Florianópolis e Campo Grande.
Segundo o Estadão, a última remessa federal de vacinas havia ocorrido na terça-feira passada, com doses que tinham sido entregues na semana anterior.
“O senso de urgência do Ministério da Saúde chega a impressionar. Depois do dia todo cobrando a pauta de distribuição de parte das vacinas estocadas, recebemos a previsão de entrega de pouca quantidade na terça, dia 27, e a maior quantidade na quarta, dia 28. Estamos falando de vidas!”, escreveu o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), nas redes sociais.
“Ministério da Saúde tem 16 milhões de vacinas paradas em estoque e centenas de brasileiros morrendo diariamente por falta de vacinas. Vergonhosa essa falta de gestão e senso de urgência”, disparou por sua vez o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tentou negar o problema: “Não há estoque de vacina. O que há é que quando as vacinas chegam no aeroporto elas precisam ser avaliadas pela chancela da Anvisa. Segundo, precisa passar pelo controle do INCQS [unidade da Fiocruz responsável pelo controle de qualidade de imunobiológicos]. Também tem a questão da Receita Federal. Depois, o PNI [Programa Nacional de Imunizações] prepara as pautas. E essas vacinas são enviadas”.
Mas o secretário-executivo da pasta admitiu que há uma defasagem na estratégia do ministério. Segundo Rodrigo Cruz, o de aplicação de doses em algumas capitais está “acelerado” e a pasta avalia mudanças nas entregas para tentar evitar falta de doses. “Estamos começando a estudar com o DLOG [departamento de logística] a possibilidade de que, dado que o ritmo está acelerado, em vez fazer uma entrega semanal fazermos duas entregas semanais, para garantir que não falte na ponta a vacina”, disse.
OUTRA VEZ O INTERVALO
Seguem as idas e vindas na discussão sobre o intervalo a ser adotado para a vacinação com o imunizante da Pfizer no Brasil. Ontem, Marcelo Queiroga declarou à coluna de Mônica Bergamo que é “muito provável” o anúncio oficial da redução do intervalo atualmente praticado, de três meses para 21 dias.
A verdade é que o prazo de 21 dias é o previsto na bula do imunizante, mas considerando a reduzida oferta de vacinas, o ministério havia decidido ampliar o intervalo para conseguir aplicar a primeira dose em um número maior de brasileiros. A mesma conta foi feita quanto à vacina da AstraZeneca, quando se decidiu que o intervalo praticado seria de 12, e não de oito semanas.
Mas, no caso da AstraZeneca, o prazo de três meses, que deve ser mantido, é mesmo o previsto pela farmacêutica como o ideal para a eficácia da vacina. Já a Pfizer lembrou, através de sua assessoria no Brasil, que a segurança e eficácia do imunizante foram avaliados apenas no esquema de dosagem com intervalo de 21 dias.
Queiroga declarou ainda que, mesmo mantido o cronograma atual de entregas da Pfizer, sem antecipação na remessa de doses, a redução do intervalo já seria possível. A mudança só dependeria da capacidade logística para distribuição dos imunizantes, que como se viu não é das melhores. A palavra final, segundo o ministro, caberá aos técnicos do Programa Nacional de Imunizações, que já estariam discutindo o assunto.
De acordo com o atual contrato, a Pfizer deverá entregar mais 170 milhões de doses ao Brasil até dezembro.
SAI COVAXIN
Agora é definitivo. A Anvisa cancelou ontem a realização de testes clínicos da Covaxin, a vacina desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech que entrou na mira das investigações da CPI depois das denúncias de irregularidades nos contratos firmados pela intermediária Precisa Medicamentos.
A decisão foi tomada após a empresa indiana anunciar, na última sexta, o fim do acordo com a Precisa, que era a responsável pelo pedido para os testes clínicos da Covaxin no Brasil. Na própria sexta, a Anvisa já havia declarado a suspensão temporária dos estudos.
Ontem, em nota, a agência afirmou que a decisão definitiva foi tomada “após avaliação técnica de que o fim da autorização da empresa Precisa para representar a vacina no país inviabiliza o cumprimento da norma que trata da condução dos estudos clínicos”. Participariam dos testes, que seriam conduzidos pelo Albert Einstein, 4,5 mil voluntários.
ENTRA SINOPHARM?
Também ontem, a Anvisa recebeu solicitação de autorização temporária de uso emergencial para vacina da empresa chinesa Sinopharm. O pedido foi apresentado pela empresa Blau Farmacêutica, que representa a estatal no Brasil. Produzido a partir de vírus inativado, o imunizante da Sinopharm é aplicado em duas doses com intervalo que vai de três a quatro semanas.
Argentina, Peru, Emirados Árabes, Egito e China já realizaram estudos clínicos da vacina, que, em maio, foi aprovada para uso emergencial pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A eficácia estimada da Sinopharm, primeira vacina chinesa a ser aprovada pela OMS, foi de 79% para todas as faixas etárias combinadas.
A Anvisa tem de sete a 30 dias para analisar o pedido e declarou que deve usar as primeiras 24 horas para fazer uma triagem dos documentos enviados.
NO RASCUNHO
Lembra do plano de testagem em massa contra a covid-19 prometido por Marcelo Queiroga? A ideia era fazer entre 10,7 milhões e 26,6 milhões de testes por mês, sendo a maior parte deles de antígeno, que ficam no meio do caminho entre o PCR e o sorológico em termos de precisão.
Dois meses depois de anunciado o plano ainda não saiu do papel. E, bem, na verdade sequer está no papel direito. Segundo a Folha, o martelo sobre o total de testes que precisa ser comprado “passou a ser revisto” depois da criação da Secretaria de Enfrentamento à Covid.
Além disso, falta discutir “questões operacionais”, tenta justificar o secretário-executivo da pasta, Rodrigo Cruz: “Por exemplo: se fez o teste de antígeno e deu positivo, vai dar um laudo? Pedir que baixe aplicativo para ver o resultado? Não basta só testar, é importante ter um fluxograma do que fazer se testou positivo”.
De acordo com a reportagem da Folha, há outros dois problemas. O investimento é estimado em R$ 1,2 bilhão, e faltam R$ 400 milhões para fechar a conta. Os recursos foram pedidos pela Saúde ao Ministério da Economia durante uma reunião. Procurada pelo jornal, a pasta comandada por Paulo Guedes respondeu que “só se manifesta sobre propostas formalizadas e definidas”.
O segundo entrave apontado pela matéria é quase um pedido de ajuda: “o temor de técnicos em encaminhar processos de compra em meio às investigações da CPI”. A confiança de que as aquisições serão encaminhadas com lisura pelas autoridades responsáveis parece ter ido para as cucuias.
NA CONTA DE BRAGA NETTO
Em março de 2020, Jair Bolsonaro resolveu esvaziar o protagonismo do Ministério da Saúde no combate à pandemia e deu à Casa Civil, então sob o comando do general Braga Netto, a tarefa de coordenar um recém-criado comitê de crise para supervisionar e monitorar os impactos da covid-19 no Brasil. Esse comitê ganhou um centro de coordenação de operações, também vinculado à Casa Civil. Agora, o TCU constata o óbvio a respeito dessa manobra: não adiantou.
Para o Tribunal, houve “omissão” e “hesitação” do governo federal em assumir protagonismo no combate à pandemia. E os núcleos “não vem exercendo a contento” suas atribuições de planejamento central para elaborar cenários, identificar riscos e estabelecer ações.
Um exemplo que aparece no processo tem a ver com o drama de falta de leitos, que se arrastou por meses. Era de se esperar que a estrutura criada para monitorar monitorasse o número de vagas Brasil afora. Ao prestar informações ao TCU, o comitê alegou que se tratava de uma atribuição do Ministério da Saúde, como se não tivesse nada com o assunto.
Diante desse quadro, o TCU sugere que o Congresso Nacional debata medidas legislativas que possam melhorar o planejamento para futuras crises.
Falando em TCU, a Diretoria de Fiscalização do Planejamento e do Orçamento Governamental do tribunal soltou um parecer sugerindo a necessidade de colocar lupa sobre os gastos de verbas para o combate à pandemia feitos pelo Ministério da Defesa – agora sob o comando do mesmo Braga Netto…
A pulga foi colocada atrás da orelha do TCU por um relatório elaborado pela procuradora Élida Graziane, do Ministério Público de Contas de São Paulo. Ela aponta que recursos do SUS podem ter bancado despesas ordinárias das Forças Armadas. Gastos como R$ 1 milhão com uniformes, R$ 5,99 milhões com energia elétrica, água e esgoto, gás e serviços domésticos e R$ 6,2 milhões com a manutenção e a conservação de bens imóveis despertam a atenção. Há outros mais graúdos que apareceram antes por aqui: R$ 100 milhões foram para despesas médico-hospitalares com materiais e serviços em hospitais militares “sem que se tenha prova de que foram gastos em benefício da população em geral, ao invés de apenas atender aos hospitais militares, os quais se recusaram a ceder leitos para tratamento de pacientes civis com covid-19”, aponta o relatório.
NA PRÓXIMA SEMANA
A cúpula da CPI definiu no domingo que privilegiará as negociações de compra de vacina pelo governo federal na retomada dos trabalhos após o recesso parlamentar, com foco na atuação da Precisa Medicamentos e da Davati Medical Supply. Nesse sentido, a comissão quer ouvir o reverendo Amilton Gomes de Paula, em 3 de agosto; o sócio da Precisa Francisco Maximiano, em 4 de agosto; e o advogado e representante da empresa Túlio Silveira, em 5 de agosto. Na semana seguinte, a expectativa é ouvir o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), no dia 12.