Governo de MG trabalha para liberar patrimônio verde da Grande BH para a atividade mineradora

Para ambientalista, solução é tombamento estadual, mas governo de Minas se põe contra medidas de proteção ambiental

Larissa Costa, Brasil de Fato

A Serra do Curral, símbolo histórico e cultural de Belo Horizonte, é visada há pelo menos 60 anos por empreendimentos imobiliários, como os condomínios de luxo e mansões do bairro de Mangabeiras, e por mineradoras, como mais recentemente o megaprojeto da Taquaril Mineração S.A (Tamisa).

A população resiste e se organiza pela proteção integral da área verde, para garantir, além da paisagem, a rica biodiversidade e as diversas nascentes que abastecem a Região Metropolitana.

As últimas notícias desse conflito ambiental envolvem o pedido de revisão do dossiê produzido pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), documento que pede o tombamento estadual da Serra Curral. O pedido para a revisão do estudo foi anunciado, no último mês, por Leônidas Oliveira, secretário de Cultura e Turismo do governo estadual de Romeu Zema (Novo), em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Na ocasião, questionado pela deputada Beatriz Cerqueira (PT), o secretário relatou denúncias de “irregularidades no contrato” do dossiê que estabeleceu os limites para preservação, recuperação, de ocupação controlada e de entorno. Esse estudo feito pelo Iepha foi encomendado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MP-MG).

“Percebemos que o marco geográfico mais representativo da Região Metropolitana de BH não conta com uma proteção jurídica efetiva em toda a sua dimensão. Nova Lima e Sabará estão suscetíveis aos impactos da exploração mineral e da atividade imobiliária”, afirmou promotor Marcelo Maffra.

Histórico

A Serra do Curral foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na década de 1960 e, em 1991, foi tombada pelo município de Belo Horizonte.  No entanto, para Marcelo Maffra, esses tombamentos não estão sendo suficientes para garantir a preservação da área.

“O tombamento federal se restringe a pontos mais altos e inclinados, enquanto o municipal só abrange uma face da cadeia montanhosa”, explicou.

O tombamento deve ser votado no Conselho Estadual do Patrimônio Cultural (Conep), mas, com o pedido de revisão do dossiê feito pelo governo estadual, não há data prevista para discussão da pauta.

Enrolação do governo

Para Jeanine Oliveira, que é integrante do Movimento Mexeu com a Serra do Curral, Mexeu Comigo, o governo Zema está “enrolando” o processo de tombamento por ter seus interesses atrelados às mineradoras e às construtoras que vivem de especulação imobiliária. “Zema está esnobando o esforço que todos nós, em sociedade, fizemos. E ainda está dizendo que o documento não considerou coisas cruciais, como a questão econômica”, critica.

A ativista ambiental explica que o dossiê realizado pelo Iepha foi custeado com recursos de compensação ambiental. O documento contém 1.615 páginas, com informações históricas, culturais e naturais sobre a Serra do Curral, além do levantamento de diversos riscos que justificam seu tombamento imediato.

“A gente devia estar aumentando o nível de proteção ambiental ou até mesmo refazendo a natureza que já foi perdida, para ajudar a infiltrar água, ter comida e ar de qualidade, e ter a saúde das pessoas resguardadas. Mas não. Temos um governo totalmente na contramão disso”, completa.

A vereadora de Belo Horizonte Duda Salabert (PDT) interpreta a postura do governo de Romeu Zema como um “grande retrocesso”, pois descredibiliza o estudo técnico, além de corroborar com os interesses dos grupos econômicos em detrimento aos anseios da população.

“Se o governo não tombar a Serra do Curral no perímetro determinado pelo dossiê do Iepha, e ceder o espaço para a mineração e para a especulação imobiliária, Zema vai sepultar sua carreira política. Porque é inquestionável o interesse popular de tombamento estadual e de preservação integral da serra”, avalia a parlamentar.

Em abril deste ano, na Câmara Municipal de Belo Horizonte, aconteceu uma audiência pública para debater os diversos impactos sociais, ambientais e culturais do projeto da Tamisa na Serra do Curral. Representantes da mineradora não compareceram. 

A Secretaria de Cultura e Turismo foi procurada pela reportagem para se manifestar sobre o assunto e atualizar sobre o andamento do processo de análise do dossiê. No entanto, não respondeu à demanda.

Impactos diretos

A Tamisa pretende instalar o Complexo Minerário Serra do Taquaril a cerca de 500 metros de casas da comunidade Taquaril, na Região Leste de Belo Horizonte, e a 7 quilômetros do centro da capital mineira. Os impactos, portanto, vão além da destruição ambiental e descaracterização da paisagem histórica da Serra do Curral.

“Tem o barulho da mineração e dos maquinários operando 24 horas, a locomoção dos caminhões, as explosões que causam impactos não só sonoros, mas de trepidação das casas, podendo causar rachaduras em construções”, aponta Luiz Paulo Siqueira, do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Além disso, a poeira do empreendimento pode chegar ao centro de Belo Horizonte.

“A poeira intensa causa perda da qualidade de vida, o pessoal vai ter que viver de janela fechada, o que é muito comum nos municípios minerados, especialmente na época de estiagem. E com isso há uma sobrecarga do trabalho doméstico, que é conduzido majoritariamente pelas mulheres. E tem os problemas de saúde, que são gravíssimos, ou seja, doenças na pele, nos olhos e, principalmente, nas vias respiratórias”, avalia.

Mineração e crise hídrica

A Serra do Curral abriga nascentes que alimentam as bacias dos rios das Velhas e Paraopeba, os dois cursos d’água que garantem o abastecimento de água na Região Metropolitana de BH. Caso aprovado, o Complexo do Taquaril pode interferir diretamente na captação de Bela Fama, da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), em Nova Lima, responsável pelo abastecimento de cerca de 70% da população da capital e de 40% da RMBH.

De acordo com o Movimento Mexeu com a Serra do Curral, Mexeu Comigo, o empreendimento da Tamisa cruzará duas vezes com a adutora da Copasa. Além do impacto físico nas estruturas de captação, há a preocupação com a contaminação da água e com as erosões causadas pela mineração, que podem interferir na recarga do aquífero Cauê, principal reservatório de água subterrânea de todo o Quadrilátero Ferrífero.

Exploração de minério

O projeto apresentado pela Tamisa em janeiro 2020, que está em fase de licenciamento ambiental na Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), prevê abertura de três cavas que, segundo Luiz, vão gerar várias pilhas de estéreo – que são materiais que interessam comercialmente, como terra, rochas, vegetação etc. – e pilhas de rejeito. A proposta também conta com a abertura de estradas e linhas de transmissão.

Segundo Luiz, a intenção da Tamisa é explorar 30 milhões de toneladas de minério de ferro em duas fases. Na primeira, a empresa pretende explorar durante quatro anos, 1 milhão de toneladas por ano. Em seguida, haveria uma ampliação do complexo com a exploração de 3 milhões de toneladas de minério de ferro por ano durante nove anos. Nessa segunda fase, a empresa precisaria de “diques de contenção”, que, para Luiz, podem ser interpretados como barragens de rejeito.

Na Serra do Curral, além desse projeto, outros dois ameaçam a região. Um deles é da Fleurs Global Mineração e o outro é o projeto da Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra), que foi investigada em 2019 pela Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Municipal de BH, conduzida pelo então vereador Gilson Reis (PCdoB).

Manifestação popular

Um abaixo assinado em defesa da Serra do Curral está aberto e pode ser acessado neste link e outro pelo tombamento estadual, disponível neste link. Juntos, já contam com quase 100 mil assinaturas.

Edição: Rafaella Dotta

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