“Sem os povos indígenas, tradicionais, quilombolas e ribeirinhos nenhum país evitará o aquecimento global”, alerta Angela Mendes na ONU

Em declaração conjunta, Angela Mendes deu voz às denúncias de trinta e sete organizações durante a 48ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas

Cimi

Na manhã da última segunda-feira, 4 de outubro, em declaração conjunta de organizações indígenas, indigenistas, ambientalistas e de direitos humanos, Angela Mendes, filha do líder extrativista Chico Mendes, defendeu o reconhecimento do direito ao meio ambiente saudável e a criação de um mandato especial sobre mudanças climáticas e direitos humanos.

A manifestação foi realizada em Debate Geral, durante a 48ª sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas (ONU). Entre as organizações signatárias da Declaração Conjunta, estão: a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); a Collectif Alerte France Brésil / MD18; o Comitê Chico Mendes; o Conselho Indígena de Roraima (CIR); o Conselho Indigenista Missionário (CIMI); a Human Rights Watch; o Instituto Socioambiental (ISA); a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); a Plataforma Dhesca Brasil; a Terra de Direitos; e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).

O Debate Geral sobre o item 8 da agenda do CDH da ONU  visa o acompanhamento e implementação da Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993. As organizações que aderiram à declaração defenderam o reconhecimento do meio ambiente como um direito humano e a criação de um mandato especial sobre mudanças climáticas e direitos humanos.

Angela Mendes, representando também o Comitê Chico Mendes, afirma:

“A criação de um mandato especial sobre mudanças climáticas aproximará conceitos ainda distantes, como direitos, clima, conservação, gênero e participação igualitária, servindo de uma plataforma de empoderamento global dos setores mais afetados pela crise climática”, afirma.

Há experiências interamericanas que reconhecem o direito a um meio ambiente saudável, também reconhecido por 156 países, incluindo a Constituição do Brasil em termos individuais, coletivos e difusos.

A Opinião Consultiva nº 23 de 2017 (OC-23/17), destacado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), menciona o desenvolvimento do conceito e análise mais detida do direito ao meio ambiente saudável/equilibrado à luz da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), especificamente no art.26, combinado com o que prevê o art.11 do Protocolo de São Salvador, no tema de direitos econômicos, sociais e culturais.

Outra preocupação abordada foi sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), adotados durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em setembro de 2015. A agenda é composta por 17 objetivos e 169 metas a serem atingidos até 2030.

No Brasil, o papel ativo de povos indígenas, tradicionais, quilombolas e ribeirinhos na conservação da temperatura global, o que os classifica como agentes de mudança, são indispensáveis. “Sem os quais nenhum país alcançará os objetivos do desenvolvimento sustentável nem evitará o aquecimento global”, alertou Mendes.

Na oportunidade, também foi feito um chamado aos membros do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para que aprovem os respectivos projetos de resolução que serão apresentados ao fim desta 48ª sessão.

Posição do Governo brasileiro sobre o Tema de Racismo Ambiental

O representante do Governo brasileiro, durante o diálogo interativo com o Grupo de Trabalho sobre Afrodescendentes do Conselho, contestou o uso do termo “racismo ambiental”, pelas Organizações das Nações Unidas. O tema racismo ambiental era o foco do estudo desse GT na presente sessão. Em resposta ao GT, a delegação brasileira comentou:

“Notamos que o chamado racismo ambiental não é uma terminologia internacionalmente reconhecida”, desconversou o representante do Itamaraty. “Para o Brasil, a discussão sobre a relação entre problemas ambientais e questões sociais, como racismo, deve levar em consideração um enfoque equilibrado e integrado à dimensão social, econômica e ambiental”, completou.

Por sua vez, a ONU indicou que a “raça foi utilizada para normalizar a exploração e o descaso, abrindo oportunidades para gerar lucro às custas da vida, dos recursos e das terras das pessoas”, por meio do relatório que serviu de base para o Debate Geral na 48ª sessão do CDH da entidade. É importante lembrar que o relatório da ONU usa como exemplo de situação de racismo ambiental o caso das comunidades quilombolas no Brasil.

Assim como a ONU, o Cimi entende que o racismo é estrutural e, portanto, multifacetado em diversos âmbitos sociais. O racismo ambiental é um exemplo de como este tema não pode ser discutido de forma isolada, por se manifestar tanto nacional quanto internacionalmente. No Brasil, incide de forma direta sobre os territórios e na vida dos povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas e ribeirinhas.

O próprio marco temporal pode ser considerado no contexto de racismo ambiental, pois impede que os povos indígenas exerçam seus direitos fundamentais de sua maneira tradicional, em relação com a natureza e os recursos naturais adjacentes, os retirando o caráter fundamental de ancestralidade e limitando seus direitos a 1988.

A afirmação do governo brasileiro ocorre às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021, a COP-26, prevista para os dias 31 de outubro e 12 de novembro na cidade de Glasgow, na Escócia. Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), as lideranças irão levar temas como o marco temporal, demarcações dos territórios, o aumento do desmatamento no Brasil e a falta de políticas públicas de proteção aos territórios.

Confira a íntegra da Declaração Conjunta:

Declaração Conjunta, Debate Geral na 48ª sessão do CDH da ONU

Angela Mendes

Do Comitê Chico Mendes, em declaração conjunta de 36 organizações

04 de outubro de 2021

Senhora Presidenta,

Apoiamos duas importantes iniciativas levadas a cabo durante a presente sessão: o reconhecimento do direito ao meio ambiente saudável e a criação de um mandato especial sobre mudanças climáticas e direitos humanos.

A partir da experiência interamericana, exemplificamos a Opinião Consultiva 23/17 e o artigo 11 do Protocolo de São Salvador que reconhecem o direito a um meio ambiente saudável, que também é reconhecido por 156 países, incluindo a Constituição do Brasil, em termos individuais, coletivos e difusos.

A criação de um mandato especial sobre mudanças climáticas aproximará conceitos ainda distantes, como direitos, clima, conservação, gênero e participação igualitária, servindo de uma plataforma de empoderamento global dos setores mais afetados pela crise climática.

Não poderíamos esquecer, no espírito dos ODS, o papel ativo de povos indígenas, tradicionais, quilombolas e ribeirinhos na conservação da temperatura global, o que os classifica como agentes de mudança, sem os quais nenhum país alcançará os objetivos do desenvolvimento sustentável nem evitará o aquecimento global.

Fazemos um chamado aos membros do Conselho a aprovarem os respectivos projetos de resolução que serão apresentados ao fim desta sessão.

Muito obrigada.

Organizações signatárias

ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos

Amazon Rebellion / UK

Amnesty International

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib

Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil

Articulações dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo

Associação Juízes para a Democracia – AJD

Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL

Coletivo Brasil-Montréal

Coletivo Grito

Coletivo Por Um Brasil Democrático – Los Angeles

Coletivo Taoca

Collectif Alerte France Brésil / MD18

Comissão Regional de Justiça e Paz de Mato Grosso do Sul – CRJPMS

Comitê Belgo Brasileiro (CBB) Asbl

Comitê Chico Mendes

Comitê Italiano Lula Livre

Comitê Latino Americano e do Caribe pelos Direitos da Mulher – Cladem Brasil

Conselho do Povo Terena

Conselho Indígena de Roraima – CIR

Conselho Indigenista Missionário – CIMI

Conselho pela Democracia no Brasília, Zurique

Criola

Defend Democracy in Brazil Committee NY

Human Rights Watch

Instituto De Pesquisa e Formação Indígena – Iepé

Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase

Instituto Brasileiro de Direitos Humanos – IBDH

Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos – IDDH

Instituto Socioambiental – ISA

Maré Socioambiental

Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH Brasil

Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Bahia

Ordem dos Advogados do Brasil – Conselho Federal

Paz, Educação Ambiental e Consciência Ecológica – PEACE

Plataforma Dhesca Brasil

Terra de Direitos

Terra Indígena Baixo Marmelos, nos municípios de Manicoré e Humaitá/AM. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

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