João Fellet, da BBC News Brasil em Brasília
Sob duras críticas nesta semana por conta de uma grande falha técnica e denúncias de uma ex-funcionária, o Facebook anunciou nesta sexta-feira (8/10) que passará a coibir o uso de suas plataformas para a venda de áreas protegidas da Amazônia.
A decisão foi anunciada oito meses após a BBC lançar um documentário mostrando que usuários do Facebook estavam utilizando o site para vender ilegalmente pedaços da Floresta Amazônica no Brasil.
As vendas eram feitas por meio do Facebook Markeplace, espaço virtual onde usuários podem negociar de itens pessoais a propriedades rurais.
Alguns usuários exibidos no documentário estavam tentando vender ilegalmente áreas que ficam dentro de unidades de conservação, como a Floresta Nacional do Aripuanã, no Amazonas, e da Terra Indígena Uru Eu Wau Wau, em Rondônia.
Segundo a empresa, uma base de dados da ONU sobre áreas protegidas será usada para filtrar os anúncios irregulares feitos por usuários.
A nova política também será aplicada ao Instagram e ao Whatsapp, que também pertencem ao Facebook.
A empresa não deu detalhes, porém, de como será feita essa filtragem, e uma pesquisadora expressou dúvidas quanto à eficácia da medida (leia mais abaixo).
Apenas áreas protegidas
A nova política do Facebook se aplica à venda de áreas protegidas da Amazônia nos nove países que a compõem, e não engloba outros biomas ou regiões do mundo.
A nova política tampouco engloba partes da Amazônia sem status de conservação – caso, por exemplo, das florestas públicas não destinadas, que responderam por um terço de todo o desmatamento na Amazônia brasileira no primeiro trimeste de 2021, segundo o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
A venda de pedaços de florestas públicas não destinadas também é ilegal.
O anúncio do Facebook foi feito em uma semana em que a empresa enfrenta forte pressão nos EUA. Na terça-feira (5/10), uma ex-funcionária afirmou em depoimento a senadores americanos que a rede priorizou o “crescimento em detrimento da segurança” dos usuários.
Um dia antes, uma pane tirou do ar o Facebook, o Whatsapp e o Instagram do ar em vários países por várias horas, o que afetou negócios e alimentou um debate sobre a dependência da população em relação às redes.
Gravações com câmera escondida
Em fevereiro, o documentário da BBC Amazônia à venda: o mercado ilegal de terras protegidas no Facebook revelou que pedaços de floresta com área equivalente a até 1.600 campos de futebol estavam à venda no Marketplace do Facebook.
Para provar que os anúncios eram reais, a BBC se encontrou em Rondônia com quatro vendedores com uma câmera escondida.
Assista aqui ao documentário exclusivo da BBC
Um dos vendedores estava tentando vender um trecho da Terra Indígena Uru Eu Wau Wau, território onde há inclusive presença de indígenas isolados.
Em março, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a Polícia Federal (PF) investigasse os fatos citados no documentário. Em julho, a PF fez uma operação de busca e apreensão em endereços de todos os vendedores expostos.
Segundo a polícia, os investigados foram ouvidos e responderão pelos crimes de invasão e desmatamento de terras públicas e por estelionato. As penas, somadas, ultrapassam 13 anos de prisão.
Na época, o Facebook disse que estava “pronto para trabalhar com autoridades locais” sobre eventuais crimes expostos no documentário, mas que não tomaria medidas por conta própria para impedir que essas negociações ilegais ocorressem em suas plataformas.
Agora a empresa diz ter trabalhado com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e outras organizações para dar os “primeiros passos” para tentar resolver a questão.
“A partir de agora, analisaremos as listagens no Facebook Marketplace com base em um banco de dados oficial de áreas protegidas de uma organização internacional para identificar quais podem violar essa nova política”, disse o Facebook, em um comunicado.
“Com base em critérios específicos, o Facebook buscará identificar e bloquear novas listagens no Marketplace nessas áreas”, completou a empresa.
Ainda segundo a companhia, a nova política será aplicada “gradualmente”. O Facebook não detalhou, porém, quais critérios usará para fazer a filtragem.
Hoje muitos usuários que tentam vender terras na Amazônia pela plataforma não citam dados precisos sobre a localização das áreas, o que dificulta a checagem sobre elas estarem ou não dentro de áreas protegidas.
Para a advogada Brenda Brito, pesquisadora do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), a nova política do Facebook terá pouco efeito se a empresa não exigir que os vendedores passem a citar a localização precisa das áreas que estão tentando vender.
“Eles (Facebook) podem usar a melhor base de dados do mundo, mas, se não tiverem alguma referência de geolocalização, não vai dar certo”, afirma Brito.
A BBC questionou o Facebook por que a empresa não exigia a localização das áreas à venda e se passaria a adotar a medida.
Em resposta na qual não abordou o tema, o Facebook disse que as medidas anunciadas “são resultado de conversas com parceiros e especialistas ambientais”, entre os quais a ONG WWF.
“Sabemos que não existem ‘balas de prata’ neste espaço e continuaremos trabalhando para evitar que as pessoas burlem nossa fiscalização”, afirmou a empresa.
Para Brenda Brito, o Facebook também poderia ter incluído em sua base de dados as florestas nacionais públicas não destinadas, que são um dos principais alvos de grileiros e desmatadores na Amazônia hoje.
O Serviço Florestal Brasileiro mantém desde 2016 mapas atualizados sobre essas áreas, que poderiam ser usados para ampliar o alcance das medidas anunciados pelo Facebook, segundo a pesquisadora.
A empresa afirmou, porém, que utilizaria uma base de dados que não inclui esses territórios, mantida pelo Centro Mundial de Monitoramento da Conservação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP-WCMC, na sigla em inglês).
Em nota à BBC, uma porta-voz da UNEP-WCMC disse que o órgão gerencia “a mais abrangente base global de dados sobre área protegidas”, atualizada mensalmente com informações de governos e outras instituições.
Para a ambientalista Ivaneide Bandeira, fundadora da ONG Kanindé, a mudança na política do Facebook é positiva.
“Considero esse anúncio uma coisa boa, embora esteja chegando atrasado, porque eles nunca deveriam ter permitido (os anúncios de terras protegidas)”, afirmou.
“Mas o fato de agora estarem tomando essa posição é bom, porque vai ajudar na proteção do território, já que vai ajudar a não divulgar venda de terra dentro de área protegida e de terra indígena”, disse Bandeira.
A ambientalista afirmou, no entanto, que o Facebook poderia fazer mais nesse campo e sugeriu que a empresa crie canais para que usuários denunciem a ação de criminosos ambientais pela plataforma.